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08 setembro 2013

Não Podemos Esquecer

08 setembro 2013 1 Comentários
OPINIÃO

A Parede da Morte (ala de execuções) em Auschwitz I


Ao conhecer a história do Benfica e em particular do futebol, comecei a ter a sensação que dificilmente não houve, entre 1933-1945, condenados à deportação, prisão, trabalhos forçados e morte em campos de concentração, entre as comitivas - dirigentes, técnicos e futebolistas - de clubes cujos adversários provinham de países onde a comunidade judaica representava importante percentagem no total da população desses países.

A População Judaica na Europa (1939 - 1945)


O Judaísmo: crescimento, expansão e ocaso na Europa (1998)


Três premissas
Não é possível saber (pelo menos por agora) se houve ou não adversários do "Glorioso" detidos (e mortos) nos campos de concentração implantados pela Alemanha, entre Março de 1933 (Dachau, na Alemanha) e Maio de 1945. Mas, há três premissas que mostram que dificilmente isso não ocorreu.

Vinte e dois encontros, entre 1921/22 e 1937/38
Sei que a equipa do "Glorioso" realizou, entre 1921/22 e 1937/38, 22 jogos frente a 22 equipas de 14 clubes adversários de três países com comunidades judaicas numerosas: Hungria (nove jogos frente a cinco clubes), Checoslováquia (sete jogos frente a quatro clubes) e Áustria (seis jogos frente a cinco clubes).

Os judeus estavam bem integrados no futebol da Europa Central
Sabe-se que a comunidade judaica tinha forte, e significativa, presença no futebol dos países onde vivia. Muitos futebolistas eram judeus, mas também tinham forte implantação como treinadores e como dirigentes, pelo estatuto social elevado que tinham na esfera sócioeconómica local.

Deportação e morte maciças (holocausto)
Sabe-se que os números (embora controversos) são sempre da ordem dos milhões de judeus detidos e mortos, de todas as idades, entre 1933 e 1945, com destaque para os campos de concentração de extermínio, tendo como mais tenebroso o de Auschwitz-Birkenau, na Polónia (na realidade foram três campos, distantes uns dos outros em cerca de três quilómetros).

Adversários de países com população judia em percentagem elevada no total de habitantes
Época
Campo
(em Lisboa)
Res
Adversário
Cidade
País
21/22
Campo Grande
D 3-4
Union Zizkow
Praga
Checoslováquia
V 2-1
22/23
Campo Grande
E 1-1
Bezirk TVE
Budapeste
Hungria
V 3-2
Palhavã
D 2-5
Nuselsky CS
Praga
Checoslováquia

23/24
C.º Grande
D 1-2
SK Rapid
Viena
Áustria
Palhavã
D 0-2
Nuselsky CS
Praga
Checoslováquia
Palhavã
D 0-6
AC Sparta
Praga
Checoslováquia
24/25
Palhavã
D 0-6
Szombathely AK
Szombathely
Hungria
C.º Grande
V 3-1
Palhavã
V 2-1
Wiener SC
Viena
Áustria
25/26
Amoreiras
D 1-5
AC Sparta
Praga
Checoslováquia
D 2-5
SK Rapid VH
Praga
Checoslováquia
26/27
Amoreiras
E 1-1
Hungária FC (1)
Budapeste
Hungria
D 2-6
Szombathely AK
Szombathely
Hungria
28/29
Amoreiras
V 1-0
Ferencvarós TC
Budapeste
Hungria
33/34
Amoreiras
E 1-1
First Viena FC
Viena
Áustria
34/35
Amoreiras
D 3-4
Bocskay SC
Debrecen
Hungria
V 4-1
Wacker SC
Viena
Áustria
35/36
Amoreiras
D 1-2
SK Zidenice
Brno
Checoslováquia
36/37
Amoreiras
E 1-1
FK Áustria
Viena
Áustria
37/38
Amoreiras
D 0-4
Hungária FC (1)
Budapeste
Hungria
NOTAS: Os nomes dos clubes e países de origem têm a designação da época;

(1) Actual MTK (Magyar Testgyakorlók Köre Budapest Futball Club)

 

Houve ou não judeus detidos e mortos entre os adversários do Benfica?
Número elevado de jogos (22, entre 1921 e 1937), muitos judeus  (futebolistas, treinadores e dirigentes) ligados ao futebol húngaro, checoslovaco e austríaco e extermínio em massa da comunidade judaica, indiscriminadamente, entre 1933 e 1945. As probabilidades são elevadas.


Auschwitz I
Visita a Auschwitz-Birkenau
Há muito que pensava nesta funesta ligação entre o futebol do Benfica e a forte possibilidade de haver judeus nos adversários que sofreram a perseguição na Alemanha dos anos 30 e 40. Não sabia se algum dia visitaria um memorial que antes fora campo de concentração. Mas sempre imaginei que se um dia o fizesse, também seria em nome do Benfiquismo. Este ano, em 15 de Agosto, tive oportunidade de visitar Auschwitz I e Auschwitz II. Fiz questão de não ir numa das inúmeras excursões em autocarro que partem e chegam a Cracóvia. Fui de comboio, regressei de comboio, com paragem em Oswiecim (nome polaco para Auschwitz). Em solitário, como simbologia, em peregrinação.



Auschwitz II

Pedido de desculpa
Se não houve nenhuma ligação entre o Benfica e qualquer judeu (ou outra pessoa não-judia) que tenha estado num campo de concentração, peço desculpa pelo abuso.

Motivo de orgulho
Se existe (existiu) nem que seja uma pessoa que tenha contactado com o Benfica, através do futebol, e que tenha sido detida num campo de concentração, imagino que nesses tempos tão cruéis e difíceis, de tantas privações e humilhações, possa ter recordado, num instante ou sonho, uma ténue alegria em ter defrontado um clube cujo equipamento lembra tudo menos a desgraça e o horror. É vermelho, radioso, brilhante e empolgante. Símbolo da vitalidade, coragem, optimismo, raiva, impaciência e inconformismo. Teria sido um raio de liberdade num ambiente de opressão. (H) À Benfica!


Não podemos esquecer
Nem os desgraçados inocentes, desprotegidas, vulneráveis e sacrificados em nome do totalitarismo.
Nem os carrascos cobardes, prepotentes, inumanos e algozes protegidos em nome do mesmo totalitarismo.
No fundo foram ambos vítimas.

Não Podemos Esquecer

Alberto Miguéns

TRÊS NOTAS FINAIS

NOTA1: As duas fotografias (as únicas na viagem que não são da minha autoria) foram feitas depois de explicado o motivo aos responsáveis pelos dois memoriais, em Auschwitz I e Auschwitz II. Tenho de agradecer porque senti, da parte deles, num espaço de desgraça e pesar, um sentimento de orgulho por alguém de um país tão distante homenagear (pelo menos, lembrar-se) de "mártires desconhecidos". Um muito obrigado aos responsáveis por Auschwitz I e Auschwitz II.

 Fotografia aérea americana (localização de objectivos militares; 1944)
Legenda: 1. Auschwitz II (ou Birkenau); 
2. Ramal de Auschwitz; 
3. Estação ferroviária de Oswiecim; 
4. Auschwitz I; 
5. Rio Sola (afluente do rio Vístula, cuja confluência com o rio Sola é perto de Oswiecim)

 Na actualidade (esquema do programa da visita)
 

Legenda: A. Auschwitz I; B. Auschwitz II (ou Birkenau)

NOTA2: Evocação de quatro grandes equipas de clubes checoslovacos e austríacos, adversárias do "Glorioso"




A equipa austríaca do poderoso SK Rapid Viena, em 25 de Dezembro de 1923, fotografada no campo do Sporting CP (Campo Grande, depois de 1926, 28 de Maio) (in Fotobiografia do Sporting CP; Rui Guedes; 1988; página 88)






A equipa checoslovaca do Nuselsky SC, em 30 de Dezembro de 1923, fotografada no campo do Império LC (Palhavã) (in Fotobiografia do Sporting CP; Rui Guedes; 1988; página 89)






A equipa checoslovaca do AC Sparta Praga, em 12 de Janeiro de 1924, fotografada no campo do Império LC (Palhavã) (in História do SLB 1904-1954; volume I; Mário Oliveira e Rebelo Silva; página 483)








A equipa austríaca do First Viena FC, em 25 de Dezembro de 1933, fotografada no Glorioso Estádio do SLB (nas Amoreiras) (in História do SLB 1904-1954; volume II; Mário Oliveira e Rebelo Silva; página 115)

NOTA3: Amanhã, evocação - ilustrada - no EDB de seis grandes jogos, nos anos 20 e 30, frente a adversários da Áustria, Checoslováquia e Hungria

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