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30 abril 2014

A Internacionalização de Álvaro Gaspar

30 abril 2014 1 Comentários
OPINIÃO


AVISO: Texto longo acerca da história do "Glorioso" em 1911/12. Quem não gostar de história é melhor esperar por outro dia!

ÁLVARO GASPAR
Nascimento: 10 de Maio de 1889
Primeiro jogo: Desconhecido (por enquanto)
Primeiro jogo referenciado (3.ª categoria): 20 de Dezembro de 1908 (19 anos)
Primeiro jogo na 2.ª categoria: 24 de Outubro de 1909 (20 anos)
Estreia na 1.ª categoria: 25 de Setembro de 1910 (21 anos)
Último jogo na 1.ª categoria: 1 de Março de 1914 (24 anos)
Último jogo com o "Manto Sagrado": 11 de Abril de 1915 (25 anos)
Falecimento: 3 de Setembro de 1915 (26 anos)
Funeral: 5 de Setembro de 1915 (para o Cemitério da Ajuda)

1911/1912 (22 anos)


Em que época começou a jogar?
Pela Ficha de Inscrição que deve ter sido preenchida no início de 1912/13, quando Álvaro Gaspar tinha 23 anos, ele escreveu que jogava há sete anos sempre no SL Bemfica (ainda e até 1945 com mê) sem interrupções. Deve ter sido preenchida antes do início da época, pois segundo Rogério Jonet essa era a prática no Clube. Todos a preenchiam até o Capitão-Geral (treinador e organizador das equipas) Cosme Damião. Se jogava há sete anos e ininterruptamente, começou em 1905/06 ou 1906/07.

1911/12 - Uma revolução no futebol lisbonense
No início da temporada de 1911/12 a AFL decidiu criar um campeonato para a 4.ª categoria. Dos sete clubes participantes nos três regionais em 1910/11 passou-se a 16, mas apenas quatro se inscreveram no da 1.ª categoria e destes apenas três concorreram nos outros três campeonatos. O Internacional reservou-se para apenas três categorias e nem assim a época correu de feição, a não ser na 1.ª categoria (2.º lugar). Os clubes aproveitaram para entrarem num esquema pouco desportivo. Reservavam os melhores futebolistas para as categorias "inferiores" abdicando de enfrentarem os melhores clubes lisbonenses. O Lisboa FC com a equipa de 1.ª categoria da época anterior inscrita na 2.ª categoria conseguiu um brilhante 2.º lugar. E o GS Cruz Quebrada ausente em 1910/11 conseguiu ser campeão regional da 2.ª categoria em 1911/12. O novo campeonato da 4.ª categoria teve 12 inscritos. O SLB e Cosme Damião foram apanhados de surpresa, com os pequenos clubes a apostarem neste campeonato onde os "Quatro Velhos de Lisboa" (Benfica, Internacional, Sporting e Império) tinham os jogadores menos dotados, por serem muito jovens ou muito veteranos. O Sporting CP e José Alvalade foram espertos. Inscreveram a 2.ª categoria de 1910/11 como 4.ª categoria em 1911/12. Foram campeões! Na temporada seguinte (1912/13) já não nos apanharam "distraídos"!

PARTICIPAÇÃO NO CAMPEONATO REGIONAL
Clubes
(N.º por categoria)
1.ª cat
(4)
2.ª cat
(7)
3.ª cat
(8)
4.ª cat
(12)
 SL BENFICA
V
3.º
V
4.º
 Sporting CP
3.º
4.º
2.º
V
 SC Império
4.º
5.º
3.º
12.º
 Internacional/ CIF
2.º
6.º
8.º
-
 Lisboa FC
-
2.º
5.º
10.º
 GS Cruz Quebrada
-
V
7.º
-
 Ginásio CP
-
-
6.º
9.º
 FG Nacional
-
-
4.º
-
 GS Luz Soriano
-
7.º
-
-
 Grupo Football Benfica
-
-
-
2.º
 Grupo Luzo-Campolide
-
-
-
3.º
 SC Cruz Pedra
-
-
-
5.º
 SF Palmense
-
-
-
6.º
 SC Progresso
-
-
-
7.º
 Beato SC
-
-
-
8.º
 Ateneu CL
-
-
-
11.º


O SLB na "globalidade" em 1911/12
O SLB aos sete anos de existência era um clube consistente, mas mais do que isso, com um rumo. A entrevista de Cosme Damião ao jornal "Os Sports Ilustrados" publicada no n.º 72, em 28 de Outubro de 1911, é uma cartilha do que iria ser o "Glorioso" nas temporadas seguintes. Um dia o EDB mostrará o que disse Cosme Damião na entrevista e como essas ideias foram concretizadas. Em relação ao futebol distingue-se o médio prazo e a época que se iniciava. Para breve, promover excursões do futebol para fora de Lisboa e estrangeiro (para os futebolistas aperfeiçoarem o método de jogo) e promover a vinda de grupos de futebol estrangeiros. Para a temporada de 1911/12 Cosme Damião anunciou uma série de alterações, trocando futebolistas de categorias inferiores para superiores e vice-versa. Aliás para Cosme Damião não havia categorias superiores e inferiores. Existiam campeonatos regionais de Lisboa que eram para conquistar. Seja de 1.ª, 2.ª, 3.ª ou 4.ª categoria! E... a formação de um grupo infantil recuperando uma tradição do Clube, para participar em jogos, se possível organizando um torneio, entre grupos infantis.

Mudança, ligeira mas significativa, na flâmula do emblema
Entretanto o Benfica altera as cores da flâmula com o lema: E Pluribus Unum. Representando a bandeira nacional desde a fundação, em 19 de Junho de 1911, muda a bandeira portuguesa e pouco tempo depois, certamente, mudaram as cores da flâmula do nosso emblema (em breve, depois de terminada a época desportiva - futebol e modalidades - o EDB fará uma série de textos (ilustrados) com a explicação que os nossos pioneiros deixaram a propósito dos três símbolos: nome/ sigla, cores e emblema).



Álvaro Gaspar titular na 2.ª categoria mas com chamadas frequentes à 1.ª categoria
Cosme Damião indicou Álvaro Gaspar como efectivo na 3.ª categoria e suplente à 1.ª! Uma situação híbrida, com alguns futebolistas, para procurar conquistar os quatro títulos. Na prática isso não ocorreu. Jogou na 2.ª categoria e foi suplente - muito utilizado - na 1.ª categoria. Álvaro Gaspar passou de cinco jogos - um para o Regional - na 1.ª categoria em 1910/11 para 14 - dois para o Regional - na 1.ª categoria em 1911/12. Em doze encontros particulares quatro foram frente a equipas de clubes estrangeiros (três na Corunha). Na 2.ª categoria estreou, por cinco horas, o Benfica na Cidade Invicta.

A segunda temporada com registos de Álvaro Gaspar nos ficheiros do Clube

Em 2011/12: onze jogos em 1911 e 14 em 1912
Foi uma temporada notável para quem parecia tão frágil. Um quarteirão (um quarto de cem ou 25! para quem é mais novo) de jogos. Com quatro dias em que fez dois jogos, primeiro pelo 2.º grupo e depois pela 1.ª categoria. As características da época, com os quatro campeonatos a terem desigual número de jornadas - seis (1.ª categoria), 12 (2.ª categoria), 14 (3.ª categoria) e 22 (4.ª categoria) - obrigou a 1.ª categoria a efectuar muitos jogos particulares em virtude do campeonato ser muito "curto"! 


A 1.ª categoria em 1911/12, no jogo de 22 de Outubro de 1911, no campo do Sporting CP, num empate a dois golos. Num jogo particular até de chapéu se jogava...   (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 187; I volume)

Setembro a Outubro de 1911
Álvaro Gaspar estreou-se na temporada em 24 de Setembro integrando um misto com maioria de futebolistas da 1.ª categoria. Jogou a avançado na meia-esquerda (mais tarde, na táctica WM denominado interior-esquerdo) numa vitória, por 3-1, frente ao Sporting CP no seu campo do Sítio das Mouras, ao Lumiar. Numa época com muitos jogos mas de categorias "inferiores" o Sporting CP agendou um duplo confronto - 1.ª e 2.ª categorias - com o Benfica no seu campo. Em 22 de Outubro o Benfica lá foi até ao Lumiar, mas por estar muito mau tempo, que tornava o campo irregular e afastava jogadores da intempérie - acabou por se fazer apenas um jogo entre equipas mistas. O "Chacha" jogou na meia-esquerda num empate a dois golos. Em 29 de Outubro foi dia de gala para o futebol lisbonense. O SC Império inaugurou o seu campo de jogos, em Palhavã, convidando o Benfica. A 1.ª categoria com Álvaro Gaspar na meia-esquerda venceu por 2-1, com o Chacha a marcar um golo. E depois como avançado-centro jogou pela 2.ª categoria na 1.ª jornada do Regional, numa vitória por 8-2 com o clube visitado, SC Império. Um dia, dois jogos. Quanto ao "Glorioso", sem campo, com a Feiteira sacrificada ao urbanismo expansionista em Benfica, o Clube acertou com o SC Império o aluguer do campo enquanto procurava uma quinta agrícola que estivesse desactivada para instalar o seu campo. As categorias "inferiores" continuaram a utilizar a Feiteira.


A 1.ª categoria em 1911/12, no jogo de 19 de Dezembro de 1911, no campo de Palhavã, numa vitória por 4-0. Ao centro, no chão, Álvaro Gaspar. Luís Vieira comemora o golo   (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 187; I volume)

Novembro e Dezembro de 1911
Em 5 de Novembro integrou a equipa de 1.ª categoria em mais uma ida a Carcavelos. Jogou na meia-esquerda com derrota por 1-3. Em Carcavelos era complicado vencer! No domingo seguinte (12 de Novembro) não há registo de jogos, mas 19 de Novembro foi dia de dérbie em Lisboa. Sendo um dérbie o jogo mais importante da cidade, no início da segunda década do século XX, esse jogo era o que colocava em confronto os únicos clubes de Lisboa campeões regionais - SLB em 1909/10 e CIF em 1910/11. E Álvaro Gaspar reforçou, na meia-esquerda a 1.ª categoria na 1.ª jornada, em Palhavã, na recepção ao clube que nos dava "mais trabalho" - Internacional/ CIF - campeão regional da época anterior. O "Glorioso" arrasou com 4-0. Em 26 de Novembro apenas jogou a 3.ª categoria (V 11-0 com o Internacional, na Feiteira). O Internacional aproveitou o feriado do 1.º de Dezembro para inaugurar um novo campo, das Laranjeiras, onde está hoje a Praça Humberto Delgado, em frente ao Jardim Zoológico.  O Benfica foi o clube convidado, para o Internacional "tirar desforra dos quatro-a-zero". Álvaro Gaspar jogou a avançado-centro e marcou o único golo do "Glorioso" insuficiente face aos dois do Internacional (D 1-2). Mas há muito para contar acerca de mais este dérbie de Lisboa. Deixo para Mário de Oliveira, no final deste texto o "naco de prosa". No domingo, 3 de Dezembro, apenas jogou a 1.ª categoria, mas Álvaro Gaspar ficou de fora. Frente ao Sporting CP, Cosme Damião queria uma linha avançada "mais pesada" (V 2-1 no Sítio das Mouras). Em 10 de Dezembro com Álvaro Gaspar a avançado-centro a 2.ª categoria derrota, por 4-1, o Lisboa FC. Em 17 de Dezembro apenas jogou a 4.ª categoria e no domingo seguinte (24 de Dezembro, véspera de Natal) o "Glorioso" regressa à Quinta Nova. A 1.ª categoria perde por 0-1, mas antes o 2.º grupo, com Álvaro Gaspar a avançado-centro aplica 4-1 à 2.ª categoria dos ingleses! E no dia seguinte (25 de Dezembro) Álvaro Gaspar integrou a 1.ª categoria, como meia-direita que no campo do Sítio das Mouras empatou a um golo com o Sporting CP. Segundo a imprensa da época: «Álvaro Gaspar abusou do "drible"». Há falta de jogos de campeonato na 1.ª categoria, somavam-se jogos particulares. No último domingo de 1911 (e último dia do ano) 31 de Dezembro Álvaro Gaspar como avançado-centro da 2.ª categoria defronta o Sporting CP em jornada do campeonato regional.

A 2.ª categoria em 1911/12, no jogo de 24 de Dezembro, em Carcavelos. De cima para baixo. Da esquerda para a direita. Raul Nascimento, Francisco Pereira, Álvaro Vivaldo, Jorge Rosa Rodrigues, Romualdo Bogalho e Carlos Costa; Virgílio Valente, João Martins do Reis, Álvaro Gaspar, Rogério Peres e Alberto Rio  (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 155; I volume)

Janeiro, Fevereiro e Março de 1912
No primeiro domingo - 7 de Janeiro - do ano de 1912 jogaram a 1.ª categoria (V 2-0 com o SC Império) e a 4.ª categoria (V por FC do SC Cruz da Pedra). Em 14 de Janeiro prosseguiu o campeonato da 2.ª categoria com Álvaro Gaspar a jogar como avançado-centro frente ao GS Cruz Quebrada, marcando um golo. Sem jogos de campeonato para a 1.ª e 2.ª categoria, em 21 de Janeiro, novo convite aceite para jogar na Quinta Nova. Uma derrota por 1-2 com Álvaro Gaspar a jogar na meia-direita. Num dia de chuva torrencial, os ingleses adiantaram-se no marcador e o intervalo durou mais que o habitual! Rezam as crónicas: "Uma excelente passagem de Luís Vieira proporcionou a Álvaro Gaspar um golo de bandeira!" Feito o empate os ingleses não vacilaram e marcaram o 2.º golo. Com poucas jornadas no campeonato para a 1.ª categoria, o SC Império organizou um torneio a eliminar, à moda da Taça inglesa, realizado no seu campo de Palhavã, com o Benfica (sem Álvaro Gaspar) a eliminar o clube organizador, após vitória por 3-0 em 28 de Janeiro.
Seguiu-se o "Mês Benfica", Fevereiro. No primeiro domingo (4 de Fevereiro) não houve jogos. Em 11 de Fevereiro iniciou-se a segunda volta no campeonato regional da 2.ª categoria. Nesta 7.ª jornada Álvaro Gaspar a avançado-centro foi fundamental na vitória por 5-2 frente ao SC Império, em Palhavã. Seguiu-se o domingo gordo e terça-feira de Entrudo (18 e 20 de Fevereiro) sem jogos. Em 25 de Fevereiro apenas jogos da 4.ª categoria (derrota com o GF Benfica)  e 1.º grupo (V 3-1 frente ao Internacional no seu campo das Laranjeiras). Em Março apenas um jogo com a participação de Álvaro Gaspar. Foi na 9.ª jornada do Regional, em 24 de Março (e não 25 que foi segunda-feira, como consta nos registos do Clube). Jogou a avançado-centro e marcou três golos na vitória por 6-1 frente ao Lisboa FC.

A 1.ª categoria em 1911/12, no jogo de 25 de Dezembro de 1911, no campo do adversário (Sítio das Mouras, ao Lumiar), num empate a um golo. Ao centro o inconfundível Cosme Damião   (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 192; I volume)

Um Dia de Benfica
O último dia e domingo do terceiro mês (31 de Março) foi de grande importância na História Gloriosa do Benfica. Foi dia (noite) de assembleia geral com discussão e aprovação de contas bem como dos Primeiros Estatutos. Aos oito anos de existência do "Glorioso" uns Estatutos Inovadores, contemplando muitas das directrizes enunciadas por Cosme Damião na entrevista ao jornal "Os Sports Ilustrados". E a "rematar" a eleição anual dos Órgãos Sociais. Avante Benfica! Prá frente Glorioso! Rumo ao Infinito!

A estreia internacional
No primeiro domingo do quarto mês (7 de Abril) não houve jogos mas em 11 de Abril - quinta-feira depois da Páscoa - coube ao Benfica o jogo frente ao clube francês La Vie Au Grand Air do Médoc, de Bordéus, no campo das Laranjeiras, em digressão por Portugal a convite do Internacional/ CIF. Álvaro Gaspar actuou na meia-direita e marcou um golo. Ao segundo jogo frente a uma equipa de um clube estrangeiro a primeira vitória na estreia do "Chacha" que segundo as crónicas fez um jogo de... chacha!

O campeonato regional em Abril de 1912
Com um campeonato para a 1.ª categoria disputado "aos repelões" em 14 de Abril aproveitou-se a ausência de jornada para um jogo de beneficência a favor da obtenção de receitas para deslocar uma delegação olímpica aos Jogos de 1912 em Estocolmo (onde morreria Francisco Lázaro na Maratona). O Benfica defrontou o Sporting CP, no campo das Laranjeiras,  numa vitória por 2-0 com Álvaro Gaspar na meia-direita. A seguir (ou antes) jogou-se mais uma jornada do Regional para a 2.ª categoria, com Álvaro Gaspar a avançado-centro. Um dia... dois jogos! Em 21 de Abril na 11.ª jornada do Regional da 2.ª categoria um resultado que fez furor entre os amantes do pontapé na bola. O Benfica com Álvaro Gaspar a avançado-centro goleou por 8-0 a equipa do clube que seguia em 2.º lugar e que se sagraria campeão regional, GS Cruz Quebrada.

A primeira foto do SLB na cidade do Porto, em 28 de Abril de 1912. Um dia histórico para o futebol portuense  (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 201; I volume)

A ida ao Porto
A primeira viagem de clubes da capital à Invicta, para jogar com o Futebol Clube do Porto, coube ao Sport Lisboa e Benfica, que se deslocou com duas equipas completas (24 futebolistas), primeira e segunda  categorias, para dois jogos, um de manhã e o outro à tarde, ambos no campo do clube, na Rua da Rainha. Os jogos foram anunciados com entradas pagas, aos preços de 220 réis por cada jogo e 320 réis para os dois. O "Glorioso" chegou ao Porto de comboio por volta da meia-noite. Coube à 2.ª categoria estrear o Clube longe de Lisboa. O jogo iniciou-se às dez horas da manhã. Com Álvaro Gaspar como avançado-centro vencemos por 2-1. O historiador (correcto e rigoroso) do FCP, António Rodrigues Teles escreveu a propósito de Álvaro Gaspar: «Notou-se que a equipa do Benfica não estava nos seus melhores dias, pois é, incontestavelmente, muito superior. É um excelente segundo grupo. Os pontos mais fracos eram o ponta-direita e o médio-esquerdo. Distinguiram-se o avançado-centro, os defesas e o médio-centro». Às três da tarde começou o da 1.ª categoria. Noventa minutos depois o resultado estava em 8-2. Na História do SC Salgueiros, publicada pela Editora Asa, da autoria do portista Manuel Dias - conta-se que se até aí o clube recentemente formado jogava de branco, no dia seguinte foram a uma tinturaria e tingiram de vermelho a flanela branca!

A inexplicável decisão de surripiar um campeonato
Em 12 de Maio Álvaro Gaspar alinhou em dois jogos, ambos na meia-direita e no campo de Palhavã. Na 2.ª categoria na vitória frente ao GD Luz Soriano e na 1.ª categoria frente ao SC Império, na vitória por 6-2 marcando dois golos. Quando se pensava que conquistaria dois títulos - 1.ª e 2.ª categoria - numa mesma temporada surge o incrível. No campeonato regional de 2.ª categoria conseguimos também vencer, em campo, todos os encontros, com 12 vitórias, em 12 jogos! Triunfámos, em “campo” mas não nos deixaram conquistar o título de campeão. É que a Associação de Futebol de Lisboa descobriu, tardiamente, em Abril, que um jogador nosso, David José da Fonseca, não estava inscrito, e comunicou-o ao Clube, num ofício que não foi recebido, pelo que continuámos a utilizar o jogador. Quando o facto chegou ao conhecimento dos jornais e do público, causou estranheza. Era incompreensível por parte da AFL, tanto mais que apenas por lapso não se fizera a inscrição de tal jogador, visto reunir todas as condições para alinhar pela nossa equipa. David José da Fonseca era futebolista do clube desde 1905, jogando regularmente nas nossas equipas! O Benfica que em campo fizera 24 pontos correspondentes a 12 vitórias, conseguindo o 1.º lugar, foi relegado para 3.º classificado, averbando, portanto, como castigo para o nosso Clube, a punição com derrota, por falta de comparência, nos seguintes jogos: contra o Lisboa FC, dois, em 10 de Dezembro de 1911 e 25 de Março de 1912; contra o GS Cruz Quebrada, em 21 de Abril; e contra o GD Luz Soriano, em 12 de Maio. A desclassificação limitou-se, pois, a quatro jogos, tantos os encontros onde o visado jogador veterano alinhou.


A 1.ª categoria em 1911/12 na Corunha. Primeira fotografia tirada ao SLB fora de Portugal. Da esquerda para a direita: Virgílio Paula, Francisco Viegas, Henrique Costa, Germano Vasconcelos (a guarda-redes), José Domingos Fernandes, Cosme Damião (capitão), Artur José Pereira, Romualdo Bogalho, Álvaro Gaspar, Francisco Belas e Alberto Rio  (fotografia retirada da História do SL Benfica, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; página 207; I volume)

A digressão à Galiza
Em 2, 6 e 9 de Junho de 1912 o "Glorioso" deslocou-se de comboio à Galiza. Mas houve dificuldades em libertar os futebolistas dos seus empregos! O “onze” que nos representou não correspondia à composição habitual. E esta  circunstância influiu no balanço geral dos três jogos que disputámos, no “Campo de La Gaiteira” na primeira saída ao estrangeiro – uma vitória, duas derrotas e 2-4 em golos. Apresentámos sempre a mesma linha: Germano de Vasconcelos; Henrique Costa e Francisco Belas; Romualdo Bogalho, Cosme Damião (cap.) e Artur José Pereira; Álvaro Gaspar, Francisco Viegas, José Domingos Fernandes, Virgílio Paula e Alberto Rio; pelo Real Club Deportivo da Corunha jogaram três futebolistas profissionais ingleses. O "Chacha" jogou a ponta ou extremo-direito não marcando nenhum dos dois golos. Mas "deu que falar"!

O que diz Mário de Oliveira de Álvaro Gaspar na temporada de 1911/12?
Algumas referências importantes. Na página 185, em crónica acerca do jogo com o Internacional em 1 de Dezembro de 1911: «O Internacional marcou o primeiro golo, com um remate que saiu indefensável. E Álvaro Gaspar impôs o empate, no aproveitamento rápido de um "falhanço" de Merik Barley. Na segunda parte, embora o onze benfiquista se mantivesse com entusiasmo ao ataque, o Internacional pôde surpreender-nos  com o segundo ponto, depois do que se remeteu à defesa sistemática, para "segurar" o resultado. E com Merik Barley e Eduardo Luís numa  tarde excepcional de brilhantismo, a defender tudo, conseguiu-o valorosamente, a despeito de estar apenas com dez homens em campo, por inutilização de Sidney Mascarenhas. Em determinada altura sofreu Álvaro Gaspar uma rasteira dentro da área, mas Borja Santos não assinalou a irregularidade ». E na página 186 ainda a propósito deste jogo, uma crónica de "Os Sports Ilustrados" que ilustram o porquê de "Chacha": "Dos avançados distinguiu-se, indubitavelmente, o seu centro, Álvaro Gaspar. O que é curioso, porém, é que o jogo desse homem não foi impecável! Pelo contrário! Foi cheio de defeitos. Não fazia passagens ou, quando as fazia, eram fora de tempo! E tanto assim é que, estando a jogar só contra um defesa (Merik Barley), e carregando muitas vezes sobre o Internacional, só conseguiu um golo. Falava constantemente. Faz muito bem o engano, mas, apesar disso, parece impossível que o médio adversário se deixe enganar com tanta frequência!" Álvaro Gaspar começou, pois, a revelar o seu extraordinário poder de 'dribling'. Foi, de facto, durante a sua curta carreira, um malabarista de grande classe.»
E na página 200, a propósito do jogo frente aos franceses: «Álvaro Gaspar excedeu-se no engodo pela baliza, sacrificando a combinação e a própria sequência de pontos, por emperrar, muitas vezes, o desenvolvimento de jogadas de ataque. A primeira vitória nossa contra uma equipa de um clube vindo do estrangeiro, constituindo novo título de honra para o Clube, não teve, porém, o brilhantíssimo que era possível para os recursos e para a classe da nossa equipa de primeiras categorias.»

Titular indiscutível da 2.ª categoria que arrasou no Regional e campeão na 1.ª categoria, com actuação em duas das seis jornadas, Álvaro Gaspar tinha tudo para triunfar!

Alberto Miguéns

NOTA FINAL: Por dificuldades técnicas - impossibilidade por excesso de informação - para que resulte com eficácia (publicar fotografias e documentos a ilustrar os textos) "A Vida Desportiva de Álvaro Gaspar Numa Dúzia - que passaram a 13! - de Datas" está programada para os seguintes dias (coincidindo com efemérides relativas à relação de Álvaro Gaspar com o Clube):

PUBLICADO
1.       01.Mar.2014       O Último Jogo;
2.      05.Mar.2014      O Debutante;
3.      16.Mar.2014       O Crescimento;
4.      30.Mar.2014      A Resistência;
5.      09.Abr.2014       O Triunfo;
6.      10.Abr.2014       O Reservista;
7.      29.Abr.2014       A Titularidade;
8.      30.Abr.2014       A Internacionalização;

A PUBLICAR
9.      06.Abr.2014       A Ficha;
10.    09.Mai.2014       O Brasil;
11.     10.Mai.2014       A Derradeira Glória;
12.     03.Set.2014        A Última Época;
13.     05.Set.2014        O Legado  

Aquando do 100.º aniversário do seu falecimento, em 3 de Setembro de 2015, conto fazer um "Especial" que junte os 13 textos e mais algum ou alguns se entretanto os tiver feito!      

Plano para Maio
(Previsão sempre à meia-noite):
De 30 para 01: É para conquistar o título! Já!;
De 01 para 02: O Benfica Transalpino;
De 02 para 03: Gostava Tanto Que...;
De 03 para 04: Eu Benfiquista no Museu do FCP by BMG (parte II);
De 04 para 05: A duas jornadas do final;
De 05 para 06: Álvaro Gaspar (9.ª parte de 13);
De 06 para 07: As cinco finais da Taça da Liga;
De 07 para 08: E depois de Leiria!;
De 08 para 09: Eu Benfiquista no Museu do FCP by BMG (parte III);
1 comentários
  1. Na continuação de ontem mais um magnífico artigo!

    Um jogo cheio de defeitos. Provavelmente Álvaro Gaspar sendo um virtuoso dominaria a bola como nenhum outro. Nesses casos seria por vezes prejudicial para a sua equipa mas desconfio que mais frequentemente o problema estava do lado dos adversários. Era uma chachada para os adversários? Coitados... Falava constantemente? Seria talvez para se auto-motivar. No entanto o grande jogador do Benfica seria Artur José Pereira. Recentemente li declarações deste grande futebolista sobre muitos jogadores entre os quais Homem de Figueiredo, Henrique Costa, Fortunato Levy. Nada há sobre Álvaro Gaspar. Seria curioso saber como estes dois homens se relacionavam dentro e/ou fora do campo. A relação com Cosme seria seguramente muito sólida e amistosa.

    Já conhecia mas não deixo de me surpreender com a fotografia de Cosme Damião captada no jogo de 22 de Outubro de 1911 no campo do Sporting CP. A jogar com um chapéu na cabeça. É certo que as boinas eram frequentes em jogadores especialmente nos guarda-redes mas com este formato apenas conheço esta fotografia. Dá ideia que foi um desenrascanço de Cosme.

    O FCP aproveitou para cobrar bilhetes. Tenho ideia que em Portugal o pioneiro foi o SCP. Por acaso sabe quando o nosso clube começou a cobrar entrada?

    A história da cor da camisola do Salgueiros é deliciosa. A wikipedia(...) menciona os três fundadores do Salgueiros (João da Silva Almeida, Anibel Jacinto e Antenor) e dá essa mesma explicação. Não indica fotnes mas muitas vezes essas tradições orais têm fundamento real. Deve ter sido impressionante ver essa esmagadora vitória e aquelas camisolas rubras. Vitória de 8-2... não foi a única. Houve também aquela de 28 de Maio de 1952. Aquela da qual só há duas imagens, uma das equipas alinhadas outra de Moreira e Arsénio levantando a enorme taça. A tal do qual só existe filme das cerimónias antes do jogo. Dos oito golos nem um em filme...

    Obrigado por este artigo
    Saudações Benfiquistas
    VJ

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