DOIS AMIGOS BENFIQUISTAS SEM BENFICA
Chegou-me, há uma semana, às mãos e olhos, um
livro que há muito desejava ler e ter, da autoria de Cândido de Oliveira: "Tarrafal
- O Pântano da Morte". Muito há (haverá) a dizer acerca do livro e do seu
autor.
Semanário "O Benfica"; página 3; 2 de Julho de 1953 |
O treinador do Benfica, Ribeiro dos Reis (à
direita) entre o presidente do Benfica Joaquim Bogalho e o do FC Porto (Urgel
Horta) com o treinador do FC Porto, Cândido de Oliveira (à esquerda, de óculos),
no Estádio Nacional, antes da final da Taça de Portugal, em 28 de Junho de
1953, conquistada pelo Benfica após derrotar, por 5-0, a equipa do FC Porto
Um momento épico
Na final da Taça de Portugal da temporada de 1952/53
encontraram-se dois Benfiquistas que nesse dia, como treinadores, foram
adversários: Ribeiro dos Reis (pelo Benfica) e Cândido de Oliveira (pelo FC
Porto). Grandes amigos, Ribeiro dos Reis nunca perdoou a Cândido de Oliveira um
dia, no início do Verão de 1920, ter "virado costas" ao
"Glorioso", quando o Clube tanto necessitava dele que era
"apenas" capitão da equipa de futebol!
Cândido infiel, Cândido fora... para
sempre
Como resultado da infidelidade do seu capitão - Ribeiro dos
Reis era um dos futebolistas da equipa - o seu grande amigo e antigo capitão da equipa Cândido
de Oliveira nunca mais regressou ao Clube, encontrando sempre em Ribeiro dos
Reis, dirigente do "Glorioso" praticamente até morrer, um obstáculo ao
seu regresso. Quando António Ribeiro dos Reis faleceu em 3 de Dezembro de 1961 já
Cândido de Oliveira deixara o nosso mundo em 23 de Junho de 1958.
E tantas vezes Cândido de Oliveira podia - e ao que constava queria - ter regressado ao Benfica
Cândido de Oliveira depois de futebolista tornou-se o melhor
treinador português, talvez o melhor de sempre, treinando no Brasil o mítico CR
Flamengo, em 1950, importante ano da fase final do Campeonato do Mundo
realizado no Brasil. Durante os anos 30, 40 e 50 o Benfica necessitou inúmeras
vezes de um treinador. De "um" treinador! Quanto mais do "melhor deles"! Para António Ribeiro dos Reis, um dos pilares do Benfiquismo que burilou o Benfiquismo do pioneiro Cosme Damião: Quem sai porque quer não regressa por querer...
Uma promessa para 24 de Setembro
Deixo já a digitalização de uma fotografia (a do início deste texto) retirada de uma
edição do jornal "O Benfica". Enquanto procuro uma fotografia com melhor qualidade
em que estejam estes dois amigos prometo para dia 24 de Setembro de 2014 - dia
em que passam 118 anos do nascimento de Cândido de Oliveira - escrever acerca
desta relação benfiquista entre dois Benfiquistas... mas "fora" do
SLB.
Copiar (parte) do livro
Entretanto aqui ficam - no final deste texto - deliciosas, mas tenebrosas, páginas de
um capítulo do livro de Cândido de Oliveira para quem quiser ler ou copiar para
levar de férias. O tempo de ócio vai ser bem ocupado. E não vai ser tempo
perdido.
E mais três notas
1. O prefácio do
livro, apenas editado em Portugal depois do 25 de Abril de 1974, é de José
Magalhães Godinho que foi o primeiro director do jornal "O Benfica".
Por agora fica neste espaço um prefácio que valeria também um magnífico artigo.
Mais tarde haverá um texto evocando esse Benfiquista de Sempre, José Magalhães
Godinho, nascido em 12 de Fevereiro de 1909 e falecido em 25 de Março de 1994,
aos 85 anos;
2. António Ribeiro
dos Reis (10 de Julho de 1896 a 3 de Dezembro de 1961) terá também um destaque
neste blogue, em princípio no último dia deste ano (31 de Dezembro) assinalando
os 100 anos da sua estreia com o "Manto Sagrado" na 1.ª categoria;
3. O Benfica nunca
foi um clube que discriminasse. Era, sim, um clube agregador que acolhia no seu
seio todos os que quisessem engrandecê-lo independentemente da sua ideologia,
etnia, género ou classe social. Em contraponto a um democrata, anti-fascista e
anti-salazarista como Cândido de Oliveira, o EDB no espírito do Benfiquismo e
da Gloriosa Cultura do Clube fará também a evocação de uma outra grande figura Benfiquista,
ministro de Salazar: Augusto Cancella de Abreu, presumo que também salazarista e de direita, ao contrário de Cândido de Oliveira. Mas que só exerceu cargos no
"Glorioso" depois de deixar de ser ministro e estar ligado ao Poder. Em 14 de Agosto de 2014, dia em
que se completam 119 anos do seu nascimento em Anadia, no ano de 1895, o EDB
homenageará um antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica,
falecido em 6 de Abril de 1965. E dedicará a Cancella de Abreu o mesmo fervor,
dedicação e rigor que terá para com Cândido de Oliveira, praticamente um
mês depois. Se bem que o tema não seja o mesmo. Para Cancella de Abreu
interessa destacar a sua acção como 11.º presidente da Mesa da Assembleia Geral,
entre 27 de Julho de 1956 e 26 de Março de 1964, já doente. Enquanto que para
Cândido de Oliveira interessará evidenciar uma amizade "fora do
Benfica" entre ele e Ribeiro dos Reis. Ribeiro dos Reis que foi o 10.º presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica antes de... Cancella de
Abreu!
Apesar de preferir destacar o Clube enquanto
colectividade e não somatório de individualidades é sempre um prazer escrever
acerca de Benfiquistas que sempre serviram o Clube e nunca se serviram dele!
Artigo notável. Cada vez nos surpreende mais.
ResponderEliminarO futebol é feito em primeiro lugar pelos seus praticantes. E esses são também homens (ou mulheres), com as suas incongruências, as suas cambiantes e as decisões que tomam em função do meio onde se inserem e interagem com os seus semelhantes.
Cândido Oliveira foi um homem notável. Um praticante de qualidade, um mentor , um treinador de sucesso. Foi tudo o que o Dr. José Magalhães Godinho escreve nesse prefácio.
A vida é assim, por vezes afasta-nos daqueles que foram amigos num dado tempo. Pelo que nos diz, a cordialidade e a amizade entre Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis manteve-se forte apesar da saída de Cândido que arrastou quase uma equipa inteira do Benfica com ele para a Casa Pia. Afinal fundaram o jornal "A Bola". Interessante como Ribeiro dos Reis terá então apartado o Benfica de tudo o resto, não colocando em causa a relação entre amigos mas fazendo questão de impedir qualquer regresso ao Benfica. Valores sólidos e coerência ao longo de décadas. Homem de fibra concerteza.
Entende-se mas pelo menos do pouco que sei ainda assim lamento que não tenha havido uma reconciliação. Quando saiu Cândido era capitão do Benfica. Era treinado por Cosme Damião. Deveria pois ser o seu braço direito. Seria interessante perceber também a relação entre esses dois homens. Tanto quanto sei terão existido conversas antes da tomada de decisão. Não sei se o Alberto sabe alguma coisa sobre isso. Penso se não estou em erro que já li qualquer coisa de si a propósito de Cândido de Oliveira ter protelado por 1 ano essa decisão pois terá feito questão de sair como campeão.
Cândido de Oliveira foi um dos maiores "ses" do Benfica. Como teria sido se não tem saído. Teriamos tido a crise de 1926 mais cedo? Teria sido diferente? Ter-se-ia Cosme afastado nessa data? Cândido era um pensador e por isso teria tido uma enorme importância na definição do Benfica como clube. Teriamos tido uma dupla Candido de Oliveira e Ribeiro dos Reis a fazer parte do pequeno núcleo de figuras-chave do clube. Parece mais do que provável.
A parte do livro, a parte da experiência do Tarrafal é terrível. Cândido de Oliveira era um intelectual e pode - viveu para isso - racionalizar e relatar a sua experiência. Outros não tiveram a mesma sorte. É terrível perceber até que ponto um ser humano pode descer tão baixo para subjugar a este ponto um seu semelhante.
Grande artigo. Obrigado.
Saudações Benfiquistas
VJ
Sem dúvida, um dos melhores artigos que o caro Alberto Miguéns já aqui publicou. E todos os seus artigos são de grande qualidade. Sou um grande apreciador desta dupla de personagens históricas do nosso Clube e do desporto português, daí o meu apreço por estes textos fantásticos sobre eles. Um bem haja.
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