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22 junho 2019

«A FINAL» de Todas as Finais

22 junho 2019 7 Comentários
EM 22 DE JUNHO DE 1969, HÁ 50 ANOS, O BENFICA CONQUISTOU A TAÇA DE PORTUGAL NAQUELA QUE FOI MUITO MAIS QUE UMA FINAL.



Com a colaboração dos adeptos benfiquistas, as faixas de protesto eram erguidas e rapidamente enroladas para evitar reacção da PIDE.





Pelo menos uma «simples final». Foi A FINAL. A mais importante final de sempre, desde 1921/22 e até 2018/19, pelo menos! O jogo de futebol mais importante na História (Política) de Portugal.



Tudo tivera início em 12 de Fevereiro de 1969
Com a eleição de uma lista democrática (anti-situacionista) denominada «Conselho de Repúblicas» organizada pela CPE (Comissão Pró-Eleições) para a Direcção da Associação Académica de Coimbra (AAC). A culminar várias iniciativas está o dia fulcral - 17 de Abril - quando o presidente da AAC (Alberto Martins) pede para usar da palavra «em nome dos estudantes de Coimbra» - perante o Presidente da República e o Ministro da Educação, entre outras figuras do Regime - na inauguração do novo «Edifício das Matemáticas». 
Recusada a intervenção de Alberto Martins, as entidades oficiais abandonam a actual «Sala 17 de Abril». Seguiu-se um período de greves, contestações, cidade ocupada pelas forças de segurança, espancamentos pela PIDE (entidade para repressão política: Polícia Internacional de Defesa do Estado), com Coimbra em polvorosa, ou esta não dependesse durante décadas das actividades dos estudantes universitários. 




Entretanto...
A equipa de futebol da AAC depois do 6.º lugar - entre 14 emblemas - no campeonato nacional (última jornada em 27 de Abril) fazia um percurso exemplar na Taça de Portugal - ainda no modelo do «Campeonato de Portugal», ou seja, disputada a duas mãos depois de terminar o campeonato nacional - eliminando:  SC Farense; SGS "Os Leões" (Santarém); Clube Ferroviário Lourenço Marques (Moçambique) com 4-1 e 1-0; Vitória SC (Guimarães) com 1-2 e 5-0; culminando nas meias-finais com duas vitórias (2-1, no estádio José Alvalade e 1-0, no Calhabé) sobre o Sporting CP, em 8 e 15 de Junho de 1969. A equipa de futebol da AAC estava a dar "força" à luta estudantil coimbrã. Na final, a realizar no Estádio Nacional, encontrava o Benfica. Que melhor "palco" e adversário para os estudantes universitários de Coimbra podiam estes desejar? Nenhum outro!    




Não se tratando este texto de fazer uma cronologia ou descrever o que foi ocorrendo em Coimbra e à volta da equipa de futebol da AAC pois este blogue é acerca do «Glorioso»
Ignoram-se muitas iniciativas, ocorrências e proibições - até de usarem o equipamento de luto (o branco) - como o que aconteceu frente ao Sporting CP. Mas é necessário fazer algum enquadramento histórico para perceber o porquê do assinalar desta «Gloriosa Conquista». Os dirigentes da AAC em 1969 - há uns "bons anos" (em 1999 aquando dos 30 anos), falei com o presidente Alberto Martins (enquanto deputado do PS em Lisboa) e com o dirigente com o pelouro cultural Celso Cruzeiro (enquanto advogado em Aveiro) - e eles disseram que foi a "tarde perfeita a que só faltou a vitória em campo, mas forçaram o campeão nacional ao prolongamento".

Queriam levar "tarjas políticas" para o campo! 
Com o Benfica seria o clube que proporcionaria a mais fácil colaboração por parte dos adeptos, pois foi só fazer uns contactos com o meio estudantil e operário de Lisboa e arredores (onde o Benfica esmagava em simpatizantes qualquer outro clube) e até na "Mata do Jamor" ouviam apoio dizendo "venham elas que nós ajudamos a levá-las lá para dentro".


Queriam solidariedade dos futebolistas adversários! 
Com o Benfica era "mel". Foi "só" contactar Toni, mas principalmente Artur Jorge (que sendo futebolista da AAC, estando lesionado, não jogava a final mas estava a "caminho" de ser reforço do Benfica, em 1969/70, conhecendo bem os internacionais - e que eram todos! - do Benfica) e decidiram que entrariam de cabeça baixa e a passo, em vez da habitual corrida até ao circulo central. Simões conta que subiu a escadaria do balneário e entrou lado-a-lado no relvado, com Vítor Campos a falar e comentar o "assunto do momento"! Solidários de cabeça baixa (sinal de tristeza), mas mais não poderiam fazer e tudo iriam fazer, como habitualmente «À Benfica» para dignificar a final conquistando o troféu.

Queriam compreensão dos dirigentes adversários! 
O Benfica era o clube indicado. Borges Coutinho era um presidente EXTRA-ordinário, perspicaz e inteligente, percebia muito de e do futebol e ainda mais do valor da Democracia. O Benfica cobriria em tudo o que fosse possível estando disposto a ir até ao limite do legal, mas nunca o ultrapassando pois o Clube não podia ser penalizado por iniciativas que não eram da sua responsabilidade.

Equipa inicial na final de 1968/69. De cima para baixo. Da esquerda para a direita: Zeca, Malta da Silva, Dr. Borges Coutinho (Presidente), Dr. Armando Rocha (Director Geral dos Desportos), Toni, Humberto Coelho e José Henrique; Adolfo, Abel, Jaime Graça, Eusébio, Coluna (capitão) e Simões 


O Benfica "viu-se e desejou-se" para mostrar superioridade
O jogo foi mais difícil do que os adeptos pensavam (e queriam...) tendo em consideração os dois resultados obtidos aquando do campeonato nacional: V 3-2 (11.ª jornada, na «Saudosa Catedral») e V 2-0 (24.ª jornada, em Coimbra). Nem pareciam que estavam em campo dois clubes separados por nove pontos (no tempo em que a vitória correspondia a dois pontos) em 26 jogos para o campeonato nacional. 

A equipa da AAC, com as capas abertas e caídas sobre os ombros, em sinal de luto

O treinador Otto Glória tentou TUDO para vencer em 90 minutos
Fazendo duas substituições «com tracção dianteira». Primeiro entrou, logo ao intervalo, o imponente José Torres para o lugar do irrequieto Abel aumentando a capacidade da linha avançada com Jaime Graça (à direita), Eusébio (o habitual "todo-o-terreno" no apoio a José Torres) e Simões (à esquerda). Depois substitui, pelos 71 minutos, Toni fazendo entrar José Augusto, não se preocupando em perder poder físico para ganhar mais velocidade e capacidade de passe já próximo da grande-área adversária e equilibrando a equipa ao voltar a jogar (pelo menos dando essa possibilidade aos futebolistas em campo), com mais insistência e qualidade, na ala direita. Quando se pensava no prolongamento, já "dentro" dos dez minutos finais o adversário "põe uma mão na Taça" com um golo de Manuel António. O Campeão Nacional fazendo jus à sua classe não desespera e menos de cinco minutos depois Simões - a uma recarga de um livre "estoirado" por Eusébio - repõe a possibilidade (real) da posse do troféu ser decidida no prolongamento. Depois Eusébio (com uma cabeçada monumental) fez o que tinha de fazer e o Benfica conseguiu mais uma "dobradinha" a fechar a prodigiosa década de 60! O Benfica colocava "as duas mãos" no troféu quando a equipa da AAC já tinha conseguido "pôr uma mão primeiro"!

A «Briosa» na final de 1968/69.

Muito se pode dizer dos acontecimentos de 1969
Mas não é este o âmbito. Uma das raras fotografias "a cores" com o então Presidente da República e ministro da Educação envolvidos pela contestação estudantil em Coimbra e os cinco cadeirões vagos durante o jogo da Final. Depois foi decidido escolher entre os presentes quem estava em condições "protocolares" para acompanhar o Director Geral dos Desportos que era tutelado pelo ministro da Educação.





A incongruência de um Regime caduco
Ainda em 1969, em 24 de Outubro, é colocado à venda o vinil de Longa Duração (LP) da autoria de Adriano Correia de Oliveira (ex-voleibolista no «Glorioso») denominado «O Canto e as Armas» cuja fotografia da capa e contra-capa foi obtida na célebre Assembleia Magna, realizada em 28 de Maio de 1969, perante mais de seis mil estudantes, no jardim da AAC em que foi decidida a greve aos exames, apenas com 190 votos contra! Estrondosa e esplendoroso. A votação e a utilização da fotografia para ilustrar um disco denominado... canto e armas




O jogo não teve transmissão em directo
Pela RTP (única estação de televisão em Portugal) mas foi gravado. Pela primeira vez desde que começaram as transmissões da final da Taça de Portugal pela televisão - o único jogo não internacional - que os portugueses podiam assistir durante as temporadas, não havia "bola para ninguém" a não ser ir ao Jamor.


Como os estudantes universitários conimbricenses sabiam o que estava preparado
A secção de fotografia da AAC enviou meia dúzia dos seus elementos que fizeram centenas (talvez milhares) de fotografias - muito rolo se comprou, usou e revelou - à espera que aparecessem (e desaparecessem) tarjas, panfletos, polícia a agarrar estudantes e claro muitas (e boas) do jogo! Em Coimbra, na AAC, a dificuldade que tive foi... escolher!




Lá vai José Torres no seu estilo inconfundível
Que jogaria 75 minutos (45 + 30), quando entrando ao intervalo estivessem todos a pensar que no segundo tempo, em 45 minutos, o «Glorioso» resolveria a questão da posse do troféu.




Se o ataque (Eusébio, Simões e companhia) venceu o jogo
A defesa foi sólida até se deixar bater a menos de dez minutos do final da FINAL. Mas continuou competente. No prolongamento "abafou" o poderoso meio-campo e não menos eficiente linha avançada da equipa da AAC. É bom recordar que Manuel António foi o melhor marcador do campeonato nacional, em 1968/69, com 19 golos numa competição com 26 jornadas. 




No final do jogo todos estavam contentes
O Benfica mais uma vez cumpriu o seu destino. E repetiu a habitual graça de final de temporada. Depois do Campeonato conquistou a Taça.
A equipa da AAC teve o palco grandioso com o adversário adequado para mostrar a indignação perante um Estado Novo que de novo já nada tinha e impedia Portugal de ser o que era a Europa Democrática.
No final quase todos trocaram camisolas. Acabou em bem o que esteve bem. E assim Bem... Fica! Ou ficou, num final de tarde soalheira, há 50 anos!


Depois da habitual troca de camisolas no final do jogo da... FINAL os dois suplentes utilizados: José Augusto por troca com Toni e José Torres no lugar de Abel

Orgulho no «Glorioso»!

Alberto Miguéns

NOTA: Banda Sonora do ano de 1969







7 comentários
  1. 50 anos passados. Passaram rápido. Era eu um rapazinho de 10 anos, já "doente" pelo imortal Benfica, por "culpa" dos meus saudosos pai e do padrinho, que me levaram a ver esse jogo. 50 anos passados. Enfim. A vida é um sopro.
    Já agora, que equipazona tinha então a Académica. Decerto a melhor da sua história.

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  2. Acerca dos Vampiros, e para quem gosta de livros de banda desenhada, existe um livro, de Filipe Melo e Juan Cavia, sobre, ou com uma história, da guerra colonial e seus "fantasmas".

    É um livro interessante, chama-se "Os Vampiros", da Tinta da China.

    Quanto ao post, mais uma demonstração de que o nosso clube sempre esteve do lado certo da História..

    Viva o Benfica

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  3. O Estádio Nacional é um palco inigualável. Felizmente a larga maioria do povo Português reconhece-o não apenas como uma bela peça de arquitectura mas como um local de orgulho colectivo assente nos grandes jogos e grandes figuras que por lá passaram. Todos os Clubes que por lá passaram saíram prestigiados, quer ganhando quer perdendo pois aquele jogo da final é o mais belo culminar de uma época desportiva. Os grandes momentos da vida resultam não apenas da concretização do momento mas também no percurso que permitiu ali chegar. As vitórias no Jamor, no Estádio Nacional, valem não apenas por elas mas também por se sentir que se entrou para uma galeria onde estão os melhores do nosso futebol. Ganha-se o jogo e ganha-se a História.

    Um dos episódios mais ilustres e memorável foi justamente o dia que o Alberto descreve. Apesar de construído pelo Estado Novo foi o palco escolhido para gritos de revolta e pedidos de liberdade. Coragem e irreverência, virtudes da juventude que haveria de ajudar a construir o dia mais belo de nossas vidas. Nesse dia ganhou o Benfica, ganhou a Académica e ganhou Portugal. Inolvidável!

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  4. Em Junho de 69 estava em Nambuangongo no cumprimento de um "dever"...

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  5. Que saudades eu estava la nesse jogo o unico jogo em que vi jogar o grande Eusebio ao vivo e seus companheiros,nessa semana dois tres dias depois estava eu dentro dos meus vinte aninhos a caminho de Africa Mocambique a cumprir missao militar,alguns dos meus colegas que foram ao jogo comigo ja ca nao estao,a politica passava-me ao lado juro que nao me apercebi de nada so me interessava o meu Benfica e ver o grande Eusebio,Simoes,Jaime Graça,Coluna.Jose Augusto Jose Torres,Toni etc,nem o serviço militar em Africa me aterrorizava,um obrigado ao Alberto Migueis por esta cronica adorei.

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  6. Acompanhei pela rádio esta vitória, em Luanda onde tinha chegado 14 dias antes, para por lá permanecer por 2 anos e 1 mês. E em Luanda assisti à vitória mais saborosa que deu o título de basquetebol ao Glorioso. A 1 segundo do fim o Benfia perdia por um ponto e no último lançameno Joaquim Carlos lançou quase do meio do ringue e encetou. Quando a buzina tocou já a bola ia no ar. Fabuloso. Há coisas que ficarão gravadas na nossa memória até que a morte nos leve. O Benfica tem este poder!

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  7. Sou de Coimbra, da Académica e era estudante nesta fase memorável da nossa Academia! Obrigada pelo texto rigoroso, verdadeiro e imparcial.

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