Mário Wilson (17 de Outubro de 1929 - 3 de Outubro de 2016)
PARTE I
Comecemos pelo final
A última vez que falei com ele, foi talvez há cinco/seis meses. Já o encontrei abatido mas respondeu-me como sempre o fizera. Com gosto em ser útil. Ele era para mim a última possibilidade. Perguntei-lhe. "Qual era o clube da simpatia de Cândido de Oliveira?" Ouvi a habitual resposta. "O clube dele era o "Futebol"»! Pronto! Continuamos na mesma, pensei cá para mim. Ainda insisti. «Mas quando jogou na equipa da Associação Académica de Coimbra treinado por "Mestre Cândido" (1956 a 1958) ele quando defrontava o Sporting CP ou o SL Benfica não mostrava uma "queda" por um deles. É que quando Cândido de Oliveira treinou o SCP os sportinguistas chamavam-lhe "melancia"?»
Mário Wilson e as suas circunstâncias
Mário Wilson continuou. «Nunca lhe notei nada. O clube dele era o Futebol. O que ele era é um grande cidadão. Era visto como exemplo de lealdade, rigor, disciplina e cidadania. Nunca tinha conhecido ninguém assim. Nunca mais vi outro cidadão igual». Pronto. Finalizámos a conversa assim. Afinal seria a última conversa entre um simples mortal e outro que a lei da morte libertou. Ele é um dos que pelo que fez no Futebol, o príncipe dos poetas Luís de Camões lhe reservou duas magníficas estrofes:
«E aqueles que por obras valerosas/ Se vão da lei da morte libertando»
Cândido de Oliveira a treinar em Coimbra. O motivo daquela que seria a última conversa entre um Benfiquista e o "Capitão" |
De avançado-centro da Filial/Delegação laurentina do Benfica (GD Lourenço Marques) para o Sporting CP |
Capítulo 0 (zero)
Nunca me conseguiu responder com clareza a uma das questões - esta acerca dele - que mais vezes lhe coloquei. Porque é que sendo do Benfica em criança (admirando Matos Fernandes e Guilherme Espírito Santo), jogando na Filial (depois Delegação do "Glorioso") em Lourenço Marques NUNCA jogou no Benfica?
«Foram as circunstâncias. Em 1949, o Sporting CP interessou-se por mim que jogava no GD Lourenço Marques e pelo Juca (Sporting Clube Lourenço Marques). Viajámos juntos para Lisboa. Eu tinha de conseguir substituir o insubstituível Peyroteo. Duas épocas depois decidi mudar de vida. O meu irmão Billy - Mário Wilson era conhecido entre familiares por Corina - estava a estudar em Coimbra e eu em 1951/52 passei a jogar pela "Briosa"».
Entre os quatro violinos que resistiam um violoncelo. Pesado e lento. Jesus Correia, Travassos, Mário Wilson, Vasques e Albano |
Depois é uma História Comum com quase duas décadas (1951/52 a 1967/68) - de futebolista (avançado-centro inábil a bom defesa-central) a capitão exemplar - tanto que passou de "Corina" a "Capitão" - do pelado de Santa Cruz ao relvado do Calhabé. Academista de corpo inteiro foi adversário de valor dos futebolistas do Benfica embora frequentemente batido pelo poder infinitamente maior que as equipas do Benfica apresentavam em campo, mesmo no Calhabé. Consta até que a sua estreia no campeonato nacional pela "Briosa" foi na 3.ª jornada, no campeonato nacional de 1951/52, em Coimbra. Não jogou nadinha, perdido em campo, segundo o jornalista de "A Bola", Cândido Oliveira. A linha avançado do Benfica desbaratou a defesa da "Briosa". Rosário, Arsénio (1-0 e 2-0), Mascarenhas (3-0), Batalha e Corona trataram-lhes da "saúde". Aos doutores e engenheiros!
Em Outubro nasceu (17), em Outubro viu brilhar o "Manto Sagrado" no Calhabé (7) e em Outubro morreu (3).
De capitão a treinador alcançando aquela que ainda é o melhor classificação da "Briosa". O segundo lugar em 1966/67, a três pontos do 15.º título do "Glorioso". Depois seguiram-se muitos outros clubes como treinador, desaguisados com José Maria Pedroto - substituiu-o em Coimbra (1964/65), no Boavista FC (1976/77) e na selecção nacional (1978, embora com Juca pelo meio como interino).
Capítulo 1975/76 Benfica I
No Verão de 1975 é escolhido como 18.º treinador do Benfica (25.º se contarmos com as situações de emergência, nas quais Mário Wilson se iria tornar "perito" algumas temporadas depois, nos anos 90). Em 1975/76 o "Glorioso" conquista o segundo título consecutivo - em 1976/77 seria TRI com Mortimore - depois de Pavic ter elevado a fasquia em 1974/75. O Benfica inicia a temporada com uma "mega digressão" - Alemanha, Espanha, Austrália, Indonésia e França - entre 3 de Agosto e 6 de Setembro. Um mês a preparar uma temporada que para os Benfiquistas não correu bem. Conquistou-se o título? Pois, mas isso era normal e habitual. Desde 1959/60 até 1975/76, em 17 temporadas o Benfica foi campeão...13 vezes! Treze em 17! 76 por cento dos títulos! Mesmo assim um título "apertado" com apenas dois pontos de vantagem para o Boavista FC treinado por...Pedroto! E com um jogo de "nervos" na penúltima jornada no estádio do Sporting CP devido ao "aperto" provocado pela proximidade pontual do 2.º classificado. O jogo da esperança, num Dérbi de Lisboa, em casa do SCP, para os boavisteiros! O pior foi a eliminação logo no jogo de estreia na Taça de Portugal (0-1 frente ao Sporting CP já no prolongamento, a cinco minutos de "trazer" a eliminatória para a "Saudosa Catedral"). E na Taça dos Clubes Campeões Europeus, esta sim "a mais que tudo para os Benfiquistas" nos anos 60 e 70? Arrasados em Munique, com 1-5 - zero-a-zero ao intervalo - frente ao FC Bayern. O que se disse. Falta de "condição física" para aguentar o poder...físico alemão. O caminho estava traçado. Deixaria o SLB no final da época!
Capítulo 1979/80 Benfica II
Depois das três temporadas com Mortimore, Mário Wilson estava de regresso. Em 1979/80 para recuperar o título de campeão nacional depois do Bi de Pedroto/Pinto da Costa, entre 1977/78 e 1978/79. Não só tal não foi conseguido como o Benfica classificou-se num impensável 3.º lugar o que já não ocorria desde 1961/62 mas este em época do Bicampeonato Europeu. Ele que tinha proferido a frase (a propósito se estava confiante neste seu regresso): «Um treinador no Benfica arrisca-se a ser campeão». A temporada corre mal - o Benfica até é incrivelmente eliminado na Taça UEFA pelo FC Aris Salónica logo na primeira eliminatória - com Pedroto a avisar que um jogo particular da selecção nacional (Mário Wilson era seleccionador nacional), em Vigo, a meio das duas mãos só podia trazer problemas (o FCP recusou ceder jogadores)...e acertou. Mas 1979/80 termina em apoteose. O Benfica conquista a Taça de Portugal depois de derrotar o arrogante FC Porto. Este com o campeonato perdido para o Sporting CP e a Taça de Portugal para o Benfica entra em convulsão com a "dupla" Pedroto/Pinto da Costa a sair do clube portista em colisão com o presidente Américo de Sá, apresentado pela "dupla" como "amigo" do centralismo e do Benfica! Mário Wilson vai deixando uma aura de gentileza, mesmo nobreza que sensibiliza os Benfiquistas. E, claro, Mário Wilson é envolvido neste turbilhão entre Benfica/FC Porto que ainda nos dias de hoje vai fazendo "agenda"!
Depois das três temporadas com Mortimore, Mário Wilson estava de regresso. Em 1979/80 para recuperar o título de campeão nacional depois do Bi de Pedroto/Pinto da Costa, entre 1977/78 e 1978/79. Não só tal não foi conseguido como o Benfica classificou-se num impensável 3.º lugar o que já não ocorria desde 1961/62 mas este em época do Bicampeonato Europeu. Ele que tinha proferido a frase (a propósito se estava confiante neste seu regresso): «Um treinador no Benfica arrisca-se a ser campeão». A temporada corre mal - o Benfica até é incrivelmente eliminado na Taça UEFA pelo FC Aris Salónica logo na primeira eliminatória - com Pedroto a avisar que um jogo particular da selecção nacional (Mário Wilson era seleccionador nacional), em Vigo, a meio das duas mãos só podia trazer problemas (o FCP recusou ceder jogadores)...e acertou. Mas 1979/80 termina em apoteose. O Benfica conquista a Taça de Portugal depois de derrotar o arrogante FC Porto. Este com o campeonato perdido para o Sporting CP e a Taça de Portugal para o Benfica entra em convulsão com a "dupla" Pedroto/Pinto da Costa a sair do clube portista em colisão com o presidente Américo de Sá, apresentado pela "dupla" como "amigo" do centralismo e do Benfica! Mário Wilson vai deixando uma aura de gentileza, mesmo nobreza que sensibiliza os Benfiquistas. E, claro, Mário Wilson é envolvido neste turbilhão entre Benfica/FC Porto que ainda nos dias de hoje vai fazendo "agenda"!
Com Artur Jorge a ser afastado no início da temporada de 1995/96, na 3.ª jornada, após dois empates na "Saudosa Catedral" para o campeonato nacional eis que Mário Wilson regressa pela terceira vez ao Benfica. Na primeira edição do campeonato com a vitória a corresponder a três pontos, o SLB é segundo classificado a onze pontos do Bicampeão que seria Penta em 1998/99. Mais uma campanha europeia - Taça UEFA - a esbarrar no FC Bayern: 1-4 em Munique e 1-3 na "Saudosa Catedral", num agregado de 2-7. A campanha na Taça de Portugal é "dramática" mas bem sucedida. Nos oitavos-de-final o Benfica teve necessidade de trazer o SC Farense para segundo jogo. Nos quartos-de-final (Vitória SC Guimarães) e meias-finais (UD Leiria) só derrota os adversários nos prolongamentos mesmo a jogar no "Colosso da Luz". Na final uma estrondosa vitória, por 3-1, no Dérbi de Lisboa.
Entre a saída de Paulo Autuori (20 de Janeiro) e a entrada de Manuel José (27 de Janeiro) o presidente Manuel Damásio recorreu a Mário Wilson para orientar os treinos e formar a equipa que defrontou o CF "Os Belenenses", na 17.ª jornada, na "Saudosa Catedral" numa derrota por 1-2 que ainda estilhaçou mais a temporada que colocaria o "Glorioso" em 3.º lugar, mais perto do 4.º lugar (SC Braga) que do 2.º classificado (Sporting CP).
Sub-capítulo início de 1997 Benfica V
Num período de indefinição directiva, com eleições antecipadas marcadas para 31 de Outubro de 1997, o presidente demissionário Manuel Damásio depois do afastamento do treinador Manuel José não quis comprometer-se com nenhum treinador deixando para o vencedor do acto eleitoral essa decisão. Seria Vale Azevedo ou Luís Tadeu a escolher o treinador. Coube a Mário Wilson fazer esse período de transição. O nosso Wilson nunca dizia que não ao Benfica. Foram sete jogos: quatro para o campeonato nacional, um para a Taça de Portugal (V 4-2), um para a Taça UEFA (E 0-0, na 2.ª mão, com o SC Bastia e eliminação) e um jogo particular, na Figueira da Foz, frente à equipa da Associação Naval 1.º de Maio. O último encontro que orientou do "Glorioso" já teve um "espectador especial" na bancada, em Chaves, o recém presidente eleito Vale Azevedo, numa vitória por 1-0, com um golo de Calado.
Um campeonato nacional (1975/76) e duas Taças de Portugal (1979/80 e 1995/96). Jogos (169), Vitórias (112), Empates (29), Derrotas (28), Golos Marcados (402) e Golos sofridos (148). 13.º treinador a orientar mais jogos do "Glorioso". Até sempre Mário Wilson.
Cuida de nós aí pelo Quarto Anel
Alberto Miguéns
Dia muito triste. Um sentimento de grande perda para o SL Benfica e para a AA Coimbra.
ResponderEliminarUm homem digno e um Benfiquista que disse presente em alturas complicadas.
Condolências à família.
Descanse em Paz.
O mais humildo dos grandes, humildade e amor eterno a um clube, que sempre amou, mesmo amando de forma dividida como sempre disse, sou do Benfica e da Académica, mesmo assim era um enorme Benfiquista!
ResponderEliminarQue descanse em paz, se conseguir que aquele 4º anel está cheio de amigos que querem por a conversa em dia!