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31 agosto 2016

Sob o Signo das Primeiras Vezes (II: Fronteira)

31 agosto 2016 3 Comentários
A PRIMEIRA SAÍDA AO ESTRANGEIRO (ESPANHA) FEZ-SE PELA FRONTEIRA NORTE. ENTRE O MINHO E A GALIZA RUMO À CORUNHA.



A deslocação ao estrangeiro - a primeira - fez-se com todo o cuidado como era apanágio do Benfica, desde a sua fundação. Recordemos que o clube fundado em 28 de Fevereiro de 1904 demorou quase um ano (até 1 de Janeiro de 1905) a entrar em campo preferindo treinar  - 29 treinos: 24 em 1903/04 e cinco em 1904/05 - para depois poder fazer bons jogos (e resultados) frente aos melhores clubes da Lisboa (Grupo de Campo de Ourique e Club Internacional de Futebol) isto tendo em vista o "objectivo" inicial. Conseguir obter fama em Lisboa para poder ser aceite em Carcavelos, pelos "mestres ingleses do Cabo Submarino", o Carcavellos Cricket and Foot-Ball Club. O «título» nesse tempo era poder jogar na Quinta Nova. A ida a Espanha foi preparada com muito cuidado, pelo menos fica-se com essa ideia. O Benfica preferiu aceitar jogar na Corunha em vez de ficar em Vigo. É que os clubes de Vigo eram melhores, muito melhores, que os clubes da capital da Galiza. Dominavam as competições galegas. 

(clicar em cima da imagem para obter mais definição)



E este domínio (esmagador) tem uma explicação
Os clubes de Vigo, habilidosos em fazer fusões para ficarem mais fortes, conquistaram as primeiras 19 edições do Campeonato da Galiza. Só ao XX Campeonato um clube da Corunha conseguiu ser campeão da Galiza, em 1926/27. É que Vigo está para o futebol espanhol como Carcavelos para o de Portugal. Era lá que estavam os ingleses do Cabo Submarino. Foi lá que se iniciou o futebol em Espanha, em 1873 (clicar para a wikipédia). Embora, actualmente, o emblema mais antigo de Espanha (como clube de Futebol) seja o Real Club Recreativo de Huelva, fundado em 23 de Dezembro de 1889, então designado Huelva Recreation Club.

Os «Cabos Submarinos» que além da mensagem (primeiro por telégrafo) e voz (depois por telefone) espalharam o Futebol (o gosto de o praticar e ver jogar) por todo o Mundo. O "cabo que nos interessa" ligava Falmouth (Sudoeste do Reino Unido) à ilha de Malta, "tocando" Vigo/Pontevedra, Carcavelos - ramificando para a Madeira (Achada/Santa Clara), Açores (Faial) e Cabo Verde (São Vicente) - e Gibraltar 

A primeira vez a atravessar a fronteira (de comboio) em 31 de Maio de 1912
A ida à cidade do Porto deu para perceber que o Benfica podia ir a Espanha, pelo menos à Galiza, pois no convívio entre Benfiquistas e portistas os Benfiquistas ficaram com a noção que era mais fácil do que se imaginava. O FC Porto ia a Vigo defrontar um dos então cinco emblemas locais, três mais fortes: Sporting Club de Vigo (de 1903), Real Vigo FC (de 1905) e Real Clube Fortuna Vigo (de 1905). Em 1913 houve uma fusão de dois clubes, nascendo o Real Vigo Sporting Club. Dez anos depois, em 23 de Agosto de 1923, nova fusão criando-se um novo emblema em Vigo, ainda existente, o Real Club Celta, depois da Guerra Civil espanhola acrescentando Vigo ao nome. Além de outros dois, o Comercial FC e Victoria SC que em 1922 dão origem ao Unión SC. É aliás a «ameaça» deste clube dos arredores de Vigo, de Lavadores, que cria as condições para a fusão, em 1923, do Real Clube Fortuna com o Real Vigo Sporting Club.



Cautelas e caldos de galinha...
Apesar do Benfica se mostrar claramente superior ao FC Porto, vencendo este no seu campo, por 8-2, e o FC Porto ter obtido uma vitória (4-3) em Março de 1912 frente ao RC Fortuna de Vigo, sabia-se que o FCP nunca vencera em Espanha os clubes de Vigo tendo averbado quatro derrotas (?-?, 0-4, 0-2 e 1-6), embora não se saiba (ainda) o resultado em 1908. O Benfica não foi a Vigo ou a Pontevedra (onde estava a força do futebol galego) mas rumou mais a norte, até à capital da Galiza. E a convite do Real Club Corunha que pagou a deslocação. Rogério Jonet - acerca de quem já escrevi neste blogue, por exemplo em 7 de Setembro de 2015 (clicar) - disse-me que Cosme Damião falava desta deslocação como um "achado": quando o Benfica se preparava para arranjar fundos para ir à Galiza surge uma oportunidade única. Os clubes da Corunha queriam defrontar uma selecção de Lisboa mas não se conseguindo organizar esta, coube ao SL Benfica e CIF - os dois emblemas "portugueses" mais fortes, campeão e 2.º classificado no Regional de Lisboa - deslocarem-se à Corunha. O SLB foi campeão invicto: seis jogos e seis vitórias (12 pontos). O Internacional em seis jogos averbou três vitórias e três derrotas, com seis pontos.




Afinal era mais fácil...
Em Lisboa havia alguma aversão a idas a Espanha por não terem corrido particularmente bem em termos de tempo despendido. Uma odisseia. O Internacional/CIF foi a Madrid, em 5 de Janeiro de 1907 (primeira deslocação de um clube português ao estrangeiro) e um Misto de Lisboa com quatro futebolistas do “Glorioso” (e um quinto a caminho de ser "contratado" - Francisco Belas - do Sport União Belenense) foi a Huelva, em 27 de Agosto de 1910. Foram viagens penosas. Junto do FCP os dirigentes do SLB perceberam que os comboios do Porto para a Galiza eram rápidos e frequentes para a época. Era o que queriam ouvir. Cosme Damião ansiava por jogos internacionais. Até 1912 em exclusivo em Portugal. Agora abria-se a possibilidade de não depender de quem vinha a Lisboa. O Benfica podia ir a Espanha. 



Os horários dos comboios, em 1914, mas que não devem diferir muito daqueles que o "Glorioso" teve de cumprir para ida e volta, entre Lisboa e Valença (com ligação à Corunha)

E lá foram eles... que somos nós...104 anos antes e depois!
Um mês depois, saída em 30 de Maio, do Rossio, no «comboio-correio» para pernoita, chegada de manhã à Invicta, comboio para o Minho e passagem da fronteira, em Valença/Tuy, a 31 de Maio de 1912. Pela primeira vez o “Glorioso” estava em Espanha. Fantástico. Mas não foi para Vigo. Rumou mais a norte até à capital, na Corunha, para defrontar o Real Club Corunha (RCC), fundado em 1904 e extinto em 1919. O grande rival de outro clube fundado dois anos depois, o Real Club Deportivo Corunha, ainda existente na actualidade. Os três jogos com o RCC foram fantásticos. Em 2, 4 e 6 com balanço positivo. A nível desportivo e social. O comportamento de Cosme Damião foi destaque na cidade enobrecendo o Benfica. Quando nem um decénio de existência tinha passado pelo "Glorioso" (1904 - 1912). A descrição já foi feita neste blogue, aquando do Centenário da Estreia Internacional do "Glorioso", em 2 de Junho de 2012 (clicar). Não vou repetir-me, isto porque com o texto de hoje, vamos na segunda “carruagem” e o comboio tem seis, puxado por uma máquina potente chamada “Glorioso”. Ainda anotar que o Benfica, dos emblemas existentes em Vigo, defrontou o Vigo Futebol Clube (vitória por 1-0 no torneio de inauguração do campo da Constituição, na cidade do Porto, terreno alugado pelo FC Porto), depois da fusão (deste Vigo FC com o Sporting CV, que nunca defrontámos) o Real Vigo Sporting Club (em quatro jogos, com uma vitória, um empate e duas derrotas, obtendo cinco golos e sofrendo oito), Real Clube Fortuna Vigo (em dois jogos, com uma vitória e uma derrota, marcando sete golos para dois sofridos) e o Club Comercial Vigo (num jogo com um empate a dois golos) para além do actual Real Club Celta Vigo (em nove jogos, com uma vitória, um empate e sete derrotas, com apenas quatro golos marcados e...22 sofridos). 




Imprensa portuguesa a dar destaque
A digressão do Benfica - a do Internacional ainda teve mais!!! - mereceu destaque na Imprensa de Lisboa que foi acompanhando os jogos dos clubes portugueses na Galiza, com relatos dos acontecimentos na Corunha. Eis dois exemplos que nos enchem de orgulho mais de um século depois:




As digressões: da Realidade à Lenda
Rogério Jonet dizia que as digressões ao estrangeiro eram o principal motivo das conversas aquando das confraternizações anuais para comemorar títulos - o Benfica todas as temporadas conquistava pelo menos um título numa qualquer categoria - que para Cosme Damião eram todas as principais do respectivo campeonato. Rogério Jonet dizia que aquelas conversas - dos futebolistas que nelas (digressões) haviam participado - a contar as peripécias nessas deslocações eram mais um incentivo para os jogadores tudo fazerem para jogar na 1.ª categoria ou serem os melhores da 2.ª categoria para poderem ser "convocados" para essas idas a Espanha. Rogério Jonet com 95 anos de idade ainda se lembrava de alguns episódios que eram "clássicos" e foram transformando-se em Lendas: a expulsão de Artur José Pereira (e prisão num quarto de hotel com Cosme Damião a levar, num bolso, a chave da porta do quarto para um banquete); a "rata mecânica" Álvaro Gaspar "Chacha" que "papou" três ou quatro espanhóis com um drible (ao que parece a história começou com dois espanhóis fintados no mesmo drible!); e o «comboio fantasma»: chegar a uma estação de ligação "entre Linhas" e afinal o comboio que se pensava ter aquele horário afinal tinha outro, obrigando a esperas, por vezes, de quase um dia...



Contas feitas, contas apresentadas
Como era habitual, os associados sabiam de todo o movimento financeiro do Clube. A transparência foi um dos pilares que fez do Benfica uma referência das organizações associativas em Portugal. Com relatórios anuais pormenorizados ao aspecto mais ínfimo, mas importante. Os sócios são o Clube. O Clube são os seus associados. 


(clicar em cima da imagem para obter mais definição)

Extracto da página 208 (I Volume); História do SL Benfica (1904 - 1954); Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; 1954; Lisboa; edição dos autores

Os jornais da Galiza noticiaram a presença do Benfica
É isto que nos enche de orgulho. Mais de 104 anos depois. É Benfica! Quatro exemplos em duas dezenas.




A primeira vitória do "Glorioso" no estrangeiro
Noticiada pela Imprensa local. É isto o Benfica! Saber perder para conseguir ganhar! (NOTA: Embora pareça uma notícia equivocada - deve ser o jogo do CIF - o certo é que para os leitores do jornal a informação que lhes chegou foi a de uma vitória do Benfica!)


Glorioso Benfica! O Benfica é lindo!

Alberto Miguéns

Previsão para os próximos dias:

01 de Setembro: A primeira vez de barco;
02 de Setembro: A primeira vez de avião;
03 de Setembro: A primeira vez de autocarro;
04 de Setembro: A primeira vez de avião fretado.
3 comentários
  1. Meu amigo não encontro palavras para classificar o seu trabalho neste blog e o seu Benfiquismo, você é realmente o maior, grande Abraço.

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    Respostas
    1. Caro Damião Soares

      Agradeço as simpáticas palavras.

      Mas é a grandeza do Benfica que permite que tudo o que se faça acerca dele tenha valor de excelência, mesmo que quem o faz possa não estar particularmente inspirado.

      A riqueza desportiva e social do nosso clube é tão grande que tudo suporta.

      Obrigado

      Alberto Miguéns

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  2. Fotografia interessante por ter sido cedida por um fundador do Sport Lisboa.
    Belo contexto do futebol da Galiza. Percebe-se muito bem da sua explicação as razões do dinamismo e categoria do futebol Galego. Sempre os Ingleses do Cabo Submarino
    Pensava que o interesse do SLB e de Cosme era apenas por proximidade geográfica.
    O que é certo é que o SLB jogou naquela década na Corunha mas também em Bilbao e Madrid. Nºo tenho a certeza se o primeiro jogo em Barcelona não foi já na década de 20 (1921?)
    O SLB foi presumo eu o Clube que mais apostou nos jogos internacionais também fora de Portugal. Detalhe muito importante para crescer em competitividade e ganhar experiência técnica e tática. Estratégia muito inteligente.

    Interessante nessa lista que apresenta que o Carcavellos Club tenha sido derrotado em casa pelo Racing Paris. Os Parisienses deviam ser bem competentes mas ainda assim o SLB portou-se melhor que os Ingleses

    Muito obrigado por este texto magnífico. Enche-nos de orgulho!

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