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03 setembro 2015

Morria o Chacha Nascia o Benfiquismo

03 setembro 2015 6 Comentários
HÁ CEM ANOS, EM 1915, COM O FALECIMENTO DE ÁLVARO GASPAR PERCEBEU-SE O QUE ERA O BENFIQUISMO.


Álvaro Gaspar morreu em 3 de Setembro de 1915, depois de longa agonia, vítima de tuberculose pulmonar. Com o seu desaparecimento, como acontece, com qualquer morte há sempre uma reflexão acerca do sentido da vida. Em 1915, principalmente depois do seu funeral, em 5 de Setembro, começou a ter sentido o Ideal de 28 de Fevereiro de 1904.

A morte de Álvaro Gaspar permitiu perceber o Benfiquismo
O desaparecimento de um dos futebolistas mais virtuosos do futebol português até meados do século XX deu a entender que o Benfica tinha uma abrangência emocional, muito para lá, muito maior, do que formar equipas de futebol. Havia Benfiquismo. Geralmente o desaparecimento do “Chacha” é visto como uma tragédia. Um jovem (26 anos) pobre e desprotegido, tornado ídolo (pelo futebol) perdia a vida após uma luta desigual face a uma doença mortal. Impiedosa. Uma perda sentida e desesperada. Também é! Mas significou muito mais do que isso.

É preciso recuar ao futebol do seu tempo (século XIX – anos 10 do século XX)
O futebol era jogado por “filhos de boas famílias”. Em Portugal o futebol começou a ser jogado pelos técnicos ingleses que se deslocavam de Inglaterra até Portugal para instalar e fazer funcionar as patentes inventadas no Reino Unido. Um “assunto” entre “doutores e engenheiros”. Mais estes que os doutores que jogavam mais râguebi que futebol. Os três principais clubes – que melhores resultados conseguiam – eram exclusivamente de ingleses: dois em Lisboa e um no Porto.

Entre os portugueses também era assim. Filhos de burgueses de Lisboa, os Pinto Basto foram estudar para colégios ingleses, entusiasmando-se com o "Foot-Ball" que jogavam nesses colégios. Quando regressaram trouxeram uma bola (talvez mais do que uma como conta a lenda...) e as regras (ou a memória delas). Em breve contagiaram os amigos em Portugal. Foi organizado o Lisbonense FC, que deu origem ao FC Swifts (Velozes), mas eram conhecidos por "Grupo dos Pinto Basto", qual Swifts. Em 8 de Dezembro de 1902 numa espécie de vontade transnacional, com amigos ingleses e alemães, fundaram um clube que ainda hoje existe, o CIF.



O “primeiro” clube português era um misto (portugueses e ingleses), daí o nome pelo qual era conhecido – Internacional, simplificação de CIF – Clube Internacional de Futebol. Depois surgiram outros clubes mas com elementos de “boas famílias” – Sporting CP (também com ingleses até 1908), SC Império, Football Cruz Negra, por exemplo. Também se começaram a formar equipas nas escolas (Liceus), colégios e institutos (ensino superior) – Casa Pia de Lisboa (ainda no século XIX), Liceu da Lapa, Escola Académica, Instituto Industrial (actual IS Técnico), etc – reservado a filhos das elites, da burguesia e nobreza. Entretanto surgiam clubes populares – Ajudense FC, SU Belenense, por exemplo - mas condenados ao fracasso por escassez de meios.



O SC Império em 1909/10 na Feiteira


O “Glorioso”
Entre os clubes de boas famílias estava o Sport Lisboa (depois de 13 de Setembro de 1908, Sport Lisboa e Benfica). O núcleo mais importante eram os Catataus, filhos de um dos maiores armadores (pesca) do País, empregados de nível superior (Manuel Gourlade) e casapianos com boas profissões. A Real Casa Pia de Lisboa era uma Instituição nobre que conseguia – através de uma educação esmerada, prática e criteriosa – promover gente pobre (órfãos) a profissionais bem “colocados na vida”, de escriturários a médicos, pintores e arquitectos, por exemplo. O “Glorioso” teve como primeiros associados gente da mais ilustre e conhecida em Belém e na Casa Pia.

Campeões Regionais em 1909/10. A primeira fotografia de Álvaro Gaspar - como avançado-centro junto à bola - numa equipa da 2.ª categoria. De cima para baixo. Da esquerda para a direita. Félix Bermudes, Francisco Rocha, Augusto Jorge, Manuel Veloso, José Domingos Fernandes e ...; ...., ...., Álvaro Gaspar, Francisco Pereira e Francisco França (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 134; I volume)
A popularidade
O que vai distinguir o Clube dos restantes é a abrangência social. Ao contrário dos outros clubes que se dividiam entre elitistas (com sucesso) e populares (sem sucesso), o “Glorioso” não fazia distinções. Acolhia todos, dando-lhes – dentro do Clube – a importância que tinham para o progresso, afirmação e desenvolvimento da colectividade. Independentemente da origem, poder económico e social, posição ideológica (republicanos, monárquicos, socialistas ou conservadores) e importância política, o que, verdadeiramente, contava é o que estavam a fazer pelo Clube. Naquele momento e no seu percurso associativo, que naquela época também tinha muito de desportivo, principalmente no futebol. Dos 24 fundadores todos jogavam futebol. Os novos sócios aderentes eram também futebolistas ou outros desejosos de o ser. Nos primeiros quatro anos (até à crise do Verão de 1907) sócios “não-futebolistas” são excepções. Os poucos associavam-se ao Clube por serem muito amigos de alguns futebolistas. Era uma forma de contribuírem, num tempo em que não havia bilhetes para vender nem comprar. O querer jogar sem recorrer a estrangeiros, pois havia a ideia que só quem utilizava ingleses podia singrar e conquistar, fazia que os futebolistas do "Glorioso" soubessem que representavam um clube ímpar.

A essência do Benfiquismo
Esta abrangência social estava no âmago do Clube. Era algo natural que nem merecia reflexão por ser o próprio Ideal que existia para fazer singrar a Ideia de 28 de Fevereiro de 1904. Ninguém pensa naquilo que é óbvio. Com a degradação física provocada pela doença, a agonia de Álvaro Gaspar, a morte e funeral, o desaparecimento percebeu-se a dimensão do clubismo no Benfica, o Benfiquismo. Um “dez réis de gente”, pobre como os mais pobres, era querido em todo o Clube. Teve homenagens, incluindo dois jogos de solidariedade para obter receitas que permitissem a sua sobrevivência bem como dos seus. Teve o clube em luto pesado e profundo. Teve um dos mais ilustres advogados de Lisboa, presidente da Direcção do SLB, dr. Alberto Lima a puxar a carreta fúnebre, calçada da Ajuda acima até ao cemitério da Ajuda. Teve o SLB em pesar durante muito tempo. Teve homenagens póstumas várias, culminando em 27 de Abril de 1947 com o descerrar de uma lápida de homenagem (dita perpétua) na bancada do Povo, no Estádio do Campo Grande, ou não fosse o “Chacha” mais que tudo, um ídolo do Povo! Do Povo do Futebol! Teve tudo numa vida breve de 26 anos! Nunca se vira em Lisboa. Um “maluquinho do pontapé na bola” respeitado e honrado como se de uma figura notável se tratasse. E era notável. À sua maneira! À nossa, dos Benfiquistas, maneira!


Cosme Damião e Ribeiro dos Reis
Os dois grandes ideólogos do Benfiquismo – Cosme Damião e António Ribeiro dos Reis – interpretaram muito bem o significado da existência, enquanto futebolista, de Álvaro Gaspar como símbolo do Benfiquismo.

Cosme Damião que o viu chegar ao Sport Lisboa, percebeu as suas virtudes e defeitos, indicou-lhe as categorias que percorreu ao longo da curta carreira no futebol, treinou e orientou-o desde o dia da estreia até ao dia da despedida, viu nele o exemplo do ser um jogador À Benfica – um só clube, um só desejo, ser campeão e tudo fazer para poder sê-lo: pontualidade, dedicação, abnegação e exemplo.


Ribeiro dos Reis - dez anos mais novo que Cosme Damião e sete que Álvaro Gaspar - começou por admirá-lo como espectador e depois foi colega dele na 2.ª categoria. Em 1914/15, com Álvaro Gaspar a deixar progressivamente de jogar (pela doença) e Ribeiro dos Reis em progressão rumo à titularidade na 1.ª categoria cruzaram-se com o “Manto Sagrado” em 1914 e 1915 (até Abril). Ribeiro dos Reis percebeu a dimensão universalista do Clube, pelo modo como este se curvou perante um futebolista que só percepcionado nesta dimensão era entendível. Era o Benfiquismo que se curvava e enlutava perante um gigante em campo que na vida fugaz do quotidiano passaria despercebido e ignorado. O Benfiquismo existia! Não se manifestava “apenas” à volta de um jogo ou na euforia de um resultado brilhante. Ou de um título conquistado! O “Chacha” –a sua tragédia e vulnerabilidade -  tornou o Benfiquismo real. Materializou-o. Deu-lhe dimensão e visibilidade. Conteúdo e razão de ser. Até hoje. Cem anos depois!

Semanário "O Benfica"; 10 de Maio de 1947

Há um ano foi evocado o Chacha enquanto futebolista do “Glorioso”
Quem quiser tem aqui as ligações a esses textos mais biográficos (clicar em cima do número):

1.       01.Mar.2014       O Último Jogo;
2.      05.Mar.2014      O Debutante;
3.      16.Mar.2014       O Crescimento;
4.      30.Mar.2014      A Resistência;
5.      09.Abr.2014       O Triunfo;
6.      10.Abr.2014       O Reservista;
7.      29.Abr.2014       A Titularidade;
8.      30.Abr.2014       A Internacionalização;
9.      06.Mai.2014       A Ficha;
10.   28.Mai.2014       O Brasil;
11.     19.Jun.2014       Percursos;
12.     02.Set.2014       A Derradeira Glória;
13.     03.Set.2014        A Última Época;
14.     04.Set.2014        O Funeral;
15.     05.Set.2014        O Legado  

Obrigado Chacha! O primeiro a chegar ao Quarto Anel! Continuas o ser orgulho de todos nós!

Alberto Miguéns

PLANO PARA AS EDIÇÕES DURANTE  SETEMBRO
(provisório como é evidente)
De 4 a 16 de Setembro de 2015 (Sempre pela meia-noite)
Sexta-feira (de 3 para 4): O que é que os “miúdos” têm?;
Sábado (de 4 para 5): Hipocrisia é moda?;
Domingo (de 5 para 6): Benfica tão brilhante que se vê no escuro;
Segunda-feira (de 6 para 7): O Mais Belo e Inigualável 138;
Terça-feira (de 7 para 8): Mentiras Oficiais Made in SLB;
Quarta-feira (de 8 para 9): Uma modalidade por semana: Râguebi;
Quinta-feira (de 9 para 10): Cuidado com eles!;
Sexta-feira (de 10 para 11): E o "Glorioso" na 4.ª jornada?;
Sábado (de 11 para 12): O Benfica e o CF "Os Belenenses";
Domingo (de 12 para 13): E depois da Quarta?;
Segunda-feira (de 13 para 14): Desde que Luisão chegou…;
Terça-feira (de 14 para 15): O Benfica e o FC Astana;
Quarta-feira (de 15 para 16): Que estreia na Liga dos Campeões 2015/16?;

Quinta-feira (de 16 para 17): Uma modalidade por semana: Pólo Aquático
6 comentários
  1. Caro Alberto, não imagina a emoção que sinto ao ver alguns dos seus artigos, como este.
    Pela História, pelo conhecimento do desporto (e não só) de outras épocas, pelo Benfiquismo, pelas homenagens, pelo trabalho, pelo carinho e gosto com que faz estas maravilhas.

    Pela enésima vez, muito obrigado. Nós, todos, lhe devemos grande respeito.
    Para mim, o Alberto é um Eterno.

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  2. Antes desta série de artigos não eram muitos os que conheciam a figura de Álvaro Gaspar e a importância que ele teve no tempo em que usou o manto sagrado.

    Com um notável conjunto de artigo o Alberto deu-nos isso. E ainda brindou os Benfiquistas com detalhes nunca antes revelados sobre a vida de Gaspar e do Glorioso nas suas primeiras duas décadas de existência.

    Foi um período delicado em que se definiu o Sentimento de "Ser Benfiquista". E em que esse sentimento se foi moldando, confrontado com as dificuldades materiais e com as deserções dos que não acreditaram e simplesmente desistiram. Felizmente alguns souberam desde cedo, desde sempre, revelar a fibra de Benfiquista. De perceber como o nosso clube é especial. E já lá estava tudo. O nosso clube foi especial logo na primeira hora.

    O Alberto deu cor e sentido a detalhes, mostrou-nos que Álvaro Gaspar foi um desses homens. E foi-o com o talento, a ambição, o carinho, a perseverança, a rectidão. Tal como Gourlade, Bermudes, Cosme, Ribeiro dos Reis e tantos outros. Cada vez mais.

    O Alberto fez acima de tudo justiça a Álvaro Gaspar.

    De forma modesta, fica aqui o agradecimento por isso e por tudo o mais que tem dado aos Benfiquistas.

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  3. Obrigado Alberto,

    Lendo as palavras de Ribeiro dos Reis... Já não se escreve assim.

    Saudações Gloriosas

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  4. Caro Alberto

    Sem palavras para exprimir a alegria que é ler as suas "histórias" do nosso Benfica.

    Só uma pergunta (várias dentro do mesmo contexto):
    - Sabe se ainda existe essa lápide? Haverá alguém que saiba dessa lápide? Há algum documento/foto dessa lápide?

    Obrigado
    Jorge

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    Respostas
    1. Penso não existir.

      Inexplicavelmente foi retirada do Campo Grande e não foi colocada na Luz. Cheguei a vê-la (partida ao meio) encostada numa parede numa "oficina" por baixo das bancadas do Terceiro Anel mais antigo, "oficina" essa que ficava junto ao pavilhão do hóquei em patins e basquetebol (onde reparavam as vedações entre bancadas e para o campo) no anterior estádio.

      Penso que foi transformada em entulho. Espero que tenham retirado o bronze que tem assinatura de artista escultor.

      Alberto Miguéns

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  5. Já vi que foi respondido parte das minhas perguntas....

    http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/09/viva-o-chacha.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+EmDefesaDoBenfica+(Em+Defesa+do+Benfica)

    Muito Obrigado

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