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02 dezembro 2019

Tamanqueiro 78

02 dezembro 2019 2 Comentários
HÁ 78 ANOS, EM 2 DE DEZEMBRO DE 1941, FALECEU UM DOS MELHORES FUTEBOLISTAS DO BENFICA.


Tinha 39 anos, pois nasceu em 21 de Janeiro de 1902, deixando órfãos, pelo menos, dois filhos menores, um com 11 anos e outro com 8 anos. Ambos seriam futebolistas, o mais velho no CF “Os Belenenses” e o mais novo no «Glorioso». As datas e os clubes por onde passou são baseadas em fontes oficiais e diferentes das que circulam de repetição em repetição, cópia sobre cópia, pela internet (ver NOTAS FINAIS) o que não quer dizer que as que publico estejam certas. Apenas certificadas, porque baseadas, em documentos oficiais que não quer dizer que não possam conter erros. A vida é o que é! Se na actualidade seria sempre uma tragédia, imagine-se o que foi no início da década de 40 morrer, aos 39 anos, o “sustento da família”, com filhos tão pequenos!



NOTA INICIAL: Apesar de já ter conseguido “esticar o tempo” parecendo impossível, desta vez, dia 1 de Dezembro de 2019 não foi. Tentei resolver uma série de imbróglios em datas e clubes por onde passou, contando com a preciosa colaboração de dois leitores preciosos – Victor João Carocha e Mário Pais (que coloquei a em “trabalha intensivo” para o blogue) mas mesmo assim o texto está curto. Vou fazer o que puder até às duas da manhã e talvez só consiga encontrar a incrível foto do lugar onde está sepultado na manhã desta segunda-feira. Ainda estive para desistir de publicar o texto por estar muito incompleto para o meu gosto, mas vai assim e depois logo se vê. Uma coisa é certa. Mantenho o mesmo princípio. Para escrever acerca da História do Clube é para honrar (pelo menos a intenção é sempre essa, depois se consigo ou não isso é outro assunto). Para fazer um texto do tipo «era muito bom, tanto e tão bom, que fazia levantar o estádio» então prefiro não fazer nada! Interrompido às 02:41 da matina e terminado às 11:27 horas!


Precoce para o Futebol
O pai fazia tamancas para os pescadores e varinas em Setúbal, daí a alcunha que passou da profissão do pai para o nome do futebolista Raul Soares Figueiredo, o «Tamanqueiro». Aos doze anos já jogava nos “Infantis” do Vitória FC. Aos catorze na mesma categoria do Sporting CP para em 1919/20 (temporada em que completou 18 anos) integrar a 4.ª categoria do popular clube de Alcântara (Lisboa) que depois deu origem ao actual Atlético CP, o Carcavelinhos FC. Em 1921/22 jogou no União FC Avenida (Setúbal) como avançado-centro e depois a médio-centro onde se distinguiu. O clube setubalense participava co “Campeonato de Promoção de Lisboa” que era o terceiro escalão, depois da I Divisão (na qual jogava o Benfica) e da II Divisão (com clubes como o Vitória FC Setúbal, por exemplo). O distrito de Setúbal foi criado em 22 de Dezembro de 1926, ou seja, até ser criada a AFS (Associação de Futebol de Setúbal) os clubes entre a margem esquerda do rio Tejo e a margem direita do rio Sado competiam no «Campeonato de Lisboa» organizado pela Associação de Futebol de Lisboa (AFL). Em final da temporada de 1921/22, numa digressão ao Algarve, o «Avenida de Setúbal» deslocou-se a Olhão. Tamanqueiro deslumbrou. O seu poder de finta, “dribling em progressão” e remate poderoso, que fizeram história no futebol português, entre meados e final dos anos 20, fizeram com que já não regressasse a Setúbal. Foi reforçar o poderoso plantel do SC Olhanense, entre 1922/23 e 1925/26, conquistando logo na segunda época, pelo SC Olhanense, em 1923/24, o Campeonato de Portugal que em 1938/39 prosseguiu com a designação (adequada a uma competição a eliminar) de Taça de Portugal. Há uma curiosidade! A estreia dele pelo SC Olhanense ocorreu, em 19 de Agosto de 1922, num encontro particular, no campo Padinha (Olhão) em que o clube olhanense recebeu o… Benfica! Com vitória do «Glorioso» por 5-3! Quem diria que o estreante Raul Figueiredo quatro temporadas depois jogaria no clube que nesse dia “apadrinhou” a sua estreia pelo SC Olhanense! 



Entretanto no Benfica, no final da temporada de 1925/26
Viviam-se tempos de mudança com a saída do responsável pelo futebol (Cosme Damião) e as novas ideias preconizadas por um grupo de associados, com destaque para Ribeiro dos Reis. O diagnóstico acerca das limitações do plantel para a temporada de 1926/27 teve de ser rápido. Foi decidido que o “problema” estava no meio-campo. Os dirigentes do «Glorioso» decidiram, finalmente desde 1904/05 – fazer contratações. De um modesto clube do «Campeonato de Promoção de Lisboa», o Portugal FC chegou João Silva, com a alcunha de «Fayta». Ao consagrado SC Olhanense foi contratado o internacional português, já em quatro jogos, titularíssimo como médio-direito, Raul Figueiredo, com a alcunha de «Tamanqueiro». Ribeiro dos Reis conhecia bem Raul Figueiredo pois a estreia deste na selecção, a número 4 da história (todas frente à selecção de Espanha), em 17 de Maio de 1925, correspondeu também, à estreia de Ribeiro dos Reis como seleccionador nacional. 




Primeira temporada (1926/27)
Não foi fácil contratar Raul Figueiredo. Ao contrário de João Silva que chegou logo no início da época jogando nas quatro encontros para disputa de torneios e troféus (o que na actualidade se designa por pré-temporada) a transferência de Raul Figueiredo envolveu “dinheiro grande”. Chegou a tempo de integrar, como médio-centro (João Silva a médio-direito), a equipa que disputou a primeira jornada do campeonato regional de Lisboa, em 17 de Outubro de 1926, numa derrota, por 1-3, frente ao CF “Os Belenenses”. Raul Figueiredo fez 25 dos 28 jogos do Benfica até final da temporada, sempre a titular e completos, num total de 2280 minutos (houve um jogo para o «Campeonato de Portugal» com prolongamento, ou seja, 120 minutos) marcando três golos: catorze como médio-centro e onze a médio-direito.  


1926/27. O jogo da estreia de Raul Figueiredo com o «Manto Sagrado»:  17 de Outubro de 1926. Da esquerda para a direita. Raul Figueiredo, João Silva, Jorge Tavares, Ralph Bailão, Américo Antunes, Francisco Costa, Jorge Figueiredo, Mário Carvalho, José Pimenta, José Simões (capitão) e Vítor Hugo   

Segunda temporada (1926/27)
Continua como titular indiscutível, com 26 jogos (mais um de 120 minutos) sempre a titular e completos, num total do Benfica de 30, ou seja, apenas “falhou” quatro jogos em… 30! Marcou seis golos em 2 370 minutos, sempre como médio-centro. No total, em duas temporadas: 4 650 minutos, em 51 jogos, com nove golos. Quarenta jogos como médio-centro e onze como médio-direito (estes em exclusivo na primeira temporada com o «Manto Sagrado»). 


1927/28. Campeonato Regional de Lisboa; Sporting CP; derrota por 0-3; estádio da Tapadinha, do Carcavelinhos FC. 23 de Outubro de 1927. De cima para baixo. Da esquerda para a direita. Ralph Bailão, João Domingos, José Simões (capitão), António Jacinto, Jorge Tavares, José Pimenta e Vítor Hugo; Raul Figueiredo, Luís Costa, Eugénio Salvador e Mário Carvalho  

Nos Jogos Olímpicos de 1928
Raul Figueiredo estreou-se frente à selecção espanhola, mas selecionado a jogar pelo Benfica fez o seu quinto jogo por Portugal, em 26 de Dezembro de 1926 num espectacular empate, a três golos frente à Hungria! Embora a Hungria não contabilize este jogo como da selecção mas antes um misto de dois clubes – Sabaria SC e Hungária FK - em digressão por Portugal. A apoteose como futebolista internacional ocorreu nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, em 1928, titular como médio-direito (a médio-centro, Augusto Silva, do CF “Os Belenenses”, não dava hipótese…). Além dele, também Vítor Silva foi totalista nos três jogos, marcando em todos, um total de três golos (dos sete de Portugal). Jorge Tavares (avançado) fez parte do plantel mas nunca foi utilizado. Contabilizava quatro internacionalizações, obteve mais nove como futebolista do «Glorioso» e seguiram-se mais quatro depois do regresso ao SC Olhanense, fazendo o último jogo em 23 de Fevereiro de 1930. Quinze dias depois, em 10 de Março de 1930, nascia o seu filho Raul Figueiredo que um dia, em 3 de Junho de 1959 também se estrearia na selecção nacional. A primeira situação pai/filho internacionais, em Portugal. Regressando ao pai, 17 internacionalizações, num período em que a selecção fez 20 jogos, entre 1925 e 1930. “Falhou” três jogos em…seis anos! Por isso é que é injusto fazer comparações. Agora a selecção faz 20 jogos numa temporada, num ano! Um futebolista poderoso, exímio na finta e dribbling em corrida, potente, “de durar o jogo todo”, incansável à frente e atrás, em dias “bons” fazia de médio-defensivo e de médio-ofensivo conforme a sua equipa, tinha ou não a posse da bola, “espicaçava” os colegas com o seu espírito de miúdo num corpo adulto. Remate potente, colocado, por isso era exímio na marcação de grandes-penalidades.  


Esta é a equipa do primeiro e do terceiro jogo, pois no segundo jogou João dos Santos (Vitória FC Setúbal) no lugar do titular Armando Martins, também do mesmo clube. Os sete golos de Portugal foram marcados por Vítor Silva (3), Pepe (2), Valdemar Mota (1) e Augusto Silva (1) este o único centrocampista a marcar após uma jogada impressionante, no final do segundo jogo, que permitiu derrotar, por 2-1, a Jugoslávia e seguir para os quartos-de-final

E depois do Benfica
Após duas temporadas – tinha uma vida pouco adequada para um atleta segundo os padrões do Benfica e com 26 anos não ia rejuvenescer – regressou ao SC Olhanense, onde jogou mais quatro temporadas, entre 1928/29 e 1931/32. Rumou a norte, jogando no SC Salgueiros, em 1932/33, depois passou a jogador/treinador: no Académico FC Porto (1933/34 e 1934/35), SC Braga (1935/36 e 1936/37), Clube União Futebol de Coimbra (1937/38 e 1938/39). Duas temporadas antes de falecer ainda fazia “hat-tricks”! É provável - pelo obituário no jornal «Diário de Lisboa» - que tenha representado depois de 1938/39 um tal Recreio Desportivo de Braga mas do qual nunca vi nada escrito o que não quer dizer que não tenha existido. Mas quem fez a notícia cometeu um equívoco (pelo menos um). O futebolista não chegou ao «Glorioso» vindo do Vitória FC Setúbal. Chegou do SC Olhanense.


O Benfica além de pagar ao SC Olhanense a transferência do futebolista ainda lhe deu um taxi pois o futebol era semi-amador nod Anos 20. Os futebolistas tinham de ter uma profissão para juntar o rendimento desta ao que o Benfica lhes pagava

Morte precoce
Apesar de falecer muito novo e os filhos ainda serem muito jovens, um deles (Raul Figueiredo, futebolista no CF “Os Belenenses”) também foi internacional por Portugal, em Junho de 1959. Outro (Manuel Filipe Figueiredo) jogou nos Juniores, Aspirantes e Reserva do Benfica até 1953/54. Depois…


Pouca dignidade para um "Gigante da Bola Nacional"
Raul Soares Figueiredo foi sepultado em 3 de Dezembro de 1941 e transladado, definitivamente, em 5 de Abril de 1947 para o ossário n.º 302 do Cemitério de Benfica. Tentei várias vezes que estando o ossário em nome do Sport Lisboa e Benfica, que pelo menos, fosse colocado o seu nome. Mas isso só com a autorização do Clube. Um dos piores funcionários com que alguma vez me cruzei no Benfica - azar meu e do Tamanqueiro - recusou sempre. E está no Clube desde 1996 (tempo do presidente Manuel Damásio). Passou depois para a gerência de Vale Azevedo e foi colocado fora por incompetência, não porque discordasse este presidente. João Salgado tem poder a mais e Q.I. a menos e por isso decidiu sempre que era inútil estar a ter trabalho e gastar dinheiro com algo que não tem mediatismo nenhum ou visibilidade nenhuma para uma presidência que o faça. As derradeiras tentativas foram nas presidências de Manuel Vilarinho e Luís Filipe Vieira, contando com o apoio dos responsáveis pelas Casas do Benfica e pelo "Saudade", respectivamente, Manoel Barbosa e Carlos Calaço, que se mostraram sempre muito interessados mas esbarravam na indiferença de quem tinha poder para decidir. É a vida! Depois cansei-me de pedir sabendo que ainda seria ridicularizado pelo João Salgado, de uma incompetência inenarrável! E foi deputado de Portugal com subvenção vitalícia,o homem competente (clicar)! Olhem se não fosse, era uma bela sem senão!



Obrigado, Glorioso Tamanqueiro

Alberto Miguéns

NOTA 1: Há muito pouco cuidado no modo como se tratam as pessoas que já não podem repor a verdade. é incrível o que se escreve trocando informação e copiando-a de um lado para outro. Um documento oficial do Comité Olímpico Português (com a delegação de Futebol aos Jogos Olímpicos de 1928, em Amesterdão) indica o seguinte (todas as outras informações foram omitidas para não criar ruído):


NOTA 2: Pois o que se vai publicando é uns dizem uma coisa e outros... outra. E muitos outros copiam de uns e outros!

Almanaque da Selecção; Rui Tovar e Rui Miguel Tovar; Página 573; Almanaxi; Março de 2004 

No portal zerozero, entre várias incorrecções (data e local de nascimento) embora sem poder garantir a cem por cento que estão erradas (ver portal) a data de falecimento é impossível. Se está publicado num jornal do dia 2 não pode ter falecido a 3! (clicar para jornal Diário de Lisboa)

NOTA 3: Mesmo para o filho (foram o primeiro pai e filho, a serem internacionais por Portugal) está errada neste livro. Nasceu em 1930. Sem dúvida.

Almanaque da Selecção; Rui Tovar e Rui Miguel Tovar; Página 535; Almanaxi; Março de 2004 

2 comentários
  1. O Tamanqueiro teve uma história de vida absolutamente extraordinária. Dava um grande filme. Foi trágico, excessivo, empolgante, excelente e decadente. Uma força da natureza, dono de uma personalidade extrovertida e cativante. Morreu novo, demasiadamente novo, vítima de uma doença terrível.

    Em termos futebolístico foi uma verdadeira estrela. Jogou de Norte a Sul de Portugal, jogou em Espanha e jogou (em digressão) no Brasil. Jogou nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928, onde foi estrela. Brilhou no SC Olhanense e no SL Benfica onde ficou por muito poucos anos por não ter feitio para viver numa grande cidade. O Alberto já descreveu em termos gerais aquilo que se dizia do seu futebol. Centrocampista de enorme técnica e poderoso em termos físicos. Empolgava companheiros e adversários. Foi um prazer quando em tempos procurei conhecer a fundo a história de vida de Raul Figueiredo. De detalhe em detalhe foi-se revelando uma história de vida notável. O SL Benfica esteve digno, brilhante ao honrar a memória e amparar a família do Tamanqueiro.

    Como é possível que a comunicação social lembre tão pouco este grande jogador?

    Felizmente, António Ribeiro dos Reis foi um dos que soube fazer esse reconhecimento e elevar o nosso Clube à sua posição e sempre. Clube digno, de Valores e de reconhecimento para com os que defenderam o Emblema da Águia. Um orgulho.

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  2. Em relação à postura do Sr. Salgado, fica pelo menos exposto a todos os Benfiquistas. Seria bom que ele funcionário assalariado do SLB tivesse ao menos o bom senso e a humildade de aprender com o exemplo passado de um enorme Benfiquista como foi António Ribeiro dos Reis, que soube homenagear antigos grandes jogadores como Álvaro Gaspar e Raul Figueiredo. É vergonhoso que existam funcionários - transitórios - com pequenos grandes poderes que não saibam nem cumpram alguns dos Valores do Clube.

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