AVISO PRÉVIO: Texto longo
Cavém foi um futebolista de excepção no seu tempo e é um dos melhores
futebolistas portugueses se sempre, contabilizando o futebol português – ou
melhor, o futebol jogado em Portugal - cerca de 138 anos – iniciando a contagem
em 1875, data da chegada a Portugal dos técnicos ingleses (e com eles as bolas
e o jogo de Foot-Ball) para instalarem o Cabo Submarino (telecomunicações)
entre Lisboa (Europa) e Nova Iorque (América).
Equipa da delegação do "Glorioso" em Vila Real de Santo António. Lusitano FC em 1950/51. Cavém (em baixo; 2.º a contar da esquerda) com o irmão Amílcar (em cima, 2.º a contar da direita) |
Nascer no Algarve...
Domiciano Barrocal Gomes Cavém nasceu na acolhedora e soalheira Vila Real
de Santo António, em 21 de Dezembro de 1932. Cresceu numa família de
futebolistas. O pai Norberto Gomes Cavém, nascido em 3 de Outubro de 1904, é um
dos pioneiros do futebol algarvio, jogando na delegação do Benfica local, o
Lusitano FC – fundado em 15 de Abril de 1916 - e no SC Olhanense, o emblema
mais prestigiado do Sotavento algarvio. Depois de intensa actividade como
jogador, nos anos 20 e 30, tornou-se treinador do Lusitano FC nos anos 40 fazendo
deste clube campeão do Algarve e colocando-o na I Divisão Nacional. Com dois
filhos futebolistas, o mais velho Amílcar Cavém (nascido em 15 de Agosto de
1930) e o “nosso” Cavém, estes iniciaram-se num pequeno clube de bairro, o Celeiro
FC, passando depois para o Lusitano FC.
... e crescer na Beira Baixa
No início dos anos 50, a indústria
conserveira local deixou de suportar o futebol, com os melhores valores a
rumarem a outras paragens. Amílcar Cavém passou a jogar no SC Covilhã, em
1952/53, com o irmão Domiciano a segui-lo um ano depois. Foi a época de ouro do
emblema serrano, suportado na indústria de lanifícios e lacticínios
covilhanense, o clube conseguia ter no seu plantel alguns dos melhores
futebolistas portugueses (como o internacional Fernando Cabrita) e jogadores
estrangeiros. Foram duas épocas – 1953/54 e 1954/55 - de enorme progressão:
Amílcar como médio e o “nosso Cavém” como avançado, essencialmente a
extremo-esquerdo, onde se revelou goleador, mesmo tendo por principal função
municiar o avançado-centro húngaro Simonyi ou os espanhóis Lóren e Martin.
Cavém II como era designado pela Imprensa enquanto jogador do SC Covilhã. Cavém I era o seu irmão Amílcar |
Ser eterno no Benfica
Estreou-se no “Glorioso” já ia a época de 1955/56 a meio, devido à problemática transferência da Covilhã para Setúbal ou para o Benfica, no 1.º de Dezembro de 1955, quando faltavam vinte dias para completar 23 anos, num jogo internacional particular com o Valência CF, no nosso anterior estádio, com Cavém a marcar aos 81 minutos o golo que nos deu a vitória por 3-2.
Estreou-se no “Glorioso” já ia a época de 1955/56 a meio, devido à problemática transferência da Covilhã para Setúbal ou para o Benfica, no 1.º de Dezembro de 1955, quando faltavam vinte dias para completar 23 anos, num jogo internacional particular com o Valência CF, no nosso anterior estádio, com Cavém a marcar aos 81 minutos o golo que nos deu a vitória por 3-2.
Afirmar-se na primeira época
Na primeira época esteve presente em 21 jogos, sempre a titular com vinte a
extremo-esquerdo, marcando nove golos. No campeonato nacional participou em 13
encontros (num campeonato com 26 jornadas) marcando cinco golos. Apesar de
poucos jogos – a titularidade no “Glorioso” não se obtinha… conquistava-se – revelou
as características que o tornaram um dos melhores futebolistas portugueses de sempre.
Nascer para ser futebolista
Cavém na Catedral. Dois símbolos do Benfica |
Era um atleta valente, lutador incansável e intrépido, de grande poder de
remate, com ambos os pés ou com a cabeça. A sua agilidade natural, bem como a
capacidade de interpretar bem o que se exigia a um avançado, permitiram-lhe
destacar-se – desde muito jovem – como um atacante de grande valor. Como era
ambidestro e bom cabeceador, jogava na esquerda ou na direita. Sabia antever a
melhor posição para rematar ou recarregar uma bola transviada. Era exímio a
avançado-centro, mas pecava por ser pouco… egoísta, preferindo endossar a bola
a colegas melhor colocados em vez de rematar para o golo. No SC Covilhã deixou
de jogar a avançado-centro, não porque não marcasse golos, mas porque em frente
à baliza contrária preferia passar a bola a colegas que depois desperdiçavam
assistências de “meio-golo”.
Com o tempo, os treinadores do “Glorioso”, vendo a sua aptidão inata para
jogar futebol, com conhecimentos técnicos para cada lugar nas dez posições de
jogadores de campo e rigor táctico para desempenhar qualquer função, foram
recuando os lugares dentro da equipa, de avançado para defesa. Sempre a um
nível de excelência. Só o calendário – inexorável, ano após ano – o “derrotou”
e fez perder o lugar no Benfica, aos 36 anos!
O golo decisivo mais rápido (ainda hoje)
em finais da Taça de Portugal
A quarta época em 1958/59 foi notável com o futebolista a marcar 27 golos
em 48 jogos, conseguindo no Nacional da I Divisão com 26 jornadas obter 21
golos, colocando-se mesmo jogando a extremo-esquerdo como o terceiro melhor
marcador do campeonato, a cinco golos do melhor goleador, o avançado-centro
benfiquista José Águas. No final da temporada, em 19 de Julho de 1959, na final
da Taça de Portugal, disputada no Estádio Nacional, marcou aos 13 segundos o
golo da vitória, por 1-0, com o FC Porto, naquele que ainda é o “golo decisivo
mais rápido em finais da Taça de Portugal” e também o golo mais rápido da nossa
fabulosa história.
Um golão na segunda final dos Campeões
Europeus
Em 1960/61 jogou a extremo-esquerdo, na final da Primeira Taça dos Clubes
Campeões Europeus, disputada na capital da Suíça, em Berna, no Estádio
Wankdorf, em que o “Glorioso” venceu, por 3-2, o FC Barcelona. Curiosamente na
época seguinte, a sétima como futebolista do Benfica repartiria a titularidade
entre extremo-esquerdo (com Simões) e médio-direito, jogando nesta posição na final
da Segunda Taça dos Clubes Campeões Europeus, com o Real Madrid CF, na capital
holandesa, Amesterdão, no Estádio Olímpico, marcando o 2.º golo (ver aqui), a colocar o
resultado em 2-2, depois do Real Madrid CF ter usufruído de dois golos de
vantagem.
Totalista na Taça dos Clubes Campeões
Europeus
Em 1963/64, o Benfica cumpriu o seu jogo n.º 29, em cinco temporadas, na
taça dos Clubes Campeões Europeus com Cavém a ser o único totalista ao ter
participado em todos eles, desde a época de 1957/58!
Na última temporada com o “Manto Sagrado”, em 1968/69, actua apenas em dois
jogos pela categoria de Honra, deixando no final da época o Benfica, e como
jogador o futebol primodivisionário, aos 36 anos.
Cavém tem valores ao alcance de poucos em
Portugal
Pelo Benfica em catorze temporadas na equipa principal ajudou o Clube a
conquistar dezoito troféus oficiais: Bicampeão Europeu (1960/61 e 1961/62);
nove campeonatos nacionais (1956/57, 1959/60, 1960/61, 1962/63, 1963/64,
1964/65, 1966/67, 1967/68 e 1968/69); quatro Taças de Portugal (1956/57,
1958/59, 1961/62 e 1963/64), ou seja, dois tricampeonatos e um bicampeonato,
incluindo dois duplos (Campeonato e Taça de Portugal, na mesma temporada); e
três Taças de Honra de AFL (1962/63, 1966/67 e 1967/68), para além do
prestigiado Torneio Ramon de Carranza (Cádis/ Espanha), em 1963/64.
Mais de 500 jogos
Participou em 541 jogos, num total de 44 699 minutos, marcando 125 golos,
ou seja um golo a cada 382 minutos: em 448 jogos não marcou, mas obteve golos
em 93 jogos, um golo em 68 jogos, dois golos em vinte encontros, três golos em
três jogos e quatro golos em dois jogos.
Enquanto futebolista da equipa de Honra do “Glorioso” efectuou 541 jogos,
dos quais 535 como titular. Foi substituído em apenas dezanove jogos e suplente
utilizado em seis encontros. Futebolista completo de grande polivalência, jogou
essencialmente como avançado (245 jogos) salientando-se os 238 encontros a extremo-esquerdo,
ou na defesa (201 jogos) com 197 encontros a defesa-direito, mas também no
meio-campo (89) com 77 encontros a médio-direito.
Mais de 100 golos
Pelo SLB marcou 125 golos a 44 adversários diferentes, destacando-se catorze
golos ao Vitória FC (Setúbal); oito tentos ao Atlético CP e Caldas SC; e entre
outros, quatro golos ao Sporting CP, três tentos ao CF “Os Belenenses”, dois
golos ao FC Porto, um tento ao Boavista FC, FC Barcelona e Hamburgo SV.
Dos 125 golos, 78 foram marcados no campeonato nacional, vinte na Taça de
Portugal, dois na Taça de Honra de Lisboa da AFL e 21 em jogos internacionais a
dezanove adversários, incluindo quatro na Taça dos Clubes Campeões Europeus e
um na Taça Latina.
Marcou 95 golos com os pés e 30 de cabeça. Quinze golos foram obtidos de “fora
da grande-área” e 110 dentro da mesma, com 26 a serem concretizados após lances
de “bola parada” e 99 em jogadas de “bola corrida”.
Cavém (em cima, 3.º a contar da direita) entre os seus pares, Glórias do Benfica e do Futebol Português |
Polivalência a quanto obrigas!
Nas seis épocas iniciais (1956/57 a 1960/61) no “Glorioso” com 247 jogos e
23 920 minutos jogados, marcou 115 golos, ou seja um golo a cada 208 minutos.
Nas oito épocas seguintes jogaria 20 779 minutos em 294 jogos, marcando apenas
dez golos, isto porque foi recuando no terreno acabando por ter tarefas mais
defensivas, mas o Benfica beneficiava também do seu valor fazendo de Cavém um
futebolista de grande utilidade, por que mesmo marcando poucos golos era um
atleta capaz de desarmes decisivos e fantásticas assistências para golo, impulsionando
as equipas para vitórias e o Clube para conquistas importantes, num defesa com
vocação e eficácia atacante!
Faleceu aos 72 anos
Pela selecção nacional esteve presente em dezoito jogos internacionais
marcando cinco golos.
Após deixar o “Glorioso” no final de 1968/69 treinou o GD “Os Nazarenos”,
seguindo-se o Ginásio Clube de Alcobaça, o GD Moimenta da Beira, o SC Covilhã,
o GD Bragança e o SC Régua. Sem perspectivas de poder treinar clubes da I
Divisão afastou-se do futebol, conseguindo um emprego na Câmara Municipal de
Alcobaça.
Faleceu, em 11 de Janeiro de 2005, aos 72 anos. Mais uma estrela daquelas
que mais brilham no firmamento do “Quarto Anel”!
Cavém um nome eterno do futebol em
Portugal
Alberto Miguéns
NOTA: Depois de amanhã, no EDB, em
destaque os 100 golos e os 329 jogos no Campeonato Nacional, em homenagem a um
centenário - em golos no 1.º escalão - do futebol português
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