Há muitos, muitos anos, ainda no século passado lembrei-me
que talvez fosse possível encontrar ainda filhos de alguns dos 24 fundadores,
pelo menos dos mais novatos em 28 de Fevereiro de 1904 e conseguir falar com
eles. Seria uma tarefa hercúlea mas o engrandecimento do Benfica, feito pelos seus pais, transformando-o em “Glorioso” não só o merecia como exigia.
Era uma vez um País
Que em tempos, há muitos, alguns anos, todas as pessoas que
tinham telefone também tinham esse número de telefone e a morada onde estava
instalado o telefone numa espécie de livro denominado Lista Telefónica que era actualizado anualmente. E a listagem de nomes estava organizada pelo apelido. Não era uma
lista única. As listas eram por regiões. Chegaram a ser 15! Havia até para Lisboa e Porto duas
listas: assinantes (páginas brancas) e páginas amarelas (classificados/publicidade). Nas outras 13 regiões telefónicas as listas eram duplas:
brancas e amarelas. Os assinantes apenas tinham direito de receber a lista da
sua região. Mas nas “Páginas Amarelas” (praça de Alvalade, n.º 9, em Lisboa)
podiam comprar-se as restantes listas de Portugal, incluindo Madeira e Açores.
Estamos a falar do tempo em que não existiam telemóveis nem internet.
Primeiro e segundo passo
Para descobrir descendentes dos fundadores - tentar descobrir
- havia que comprar as 14 listas telefónicas em falta (apenas tinha a de
Lisboa). Na praça de Alvalade n.º 9 trouxeram-me essas 14 listas e fizeram as
contas (já não sei o valor, apenas que era em escudos, talvez contos, que era
mais a "moeda utilizada" nesses tempos que o desvalorizado escudo). Como o volume era grande
pedi se podiam fazer dois “montes” com igual peso e atá-los com um cordel,
pois teria de as levar de autocarro em autocarro até minha casa! O empregado
espantado quase gaguejou. “Não tem carro”! «Aqui não! Têm de ir de Metro e
depois na Carris», devo ter respondido assim! Saiu e chegou com uma notícia. Como
“isto” vai pesar vamos aliviar-lhe a carteira. Não terá de pagar! Para mim foi
como uma prenda de Natal. E talvez
estivéssemos em Agosto! Chegado a casa, estafado mas contente e ansioso, decidi
qual seria o próximo passo. Com a lista dos 24 fundadores elaborada por Cosme
Damião há mais de oito décadas, estabelecer prioridades. Primeiro os apelidos
que considerava menos vulgares e para último os Silvas, Santos, Ferreiras,
Pereiras, Oliveiras, Costas, Martins, Rodrigues e Sousas, se os houvesse!
Talvez fosse esta a ordem
Tinha de começar a telefonar por algum nome. Escolher o
primeiro e seguintes. Não me recordo com exactidão do modo como ordenei a lista
de 24, mas não dever ter sido muito diferente desta:
Damião, Cosme;
Gourlade, Manuel;
Afra, Jorge da Costa;
Linhares, José;
Empis, Raul;
Corga, Eduardo;
Goulão, João;
Calisto, Francisco;
Meireles, Abílio;
Severino, António;
França, Carlos e Manuel;
Teixeira, Henrique;
Gonçalves, Francisco Reis;
Rocha, Amadeu;
Gomes, João Inácio;
Cunha, Virgílio;
Brito, Daniel Santos;
Ribeiro, Joaquim;
Almeida, Joaquim
Sousa, Jorge Augusto;
Rodrigues, António, Cândido e José Rosa;
Lá fui telefonando para todo o País.
Também estabeleci prioridades ordenando as 15 listas
telefónicas (desta ainda me lembro bem):
Lisboa; Linha Sintra; Linha Cascais; Norte Lisboa; Margem
Sul; Porto; Ribatejo e Estremadura; Coimbra/Leiria/Castelo Branco; Algarve; Aveiro/Viseu/Guarda;
Alentejo; Minho e Douro Litoral; Trás-os-Montes; Madeira; e Açores.
Vou abreviar…
Antes um pedido de desculpa. Se algum dos contactados estiver
a ler este texto peço-lhes desde já desculpa por os ter incomodado, quase
sempre à procura de…nada! Não vou contar o que aconteceu com os Damiões, Gourlades,
Afras e Linhares. Bem como pelos 16 que se seguem aos Empis. Fico-me pelos
Empis!
Nem queria acreditar…
Na primeira lista (a de Lisboa) fiquei atónito. Havia dezenas
de Empis. Nunca imaginaria que existissem tantos Empis. Horas desperdiçadas
(geralmente à noite e ao fim-de-semana) pois eram quase todos do Sporting CP e
afirmavam nada ter a ver com o Benfica nem com qualquer um dos seus fundadores.
Passei para a segunda (Linha de Sintra) mais Empis até perder de vista. Nada.
Passei para a terceira (Linha de Cascais) e finalmente – talvez depois de mais
de 40 Empis – eis que encontrava uma ligação ao Benfica. Outra prenda
de Natal, muito provavelmente distante de 25 de
Dezembro! E que ligação. Mas isso ficará para um dia
destes contar. Porque valerá bem! Só por isto, talvez mais de cem telefonemas
depois (que não eram de graça) e carregar as listas (que foram de graça) valeu
a pena um dia, há muitos, muitos anos, ter tido a ideia que tive.
Só agora, em 2015, percebi porque encontrei tantos Empis, dezenas (e
parei a “meio”)
Este ano, em Junho, foi publicado um livro acerca de quem? De
Raul José Empis, um dos 24 fundadores do “Glorioso”. Aliás é mais um livro
acerca dos descendentes de Raul Empis. E histórias que envolvem a família, a
maior parte delas recentes (depois do seu falecimento em 1960), mas também muitas, variadas e curiosas acerca dele.
E dos seus…doze filhos! Ora aí está quebrado o mistério de tantos Empis! Só à
conta do “nosso” Empis houve 12 Empis (filhos), que deram depois origem a mais
uma vintena de Empis (netos) e a mais uns quantos, sempre em progressão Empis
(bisnetos), embora “há muitos, muitos anos” os telefones fossem de
filhos/filhas e netos/netas! Além de outros Empis que não descendiam do “nosso”
Empis mas dos seus cinco irmãos (três rapazes e duas raparigas).
O livro “Doze Com Quatro”
Em tempo de Natal considero que comprar para oferecer, mas principalmente
para ler, este livro é uma óptima prenda de Natal. Não só por falar do “nosso” Raul José Empis e dos seus doze
filhos (seis raparigas e seis rapazes). É pelo modo como fala e a maneira como escreve a trata as histórias da (e de) família.
Um livro que é sempre um óptima prenda de Natal. Principalmente este! E neste!
Pode ser (deve ser) ouvida esta entrevista à autora (neta do “nosso”
Empis”) Sofia Empis
Clicar para ouvir o programa de rádio (a partir dos 08:44)
Entre essas histórias deliciosas, embora algumas de horror por serem daquelas que não nos importaríamos de não as poder ler
Duas que recordo e jamais imaginei serem de descendentes do “nosso”
Empis.
1. Depois do 25 de Abril
de 1974 dizia-se que o último militar a morrer nas colónias (então Províncias
Ultramarinas) fora um elemento do exército, o alferes Bragança, em 1975. Ou
seja, um ano depois da Revolução que permitira a Descolonização, ainda tombou
um soldado português em África. Pelo livro a data desse momento trágico é 30 de
Agosto de 1975, quando foi abatido o alferes José Luís Empis Bragança. Uma história
contada no citado livro, entre as páginas 297 e 313, que a autora denominou “Um
Rapaz Como os Outros”. Nesses tempos (1975) ainda não conhecia a história do Benfica.
Mas depois quando a comecei a conhecer jamais imaginei que o “último soldado português
morto em África” fosse um neto de Raul Empis, 3.º filho – em quatro - da 6.ª
filha (Olga Luísa que faleceu em 1967, aos 46 anos) de um dos 24 Gloriosos;
2. Há cerca de um ano, no
Verão de 2014, o País ficou horrorizado com as notícias do esfaqueamento
durante a noite de um jovem arquitecto, depois de uma acesa discussão,
como pode ser visto aqui (clicar). Diogo Empis de Andrade e Sousa atingido na noite de
19 de Agosto faleceu em 27 de Agosto de 2014. Jamais imaginei que o jovem de 30
anos, completados em 6 de Agosto, poucos dias antes de ser esfaqueado
mortalmente, fosse bisneto do “nosso” Empis. Neto do seu terceiro filho Raul
Ernesto, nascido em 8 de Novembro de 1917, felizmente ainda entre nós, com 98
anos, e filho de Gizé (uma dos seus cinco filhos) que dando dois bisnetos a
Raul José Empis viu a violência de gente estúpida tirar-lhe, ainda tão jovem, o
mais velho dos dois filhos (Diogo e Duarte). Se os filhos não são para ir
embora antes dos pais muito menos dos avós! Uma história muito triste e
desgraçada (bem) contada entre as páginas 105 e 122 com o nome de “A Lua, A
Estrela”.
Em cima: Palacete Empis na avenida Duque de Loulé de gaveto com a rua Luciano Cordeiro. Em baixo: Carta Topográfica de Lisboa; folha 10 I; 1910 (nomes colocados para este blogue) |
Outra “descoberta”
Para além de, finalmente em 2015, perceber o porquê de tantos
Empis nas listas telefónicas também percebi, finalmente, o porquê de Raul José
Empis enquanto adolescente, na primeira década do século XX, andar por Belém. É
que para mim sempre pensei que ele andaria por Belas ou próximo das avenidas
novas, onde o seu pai (Ernest Laurent Empis) tinha uma quinta e depois foi
construído um palacete, entre a avenida Duque de Loulé - no espaço do actual n.º 77 - e a rua Luciano Cordeiro.
Que eu sabia ser dos Empis (talvez de família próxima de Raul) por ser Prémio de arquitectura Valmor em 1907. Até porque é (era, pois foi demolido em 1954) da autoria do primeiro capitão do "Glorioso": António Couto! Por tudo isto sempre
imaginei o “nosso” Raul Empis em Belas ou pelo Marquês de Pombal/Saldanha,
nunca por Belém. Mas lendo o livro torna-se evidente que ele andaria por Belém
com os catraios da idade dele. E logo foram fundar um clube. E que Clube!
Amanhã. Vou ter tanto prazer em escrever
acerca de RAUL JOSÉ EMPIS!
Alberto Miguéns
Notável!
ResponderEliminarO que dizer de alguém cuja vontade, método e rigor tem dado tanto à História do nosso Clube? Alguém que dá rigor e defendendo a verdade histórica defende o nosso Clube. Obrigado. Muito obrigado.
Que história pitoresca essa das listas na Praça de Alvalade. Andei lá perto no liceu e lembro-me bem dessa loja.
Não li o livro mas ouvi uma entrevista radiofónica de Sofia Empis com Pedro Rolo Duarte e João Gobern. Gostei apesar da autora me surpreender com algumas afirmações. A sua sinceridade e a capacidade de expor episódios da sua vida e da vida de familiares é digna de admiração.
A família Empis é uma família ilustre. Tanto quanto sei tem origens estrangeiras mas tem dado importantes contribuições a este país.
Para os Benfiquista a maior dessas contribuições foi teve Raúl José Empis. Um dos 24 fundadores. Muito mas mesmo muito gostaria de saber mais dele. O Alberto deixa-nos em grande expectativa para amanhã.
Está a fazer História. História do Sport Lisboa e Benfica. Da mais Gloriosa.
Um bem-haja por isso!
Fantástico caro Alberto, fantástico!!!
ResponderEliminar...SR DR ALBERTO....se me permitir, venho aqui na SUA PÁGINA, desejar AO SR DR E FAMILIA UM FELIZ NATAL....aproveito para lhe pedir desculpa por um ou outro escrito da minha parte, que tenha fugido ao RIGOR DA EDUCAÇÃO que nos é devido...UM GRANDE ABRAÇO BENFIQUISTA....
ResponderEliminarHouve também um alferes Empis, que esteve envolvido na revolta do 5 de outubro, do lado dos monárquicos e participou nos combates na Rotunda contra as tropas do Machado dos Santos. Mas não sei o seu primeiro nome.
ResponderEliminarErnesto, era o seu nome. O Rei D. Manuel tinha muita estima por ele: foi dos poucos que lutou.
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