PODEMOS COMEMORAR
HOJE O CENTENÁRIO DO PRIMEIRO JOGO NO ESTRANGEIRO.
O Benfica estreou-se em Espanha (Corunha/Galiza) em 2 de Junho de
1912
Os jogos em Espanha confundem-se com a
própria história do Benfica. Foram inúmeras as digressões por todo o território
espanhol, com destaque para a Galiza.
Proximidade,
facilidade (comboio) e competitividade
Os dirigentes do
"Glorioso" bem como os responsáveis do futebol, com destaque para
Cosme Damião, sempre entenderam que "ir a Espanha jogar à bola" era
ir aprender, para vir mais forte para Portugal. O futebol espanhol sempre foi
mais evoluído que o português, com contactos frequentes com o francês. As
equipas de clubes espanhóis deslocavam-se a França e as equipas de clubes
franceses deslocavam-se frequentemente a Espanha. As delegações do Benfica
chegavam a Portugal "carregadas" de ilusões, pois via outras formas
mais avançadas de jogar a modalidade, com cambiantes a todos os níveis:
técnicos, tácticos, físicos e emocionais. Perceber o modo como "se
montavam os onzes" era uma delícia para Cosme Damião e restantes elementos
das comitivas, incluindo os futebolistas.
Digressões
e torneios
O Benfica correu
Espanha de "fio a pavio". Primeiro foram as digressões e depois os
torneios de Verão. Digressões, nos anos 10 e 20, pela Galiza, Madrid, País
Basco, Madrid, Galiza, Madrid, Galiza, Catalunha e Andaluzia. Depois
deslocações a Barcelona (1930/31 e 1940/41). Seguiram-se as participações, desde final dos anos 50, em
inúmeros torneios, de norte (Teresa Herrera, na Corunha) a sul (Ramon Carranza,
em Cádis). Mas, também no País Basco, em Málaga, Madrid, Barcelona, Badajoz ou
Salamanca, por exemplo. O Benfica deve ser o clube estrangeiro (para Espanha)
com mais jogos nesse país ibérico.
Primeiros
jogos na Corunha
Coube à Galiza, a
norte do Minho português receber a estreia do “Glorioso” por terras de Espanha.
Foram três jogos na “capital” da Galiza, na Corunha, frente ao emblema local, o Real
Club Corunha. O Benfica realizou três jogos, em 2, 6 e 9,
cruzando-se na Corunha com outro clube português também em digressão pela
Galiza, o Internacional (CIF) que defrontou o Real Club Deportivo Corunha.
Adversário
galego
Actualmente apenas o Real Club Deportivo Corunha existe. E este foi um clube que
nasceu, em 2 de Março de 1906, da rivalidade com o, então, único clube da cidade a
jogar futebol, o Real Clube Corunha (RCC), fundado em 1904, que (dizia-se em Lisboa) inspirou o
equipamento do CS Império, os aurinegros (embora também se dissesse...na mesma Lisboa, que as cores eram as do Império Bizantino). Mas aconteceu a Real Clube Corunha o mesmo que ao CIF
(Internacional), embora de modo mais radical. Não soube durante os anos 10 do século
XX adaptar-se ao profissionalismo e acabou por desaparecer em 1919. O CIF
continua activo embora com pouca expressão no futebol, praticando-o como
amador, embora tenha eclectismo semi-profissional noutras modalidades
desportivas. O RCC jogava no campo de Monelos, em Oza, nos arredores da cidade
da Corunha. Em 1908 foi o primeiro clube espanhol a receber o título de Real.
Depois muitos outros se seguiriam. O clube começou por se denominar Corunna
Foot-Ball Club, mas uma inesperada vitória, e por 3-0, logo ao seu primeiro
jogo, em 24 de Março de 1904, frente a uma tripulação inglesa do navio Dilligent faz renascer o orgulho
espanhol, passando a designar-se Coruña Fútbol Club. Depois da glória o
fracasso. Muitos futebolistas praticavam outros desportos num ginásio da
cidade, a Sala de Armas Calvet. Foram desafiados pelo dono da sala em conjunto
com outros alunos a fazerem dois jogos de futebol no campo Corralón de la Gaiteira. O impensável ocorreu. Em 8 e 9 de Dezembro de 1905, os experientes futebolistas perderam o primeiro (D 1-2)
e empataram o segundo (E 0-0) frente a quem nunca jogara futebol de um modo organizado.
Destes inexperientes futebolistas surgiria o actual Real Club Deportivo
Corunha que passaria a jogar em "La Gaiteira" e pouco depois, em 1909 no campo do Riazor que em 1944 (28 de Novembro) passaria a estádio.
Real Clube
Desportivo da Corunha
No “rescaldo” do
sucesso frente a um clube organizado, nasceria um novo clube, precisamente
nesse dia, em 8 de Dezembro de 1906 com um nome óbvio – Club Deportivo da Sala Calvet. Em 1909, também
passaram a Real. E dois anos depois (1911) definitivamente Real Clube
Desportivo da Corunha.
Uma equipa do "Depor" fotografada já de "azul-e-branco" no ano de 1912 quando o SLB se desloca à Galiza, para defrontar o outro clube da Corunha, o Real Clube da Corunha |
Nacionalismo galego
Começaram com um equipamento de ginásio, adoptando pouco
antes da visita do Benfica as cores da Galiza: azul-e-branco. O Internacional deve ter sido dos primeiros emblemas a defrontar o clube com o novo equipamento "nacionalista".
Ao
contrário do que se tem publicado
O SL Benfica não
defrontou o “Depor” em 1912, mas sim o Real Clube da Corunha. Foi com este
clube, actualmente inexistente, que o “Glorioso” fez a sua estreia
internacional, precisamente há cem anos. A completar hoje. A estreia, foi o oitavo
jogo de um clube ou misto português no estrangeiro depois de um em Madrid
(Internacional), quatro em Vigo (do FC Porto), um em Badajoz (Internacional) e um
em Huelva (Misto de Lisboa).
O
Internacional chegou depois à Corunha
Para defrontar o
outro clube, o Real Club Deportivo Corunha, em 6, 7 e 9 de Junho de 1912. O
Internacional levou a sua equipa reforçada com dois futebolistas do Sporting
CP: Jaime Cadete e Francisco Stromp. O Benfica jogou em 2, 6 e 9. Venceu um
jogo (V 1-0) e perdeu dois encontros (D 1-2). O Internacional venceu um jogo (V
2-0), empatou outro (E 0-0) e perdeu o primeiro (D 1-3). Os jogos do “Glorioso”
foram dirigidos sempre por árbitros espanhóis. Os do Internacional foram
arbitrados por um espanhol, outro por
Cosme Damião, no dia em que o SLB não jogou, a 7 de Junho (a única vitória do
Internacional) e no último outro pelo conceituado e veterano Plácido Duro! Para ver os jogos internacionais até ao final de 1912 (clicar)
Dificuldades
com a equipa desfalcada
O “Glorioso” não
conseguiu que todos os futebolistas tivessem disponibilidade para estar
fora de Lisboa durante onze dias. Os titulares Augusto Paiva Simões
(guarda-redes), Carlos Homem de Figueiredo (médio-direito) e Luís Vieira
(avançado-centro) ficaram em Lisboa. O mais problemático foi substituir o
guarda-redes que teve de ser Germano Vasconcelos, habitual extremo-direito. Apesar
de tudo a comitiva do SLB foi composta por 14 elementos, entre futebolistas e dirigentes, mas o Benfica alinhou
sempre com o mesmo “onze”:
Germano Vasconcelos;
Henrique Costa e
Francisco Belas;
Romualdo Bogalho,
Cosme Damião (capitão) e Artur José Pereira;
Álvaro Gaspar,
Francisco Viegas, José Domingos Fernandes, Virgílio Paula e Alberto Rio.
Primeiro
jogo
Em 2 de Junho, há
precisamente cem anos, o Benfica defrontou o Real Club Corunha que se
apresentou reforçado com três futebolistas ingleses. O jogo foi arbitrado pelo senhor Long do RC Corunha. Na primeira parte o Benfica fez um ataque incessante à baliza
do adversário ficando com a ideia que lhe era claramente superior. E conseguiu
traduzir esse domínio com um golo de José Domingos Fernandes após uma hábil e rápida
jogada de contra-ataque que surpreendeu a equipa galega. No segundo tempo tudo
se modificou. Os futebolistas adversários apresentaram um jogo mais cerrado e
conseguiu marcar dois golos e vencer o jogo por 2-1. O empate surgiu numa
infelicidade de um futebolista do Benfica que introduziu a bola na baliza de
Germano Vasconcelos e pouco depois, após um pontapé-de-canto, os espanhóis
chegaram à vantagem que seria final. Jogou-se em certas fases do jogo com muita
dureza. Os jornais espanhóis destacaram o guarda-redes (Germano Vasconcelos), Cosme Damião e um dos dois
defesas (pela descrição dá a ideia que Francisco Belas).
Segundo
jogo
Quatro dias depois (6
de Junho) - passam cem anos na próxima quarta-feira - uma Gloriosa Data – a primeira vitória do Clube - num jogo disputado
fora do território português. O encontro foi arbitrado por Eduardo Guardado,
antigo guarda-redes do clube adversário. Cosme Damião deu indicações à equipa
em função do jogo anterior. Foi um jogo muito disputado. Alberto Rio fez o
único golo do encontro. O adversário ainda marcou um golo, mas foi invalidado
por fora-de-jogo.
Terceiro
jogo
Três dias depois o
último jogo da primeira digressão ao estrangeiro, arbitrado pelo juiz do
primeiro encontro (por Long do RC Corunha). Foi um jogo de beneficência a favor
de uma instituição local, os “Niños Delcalzos” (órfãos e crianças pobres abandonadas). Previa-se um jogo duro, pois
seria a desforra, após uma vitória de cada clube. O adversário iniciou o jogo
ao ataque, mas Germano Vasconcelos respondeu sempre com valentia. O jogo foi
endurecendo com os espanhóis a visarem aquele que estava a ser o melhor jogador
em campo, Artur José Pereira, que foi muito castigado. Chegou mesmo a estar
longo período lesionado durante o primeiro tempo. Tal como pouco depois um espanhol que era recorrente no jogo
faltoso. O encontro foi muito interrompido pelo árbitro para marcar faltas. O
intervalo chegou com o marcador sem funcionar. No segundo tempo o jogo recrudesceu
em violência. Numa jogada um futebolista adversário carregou Artur José
Pereira, tombando-o, junto da linha lateral. E depois dirigiu-se ao futebolista
português. Este no chão insultou o espanhol…próximo da tribuna de honra, com
muitas senhoras presentes. Cosme Damião como capitão da equipa reprovou a
atitude, entendeu que estava a denegrir a imagem do Clube, pedindo a Artur José
Pereira para abandonar o campo, acompanhando-o. O “Glorioso” ficou reduzido a
dez jogadores a cerca de meia-hora dos 90 minutos. Durante o segundo tempo o
adversário marcou dois golos e o Benfica respondeu apenas com um, marcado por
José Domingos Fernandes. O SLB perdeu por 1-2.
Artur José Pereira |
(H)À
Benfica
Havendo um jantar ao
final do dia, Cosme Damião proibiu Artur José Pereira de estar presente. Durante
a confraternização, os espanhóis mostraram-se agradados com a simpatia do clube
português e o capitão do RC Corunha, Carruncho, pediu a Cosme Damião para
terminar a penalização a Artur José Pereira, disponibilizando-se para o acompanhar
ao hotel para “resgatar” Artur José Pereira do castigo. E tudo terminou em bem.
O Benfica marcou, duplamente, esta jornada pioneira – ir ao estrangeiro pela primeira vez, vencendo um jogo –
com uma atitude de Clube grande e respeitado. Porque se dava ao respeito.
Gloriosa História! É o que é!
Alberto Miguéns