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23 dezembro 2015

Um Conto, Vários, Quase de Natal

23 dezembro 2015 5 Comentários
EM TEMPO DE NATAL. RELACIONADO – PARA QUEM QUISER – COM O NATAL.



Há muitos, muitos anos, ainda no século passado lembrei-me que talvez fosse possível encontrar ainda filhos de alguns dos 24 fundadores, pelo menos dos mais novatos em 28 de Fevereiro de 1904 e conseguir falar com eles. Seria uma tarefa hercúlea mas o engrandecimento do Benfica, feito pelos seus pais, transformando-o em “Glorioso” não só o merecia como exigia.  

Era uma vez um País
Que em tempos, há muitos, alguns anos, todas as pessoas que tinham telefone também tinham esse número de telefone e a morada onde estava instalado o telefone numa espécie de livro denominado Lista Telefónica que era actualizado anualmente. E a listagem de nomes estava organizada pelo apelido. Não era uma lista única. As listas eram por regiões. Chegaram a ser 15! Havia até para Lisboa e Porto duas listas: assinantes (páginas brancas) e páginas amarelas (classificados/publicidade). Nas outras 13 regiões telefónicas as listas eram duplas: brancas e amarelas. Os assinantes apenas tinham direito de receber a lista da sua região. Mas nas “Páginas Amarelas” (praça de Alvalade, n.º 9, em Lisboa) podiam comprar-se as restantes listas de Portugal, incluindo Madeira e Açores. Estamos a falar do tempo em que não existiam telemóveis nem internet.



Primeiro e segundo passo
Para descobrir descendentes dos fundadores - tentar descobrir - havia que comprar as 14 listas telefónicas em falta (apenas tinha a de Lisboa). Na praça de Alvalade n.º 9 trouxeram-me essas 14 listas e fizeram as contas (já não sei o valor, apenas que era em escudos, talvez contos, que era mais a "moeda utilizada" nesses tempos que o desvalorizado escudo). Como o volume era grande pedi se podiam fazer dois “montes” com igual peso e atá-los com um cordel, pois teria de as levar de autocarro em autocarro até minha casa! O empregado espantado quase gaguejou. “Não tem carro”! «Aqui não! Têm de ir de Metro e depois na Carris», devo ter respondido assim! Saiu e chegou com uma notícia. Como “isto” vai pesar vamos aliviar-lhe a carteira. Não terá de pagar! Para mim foi como uma prenda de Natal. E talvez estivéssemos em Agosto! Chegado a casa, estafado mas contente e ansioso, decidi qual seria o próximo passo. Com a lista dos 24 fundadores elaborada por Cosme Damião há mais de oito décadas, estabelecer prioridades. Primeiro os apelidos que considerava menos vulgares e para último os Silvas, Santos, Ferreiras, Pereiras, Oliveiras, Costas, Martins, Rodrigues e Sousas, se os houvesse!

Talvez fosse esta a ordem
Tinha de começar a telefonar por algum nome. Escolher o primeiro e seguintes. Não me recordo com exactidão do modo como ordenei a lista de 24, mas não dever ter sido muito diferente desta:
Damião, Cosme;
Gourlade, Manuel;
Afra, Jorge da Costa;
Linhares, José;
Empis, Raul;
Corga, Eduardo;
Goulão, João;
Calisto, Francisco;
Meireles, Abílio;
Severino, António;
França, Carlos e Manuel;
Teixeira, Henrique;
Gonçalves, Francisco Reis;
Rocha, Amadeu;
Gomes, João Inácio;
Cunha, Virgílio;
Brito, Daniel Santos;
Ribeiro, Joaquim;
Almeida, Joaquim
Sousa, Jorge Augusto;
Rodrigues, António, Cândido e José Rosa;

Lá fui telefonando para todo o País.
Também estabeleci prioridades ordenando as 15 listas telefónicas (desta ainda me lembro bem):
Lisboa; Linha Sintra; Linha Cascais; Norte Lisboa; Margem Sul; Porto; Ribatejo e Estremadura; Coimbra/Leiria/Castelo Branco; Algarve; Aveiro/Viseu/Guarda; Alentejo; Minho e Douro Litoral; Trás-os-Montes; Madeira; e Açores.

Vou abreviar…
Antes um pedido de desculpa. Se algum dos contactados estiver a ler este texto peço-lhes desde já desculpa por os ter incomodado, quase sempre à procura de…nada! Não vou contar o que aconteceu com os Damiões, Gourlades, Afras e Linhares. Bem como pelos 16 que se seguem aos Empis. Fico-me pelos Empis!

Nem queria acreditar…
Na primeira lista (a de Lisboa) fiquei atónito. Havia dezenas de Empis. Nunca imaginaria que existissem tantos Empis. Horas desperdiçadas (geralmente à noite e ao fim-de-semana) pois eram quase todos do Sporting CP e afirmavam nada ter a ver com o Benfica nem com qualquer um dos seus fundadores. Passei para a segunda (Linha de Sintra) mais Empis até perder de vista. Nada. Passei para a terceira (Linha de Cascais) e finalmente – talvez depois de mais de 40 Empis – eis que encontrava uma ligação ao Benfica. Outra prenda de Natal, muito provavelmente distante de 25 de Dezembro! E que ligação. Mas isso ficará para um dia destes contar. Porque valerá bem! Só por isto, talvez mais de cem telefonemas depois (que não eram de graça) e carregar as listas (que foram de graça) valeu a pena um dia, há muitos, muitos anos, ter tido a ideia que tive. 

Só agora, em 2015, percebi porque encontrei tantos Empis, dezenas (e parei a “meio”)
Este ano, em Junho, foi publicado um livro acerca de quem? De Raul José Empis, um dos 24 fundadores do “Glorioso”. Aliás é mais um livro acerca dos descendentes de Raul Empis. E histórias que envolvem a família, a maior parte delas recentes (depois do seu falecimento em 1960), mas também muitas, variadas e curiosas acerca dele. E dos seus…doze filhos! Ora aí está quebrado o mistério de tantos Empis! Só à conta do “nosso” Empis houve 12 Empis (filhos), que deram depois origem a mais uma vintena de Empis (netos) e a mais uns quantos, sempre em progressão Empis (bisnetos), embora “há muitos, muitos anos” os telefones fossem de filhos/filhas e netos/netas! Além de outros Empis que não descendiam do “nosso” Empis mas dos seus cinco irmãos (três rapazes e duas raparigas).


Os seis filhos (com respectivos cônjuges e primeiros filhos) netos de Ernest Laurent Empis, pai do "nosso" Raul José Empis, o segundo filho a nascer. Se a ordem for a cronológica, dos mais novos para os mais velhos temos, da esquerda para a direita: Maria Empis, Alberto Frederico Empis, Ernesto Augusto Empis, Carlos Empis, Raul José Empis (1887-1960) e Júlia das Graças Empis. O "nosso" Empis com a sua lindíssima esposa D. Luísa Burnay de Sousa Coutinho (1891-1974) com o decano dos seus doze filhos, José Luís Ernesto (1915-1989) ao colo. Colo de mãe, mãos de Deus

O livro “Doze Com Quatro”
Em tempo de Natal considero que comprar para oferecer, mas principalmente para ler, este livro é uma óptima prenda de Natal. Não só por falar do “nosso” Raul José Empis e dos seus doze filhos (seis raparigas e seis rapazes). É pelo modo como fala e a maneira como escreve a trata as histórias da (e de) família.


Os doze filhos do "nosso" Raul José Empis. Todos com nomes próprios de quatro letras. Se a lógica (das alturas) estiver correcta. Da esquerda para a direita: João (n. 1930), Egas (n. 1928), Elsa (n. 1925), Raul (n. 1917), Rita (n. 1916), José (n. 1915), Dora (n. 1918),  Vera (n. 1920), Nuno (n. 1926), Olga (n. 1921) e o Hugo (n. 1927). Na frente, Rosa (n. 1936) NOTA: Fotografia não legendada retirada da página 445 do citado livro


O livro são 39 histórias em que várias têm outras histórias dentro de cada história. Feito como se fosse tecendo uma peça. Por isso levou uma dúzia de anos a ser tecida. Se foi publicada em 2015 talvez a primeira letra e a primeira palavra tivessem surgido no papel em branco num pós-Verão de 2003 ou 2004. Sem ficar presa na roda cronológica do tempo as histórias balançam entre o recente, o muito antigo e o agora. É uma biografia em mosaico de uma família e daqueles que lhe estiveram próximos. Faltam muitos mosaicos, como é óbvio, pois não se trata de uma científica e metodológica “História da Família de Raul José Empis”. São pedaços das vivências resultantes da união entre D. Raul e D. Luísa. E do modo como conduziram as suas vidas e influenciaram os seus descendentes. Histórias retiradas do dia-a-dia quando algum desses dias deixa algo para contar por ser um dia que foi diferença na monotonia. Histórias variadas, algumas bem pessoais e íntimas que causam espanto, dando a entender que a autora tem “crédito” junto de tios, tias, primos e primas. Não há muito de confessional, ou seja da autora. Esta passa as histórias dela, sub-repticiamente, mas com ilusão, de quando tinha cerca de 12 anos para aparecer como mãe. Deixa a adolescência e ser jovem adulta, simplesmente, esquecida, ainda que com salpicos na história comovida acerca da fase terminal da vida do seu estimado pai Egas. Há um pouco de tudo no livro, nessas 39 histórias, desde a tragédia ao cómico. Do que parece ser ao ser. Apesar de o ter começado a ler com o interesse de um investigador, para tentar saber se havia referências à fundação do Sport Lisboa (não há) pode-se dizer que depois, como leitor posso responder à “frase-pergunta”, a última do preâmbulo (na página 24):

«Bons momentos, é tudo o que eu posso esperar proporcionar ao leitor. Um desejo, mais do que uma esperança.»

Sim! Passei bons momentos. Ri-me com a mitra, comovi-me com a Catarina, chorei com o Diogo, assustei-me com o fogo, impressionei-me com o Zé Luís, arrepiei-me com o pátio, emocionei-me com a Fernanda, espantei-me com os 25 tostões, deliciei-me com a Vera e a Elsa, além de ficar a saber mais do que sabia. Por isso valeu a pena. Que bons momentos, Sofia!
Um livro que é sempre um óptima prenda de Natal. Principalmente este! E neste!

Pode ser (deve ser) ouvida esta entrevista à autora (neta do “nosso” Empis”) Sofia Empis
Clicar para ouvir o programa de rádio (a partir dos 08:44)

Entre essas histórias deliciosas, embora algumas de horror por serem daquelas que não nos importaríamos de não as poder ler
Duas que recordo e jamais imaginei serem de descendentes do “nosso” Empis.
    1Depois do 25 de Abril de 1974 dizia-se que o último militar a morrer nas colónias (então Províncias Ultramarinas) fora um elemento do exército, o alferes Bragança, em 1975. Ou seja, um ano depois da Revolução que permitira a Descolonização, ainda tombou um soldado português em África. Pelo livro a data desse momento trágico é 30 de Agosto de 1975, quando foi abatido o alferes José Luís Empis Bragança. Uma história contada no citado livro, entre as páginas 297 e 313, que a autora denominou “Um Rapaz Como os Outros”. Nesses tempos (1975) ainda não conhecia a história do Benfica. Mas depois quando a comecei a conhecer jamais imaginei que o “último soldado português morto em África” fosse um neto de Raul Empis, 3.º filho – em quatro - da 6.ª filha (Olga Luísa que faleceu em 1967, aos 46 anos) de um dos 24 Gloriosos;


Fotografia de um dos painéis do "Monumento ao Combatente"; em Belém; Lisboa. NOTA: Este memorial está num dos vários terreiros públicos utilizados outrora - 1903 a 1904 - por muitos dos 24 fundadores e primeiros aderentes ao Glorioso para "treinarem". Talvez Raul José Empis andasse a "treinar" por ali nesses tempos remotos. Ou o Mundo é pequeno. Ou o Benfica é grande! 
  2Há cerca de um ano, no Verão de 2014, o País ficou horrorizado com as notícias do esfaqueamento durante a noite de um jovem arquitecto, depois de uma acesa discussão, como pode ser visto aqui (clicar)Diogo Empis de Andrade e Sousa atingido na noite de 19 de Agosto faleceu em 27 de Agosto de 2014. Jamais imaginei que o jovem de 30 anos, completados em 6 de Agosto, poucos dias antes de ser esfaqueado mortalmente, fosse bisneto do “nosso” Empis. Neto do seu terceiro filho Raul Ernesto, nascido em 8 de Novembro de 1917, felizmente ainda entre nós, com 98 anos, e filho de Gizé (uma dos seus cinco filhos) que dando dois bisnetos a Raul José Empis viu a violência de gente estúpida tirar-lhe, ainda tão jovem, o mais velho dos dois filhos (Diogo e Duarte). Se os filhos não são para ir embora antes dos pais muito menos dos avós! Uma história muito triste e desgraçada (bem) contada entre as páginas 105 e 122 com o nome de “A Lua, A Estrela”.


Em cima: Palacete Empis na avenida Duque de Loulé de gaveto com a rua Luciano Cordeiro. Em baixo: Carta Topográfica de Lisboa; folha 10 I; 1910 (nomes colocados para este blogue)

Outra “descoberta”
Para além de, finalmente em 2015, perceber o porquê de tantos Empis nas listas telefónicas também percebi, finalmente, o porquê de Raul José Empis enquanto adolescente, na primeira década do século XX, andar por Belém. É que para mim sempre pensei que ele andaria por Belas ou próximo das avenidas novas, onde o seu pai (Ernest Laurent Empis) tinha uma quinta e depois foi construído um palacete, entre a avenida Duque de Loulé - no espaço do actual n.º 77 - e a rua Luciano Cordeiro. Que eu sabia ser dos Empis (talvez de família próxima de Raul) por ser Prémio de arquitectura Valmor em 1907. Até porque é (era, pois foi demolido em 1954) da autoria do primeiro capitão do "Glorioso": António Couto! Por tudo isto sempre imaginei o “nosso” Raul Empis em Belas ou pelo Marquês de Pombal/Saldanha, nunca por Belém. Mas lendo o livro torna-se evidente que ele andaria por Belém com os catraios da idade dele. E logo foram fundar um clube. E que Clube!

Amanhã. Vou ter tanto prazer em escrever acerca de RAUL JOSÉ EMPIS!

Alberto Miguéns
5 comentários
  1. Notável!
    O que dizer de alguém cuja vontade, método e rigor tem dado tanto à História do nosso Clube? Alguém que dá rigor e defendendo a verdade histórica defende o nosso Clube. Obrigado. Muito obrigado.

    Que história pitoresca essa das listas na Praça de Alvalade. Andei lá perto no liceu e lembro-me bem dessa loja.

    Não li o livro mas ouvi uma entrevista radiofónica de Sofia Empis com Pedro Rolo Duarte e João Gobern. Gostei apesar da autora me surpreender com algumas afirmações. A sua sinceridade e a capacidade de expor episódios da sua vida e da vida de familiares é digna de admiração.

    A família Empis é uma família ilustre. Tanto quanto sei tem origens estrangeiras mas tem dado importantes contribuições a este país.

    Para os Benfiquista a maior dessas contribuições foi teve Raúl José Empis. Um dos 24 fundadores. Muito mas mesmo muito gostaria de saber mais dele. O Alberto deixa-nos em grande expectativa para amanhã.

    Está a fazer História. História do Sport Lisboa e Benfica. Da mais Gloriosa.

    Um bem-haja por isso!

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  2. Fantástico caro Alberto, fantástico!!!

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  3. ...SR DR ALBERTO....se me permitir, venho aqui na SUA PÁGINA, desejar AO SR DR E FAMILIA UM FELIZ NATAL....aproveito para lhe pedir desculpa por um ou outro escrito da minha parte, que tenha fugido ao RIGOR DA EDUCAÇÃO que nos é devido...UM GRANDE ABRAÇO BENFIQUISTA....

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  4. Houve também um alferes Empis, que esteve envolvido na revolta do 5 de outubro, do lado dos monárquicos e participou nos combates na Rotunda contra as tropas do Machado dos Santos. Mas não sei o seu primeiro nome.

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    1. Ernesto, era o seu nome. O Rei D. Manuel tinha muita estima por ele: foi dos poucos que lutou.

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