FALECIDO HÁ TRÊS MESES PODE DIZER-SE QUE SEM NASCER DO BENFICA FEZ-SE BENFIQUISTA.
Fernando Cabrita foi um treinador que trabalhou no início da
sua carreira no Clube com os juniores, passando a adjunto e servindo o
"Glorioso" em situações de recurso, quando houve necessidade de
orientar a equipa após a saída dos técnicos principais antes de terminarem as
temporadas.
Nascer no Barlavento e ser famoso no
Sotavento algarvio
Fernando da Silva Cabrita nasceu em Lagos, no 1.º de Maio de
1923. Começou a jogar oficialmente futebol no CF Esperança de Lagos, em
1939/40, aos 16 anos. Este clube lacobrigense era uma espécie de reduto
sportinguista em Lagos por oposição a uma das filiais mais antigas do
"Glorioso", o Sport Lisboa e Lagos. Uma rivalidade de ódios &
estimações dirimidas no velho campo do Rossio da Trindade. Mas três anos
depois, em 1942/43, já actuava no SC Olhanense, onde se evidenciou como
avançado-centro ou interior, à esquerda ou à direita. Um predestinado para o
futebol. Em Olhão foi seleccionado para representar Portugal, em três jogos,
entre 1945 e 1950. Após nove épocas no SC Olhanense, foi convidado para jogar
em França. Estreou-se pelo Stade Français, de Paris, em 1951 mas seria no SC L'Ouest
Angers que jogaria, duas épocas entre 1951/52 e 1952/53, em várias posições,
incluindo como defesa, fazendo da polivalência uma imagem da sua categoria.
Do SC Olhanense para o SC Covilhã |
De Sporting em Sporting
Em 1953, aos 30 anos, regressou a Portugal para jogar
durante cinco épocas no SC Covilhã, onde se iniciou nas tarefas de orientador
técnico das equipas jovens. Regressou à selecção nacional para fazer mais
quatro jogos, entre 1953 e 1957, atingindo as sete internacionalizações. Disputou
o último jogo oficial pelo clube serrano, perdendo por 1-2, na "Saudosa
Luz" em 8 de Janeiro de 1959, para o Nacional da I Divisão. Antes a 31 de
Agosto de 1958, o Benfica foi o clube convidado para estar presente na sua
festa de homenagem, no jogo disputado no Municipal da Covilhã (Santos Pinto),
frente ao seu clube, o Sporting local. Causou espanto que andando Cabrita de Sporting
em Sporting (Lagos, Olhão e Covilhã), pois o CF Esperança de Lagos só não tinha
o nome, de resto era Sporting em tudo, que fosse o "Glorioso" a
deslocar-se à Covilhã! Nascia, assim, uma empatia entre Cabrita e o Benfica que
iria durar para sempre e eternamente.
Não demorou muito a chegar ao Benfica
Verdadeiro apaixonado pelo futebol, decidiu-se pela carreira
de treinador no Portimonense SC, na II Divisão Nacional, em 1959/60, onde
esteve três épocas até 1961/62. É no final desta temporada que ingressa no
"Glorioso". É que após a demissão de Valdivielso, treinador dos
juniores e principiantes (9 de Janeiro de 1962) e o abandono de Béla Guttmann
(7 de Junho de 1962) os quadros técnicos do Clube ficaram fragilizados já que
Fernando Caiado, treinador adjunto de
Guttmann, teve que assumir a orientação da equipa "principal", embora
no Benfica principais sejam todas as equipas! Foi assim que surgiu, aos 39
anos, em 16 de Junho de 1962, Fernando Cabrita no Benfica, como treinador dos
juniores e juvenis (principiantes).
Excelente treinador pedagógico e correcto
Ao ingressar no "Glorioso" referiu que (entrevista completa em 5 de Dezembro de 2014) «... tenho duas grandes dívidas de
gratidão para com o Benfica. Uma por ter estado presente na minha festa; a
outra, por me ter distinguido com a escolha para tão honroso cargo. Tudo farei
para aliar a minha força de vontade ao profundo reconhecimento que sinto.» Foi a
treinar as "camadas jovens" que Cabrita se evidenciou. Dotado de
excepcionais qualidades de carácter e de uma competência extraordinária,
conseguiu impor-se pelos métodos do seu trabalho, formando inúmeros
futebolistas. Manteve-se neste cargo durante quatro épocas, até 1965/66,
trabalhando com vários técnicos conceituados e com Fernando Caiado, que se
manteve como adjunto dos técnicos principais durante estas temporadas.
Primeira vez a assumir o Glorioso Benfica
Em 1965/66, com a "má época" após o regresso de
Béla Guttmann tudo se modificou. Assim, Guttmann começou por ser afastado
"dos trabalhos de campo" pela Direcção do Benfica (30 de Março de
1966) e mais tarde registou-se a saída do adjunto Caiado (2 de Abril de 1966)
que levou Cabrita a assegurar a orientação técnica da equipa de Honra, a fim de
terminar uma época "penosa" em que não conquistámos qualquer título!
Não há uma sem duas...
Nas épocas seguintes - 1966/67 e 1967/68 - foi adjunto de
Fernando Riera, mas na segunda temporada deste treinador, devido aos problemas
entretanto surgidos que levaram ao afastamento do chileno, Cabrita passou a
desempenhar as funções de treinador principal, em 1 de Dezembro de 1966. E a
tarefa não se apresentava fácil.. nem difícil. Depende da perspectiva! À 7.ª
jornada do campeonato nacional da I Divisão, o Benfica seguia em 1.º lugar
ex-aequo com o 2.º classificado. Na Taça dos Clubes Campeões Europeus coube-lhe
a missão de ultrapassar, nos quartos-de-final, o Vasas SC Budapeste (empate sem
golos na Hungria e vitória, por 3-0, no nosso Estádio). Na Taça de Portugal
conseguiu o apuramento para os quartos-de-final, eliminando nos "oitavos"
a AD Sanjoanense (10.ª classificada na I Divisão), com dupla vitória, por 2-1,
numa competição então com eliminatórias a duas mãos. Após a contratação de Otto
Glória, ainda nessa temporada, em 10 de Abril de 1968, Cabrita regressou ao
cargo de adjunto, mas deixara o plantel apurado na Taça de Portugal e na Taça
dos Clubes Campeões Europeus, temporada em que conseguimos atingir, pela 5.ª
vez na nossa Gloriosa História, em oito edições consecutivas, a final da mais
importante competição europeia. No campeonato nacional seguíamos à 21.ª (em 26
jornadas) em 2.º lugar, em igualdade pontual, com o 1.º classificado. Ou seja,
em 14 jornadas Cabrita não conseguira isolar o Benfica na liderança do
Nacional. A explicação para o regresso de Otto Glória. No final da época o
Benfica conquistou o título de campeão nacional. Dos três treinadores que
"trabalharam a equipa", Cabrita foi o que esteve mais jornadas (14),
seguindo-se Riera (as 7 iniciais) e Otto Glória (as 5 últimas). Na temporada
seguinte (1969/70) Otto Glória manteve-se no Clube continuando Cabrita como
adjunto.
Na Amadora, treinador no extinto Estrela |
Um interregno de dois anos
Em 1970, a 11 de Fevereiro, "face aos resultados
verificados durante a época", o Clube rescindiu o contrato com o treinador
Otto Glória e com o seu adjunto Fernando Cabrita. Ao fim de oito épocas -
1962/63 a 1969/70 - era o abandono do Benfica, mas devido à sua capacidade de
trabalho deixava a "porta aberta" para regressar! E assim sucedeu
duas épocas depois, em 1972/73. Nessas duas temporadas afastado do Benfica
treinou o União de Futebol Comércio Indústria de Tomar, conseguindo-o promover
da II à I Divisão Nacional.
Não há duas sem três...
Para o preenchimento do lugar deixado vago, em 1971/72 pelo
treinador-adjunto, a Direcção contratou Fernando Cabrita, para auxiliar de Jimmy Hagan,
há duas temporadas no Benfica, já que Cabrita mercê do trabalho realizado na
sua anterior passagem pelo Clube oferecia as melhores garantias. Após mais uma
temporada no Benfica (a 9.ª no total) iniciou a época seguinte - 1973/74 -
nesse cargo, mas voltaria a treinar a equipa principal - pela terceira vez! -
após a saída de Jimmy Hagan, em 25 de Setembro de 1973, ainda no dealbar da
temporada. Nesse mesmo dia sentou-se no "banco" para orientar o
Benfica frente à selecção da FIFA, na "Festa de Homenagem a Eusébio".
"Fez" a época até ao final, mas os resultados não permitiram a
conquista de qualquer título nacional, apesar de conquistarmos a Taça de Honra
de Lisboa pela oitava vez, após vencermos três jogos, incluindo o último em 1
de Janeiro de 1974, derrotando por 1-0, o Sporting CP, no estádio do Restelo. Um
troféu oficial com o seu "dedo" de treinador, em exclusividade. Nas
duas épocas seguintes regressou a treinador-adjunto, na primeira com Milorad
Pavic e na segunda com Mário Wilson. Depois percebendo que não era, nem seria
jamais, opção para treinador-principal do Clube decidiu rumar a outros
emblemas. Foi o adeus definitivo... como técnico, pois Cabrita continuou a
estimar o Benfica até transferir-se para o "Quarto Anel"!
No jornal "Diário de Lisboa", em 28 de Setembro de 1973 |
Valores numéricos importantes
No total, em três períodos - 1965/66, 1967/68 e
1973/74 - orientou a equipa principal/Honra em
70 jogos, com 50 vitórias, dez empates e dez derrotas, marcando-se 205 golos
para 67 sofridos. Sagrou-se campeão nacional em 1967/68 (repartindo a conquista
com Fernando Riera e Otto Glória) numa época em que também repartiu, com os
mesmos treinadores, a campanha europeia do Clube que chegou à final da Taça dos
Clubes Campeões Europeus, no mítico estádio de Wembley, em Inglaterra, país do
outro finalista (e vencedor) o Manchester United FC. Em 1973/74 conquistou a
Taça de Honra de Lisboa.
Ao centro, de azul, a equipa técnica: Morais, Toni, Cabrita e José Augusto. Portugal no Europeu'1984 |
A vida continua
Prosseguiu a sua carreira de treinador, ocupando vários
cargos, desde equipas de clubes modestos - SC Beira-Mar, Rio Ave FC, CF Académico
(Viseu), Boavista FC, FC Penafiel, CF Estrela Amadora - até à selecção
nacional, em 1983/84, no "célebre" Europeu de França, num triunvirato
técnico, aproveitando ainda para conquistar um campeonato marroquino, pelo Raja
Casablanca, em 1987/88. Regressou a Portugal para treinar em Viseu e nova ida
para Casablanca. Sentia-se o ocaso da carreira. Terminou onde começou. No seu
querido CF Esperança de Lagos, em 1991/92. Aos 69 anos era o Adeus ao Futebol.
Foi homenageado em Lagos pelas "velhas glórias" da sua terra natal,
incluindo o nosso Macarrão - que como não "gostava de perder" jogou
nos dois lados - pois o clube convidado voltou a ser o "Glorioso" que
fez deslocar ao Algarve a sua Embaixada, o "Saudade"!
Cabrita (à esquerda) e Hagan (à direita). Dois treinadores do melhor que há! |
A última transferência do Terceiro para o Quarto Anel
Em 22 de Setembro de 2014, aos 91 anos (feitos em 1 de Maio)
faleceu em Loures. Mas será tão eterno enquanto infindável é a História do
Benfica. Fernando Cabrita um treinador que fez do trabalho e da dedicação o
sucesso para evoluir. Um "Honesto" acima de tudo. Um excelente
exemplo para todos. Um dos que contribuíram para fazer da Gloriosa História uma
epopeia tão intensa e brilhante que se lê no escuro, sem necessidade de luz, ou
não tivesse ela brilho suficiente para ser entendida!
Cabrita! Cuida por aí do teu Glorioso
Alberto Miguéns
A primeira fotografia diz tudo. Como lhe ficavam bem as nossas cores. Os grandes atraem os grandes. Era inevitável ter chegado ao Glorioso. Pena é que não tenha chegado ainda como jogador. Um homem dedicado e honesto. Assumiu o cargo de treinador principais em circunstâncias difíceis. Todos os Benfiquistas lhe devem um carinhoso reconhecimento para um homem que sempre respondeu em momentos difíceis e que temos orgulho ter contribuído para a nossa rica história.
ResponderEliminarUma saudosa e reconhecida memória. Saudades. Que descanse em Paz.
VJC