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01 março 2019

O Imbatível Espírito Santo

01 março 2019 2 Comentários

AGORA HÁ UMA NOVA MANIA NO «FUTELUSO». COMPARAR PROEZAS COM BASE NAS IDADES. 



Como se alguém tivesse as idades de todos os futebolistas que participarem nas competições para depois poderem afirmar: «É o mais novo de sempre a jogar», ou «a ser guarda-redes» ou «a marcar golos». Isso é "simplesmente" impossível. Tendo em conta que já se realizaram 18 737 jogos, ou seja, estiveram em campo 37 474 equipas cada uma com onze futebolistas já devem ter jogado uns 60 mil (talvez, talvez...) jogadores desde o início da primeira de todas as jornadas que se seguiram e seguirão: 20 de Janeiro de 1935. Só tendo todas as datas de nascimento de todos os futebolistas de todos os clubes e das respectivas equipas, que já jogaram nas competições a que se referem essas proezas há certezas. Como ninguém (que se saiba) tem...não se podem fazer afirmações tão categóricas.


Circula por aí uma dessas estatísticas
E ao que parece - ouvi por "alto" no canal em sinal aberto da Sport TV mas dizem que em outras "televisões" repetem o mesmo... - compara-se a idade com que João Félix consegue marcar os mesmos seis ou sete golos que Coluna marcou no Campeonato Nacional. Ao que dizem os mais novos a chegarem a tão elevado número de golos. Nem vou fazer esta comparação para saber se está certa ou errada. É que no Benfica há uma "fasquia" praticamente impossível de ultrapassar. A "bitola" que serve de referência: Guilherme Espírito Santo.


Então vamos a elas. As estatísticas biológicas
Guilherme Santana Graça do Espírito Santo nasceu, em Lisboa (e não em Luanda como se mente muito por aí) a 30 de Outubro de 1919. Foi viver para Luanda com a mãe e depois - por faltar à escola dando prioridade ao futebol no Sport Lisboa e Luanda (SLL) - castigado com a ida para Lisboa, para que a avó materna o "controlasse". Só que sendo excepcional, mesmo com 16 anos, trazia uma "carta de recomendação" dos dirigentes Benfiquistas do SLL para os do SLB. Entregue a carta e realizados os treinos no estádio das Amoreiras - com o Benfica à procura de substituir o avançado-centro Vítor Silva - ficou e "Bem-ficou"! Eis as datas biológicas que para mim serão imbatíveis. É impossível dizê-lo a cem por cento, mas aposto que a 99,9 por cento ninguém conseguirá superar Guilherme Espírito Santo. Foi campeão nacional - jogou todos os 14 encontros das...14 jornadas, sempre a titular e jogos completos a 90 minutos - com 17 anos, seis meses e dois dias.

DATAS DE ESTREIAS (ÉPOCA 1936/37)
Tipo
Dia
Adversário
Idade GES
Nome
S
Res
Anos
Meses
Dias
Estreia absoluta
20.SET.1936
Vitória FC Setúbal
F
V 5-2
16
10
20
Primeiro golo (absoluto)
Estreia comp. oficiais (1)
11.OUT.1936
Casa Pia AC
F
E 0-0
16
11
11
Estreia Camp. Nac. (2)
10.JAN.1937
Vitória FC Setúbal
F
V 2-1
17
02
10
Primeiro golo (CN1) (3)
Segundo golo (CN1)
3.º golo (CN2)
24.JAN.1937
Carcavelinhos FC
C
V 5-1
17
02
24
4.º golo (CN4)
14.FEV.1937
Sporting CP
F
V 4-1
17
03
14
5.º golo (CN6) (4)
28.FEV.1937
CF "Os Belenenses"
C
V 2-0
17
03
28
6.º golo (CN7)
07.MAR.1937
FC Porto
F
D 1-2
17
04
07
7.º golo (CN8)
14.MAR.1937
Vitória FC Setúbal
C
V 8-1
17
04
14
8.º golo (CN8)
9.º golo (CN9)
21.MAR.1937
Carcavelinhos FC
F
V 3-1
17
04
21
10.º golo (CN9)
11.º golo (CN10)
04.ABR.1937
Leixões SC
F
V 6-0
17
05
04
12.º golo (CN10)
13.º golo (CN11)
11.ABR.1937
Sporting CP
C
V 5-1
17
05
11
14.º golo (CN11)
15.º golo (CN12)
18.ABR.1937
Associação Académica Coimbra
F
V 3-1
17
05
18
16.º golo (CN12)
17.º golo (CN14)
02.MAI.1937
FC Porto
C
V 6-0
17
06
02
Estreia Taça. Por. (5)
16.MAI.1937
FC Barreirense
C
V 1-0
17
06
16
Primeiro golo (TP) (6)
06.JUN.1937
CS Marítimo
C
V 3-0
17
07
06
Segundo golo (TP) (7)
13.JUN.1937
Sporting CP
C
V 3-2
17
07
13
Na selecção nacional (8)
1.ª internacionalização
28.NOV.1937
Espanha
F
V 2-1
18
0
29
Primeiro golo SN
09.JAN.1938
Hungria
C
V 4-0
18
2
10
NOTAS: (1) Campeonato Regional de Lisboa (1.ª jornada); (2) III Campeonato da I Liga; (3) CN1 - 1.ª jornada; (4) Tendo em conta o Almanaque do Benfica (Produto Oficial) pois para Ricardo Ornelas e outros jornais foi autogolo de Gatinho; (5) 16.º Campeonato de Portugal/ Oitavos-de-final/ Primeira mão; (6) Quartos-de-final/Segunda mão; (7) Meias-finais/Primeira mão; (8) A última vez que a selecção nacional tinha jogado, em 27 de Fevereiro de 1936, ainda Guilherme Espírito Santo vivia em Luanda. E tinha 16 anos, três meses e 28 dias. Estes valores na Selecção Nacional embora difíceis de alcançar já são possíveis de ultrapassar. E foram...


Comparações em períodos tão longos são sempre abusivas
Mas se há quem as estabeleça então há que fazê-las. O futebol altera-se muito a todos os níveis, colectivos e individuais, condições dos campos e condições de treino. Número de competições e quantidade de jogos. Por isso estabelecerem-se comparações do tipo «Nunca foi feito» ou «É o primeiro» é sempre querer comparar o que não deve ser comparado. Mas já que "insistem"!  

Só em competições da UEFA
Guilherme Espírito Santo não pode ser a "bitola" por não existirem competições europeias no seu tempo. Nem a Taça Latina. Além disso Guilherme Espírito Santo ainda teve de lidar com as circunstâncias da época. O Benfica para se apurar para o Campeonato Nacional (com o nome de Campeonato da I Liga) tinha que classificar-se num dos quatro primeiros lugares do Campeonato Regional de Lisboa. O Campeonato Nacional só podia começar a partir de 1 de Janeiro, pois os "Regionais" tinham de terminar até 31 de Dezembro. A Taça de Portugal denominada "Campeonato de Portugal" iniciava-se só depois de terminarem os Campeonatos da I e II Divisões ou I e II Liga até 1937/38. E os Campeonatos Nacionais só tinham 14 jornadas daí só fazer sentido colocar as 14 jornadas de 1936/37. Mesmo assim consigam lá fazer melhor que ele!



Se 1936/1937 fosse como 2018/2019
Como se tornou hábito e conversa nos media vamos lá «reverter»:

1. Se o Campeonato Nacional tivesse início em meados de Agosto tinha-se estreado e marcado golos para aí com 16 anos e nove meses;

2. Se o Campeonato Nacional tivesse 34 jornadas (mais vinte que as 14 quando se estreou) teria marcado - mantendo a média de 1,2 golos por jogo: 17 tentos em 14 jogos - uns 42 golos apenas numa edição da competição, com menos de 17 anos e seis meses;

3. Se o Campeonato Nacional tivesse mais clubes (18 em vez de oito) em teoria estes, por serem mais, formariam equipas mais vulneráveis aos avançados do Benfica, por isso até poderia chegar aos 50 golos. É que Guilherme Espírito Santo não marcava só a clubes do «fundo da tabela» marcava a todos. Nem mais, nem menos golos a uns ou a outros. Marcava a todos. Em "casa" ou "fora" (até marcou mais...) Todos tinham balizas do mesmo tamanho:


Cl

Adversário
Camp.º
Nacional
Taça
Portugal
C
F
C
F
2.º
CF "Os Belenenses"
1
-
-
-
3.º
Sporting CP
2
1
1
-
4.º
FC Porto
1
1
-
-
5.º
Ass. Académica Coimbra
-
2
-
-
6.º
Carcavelinhos FC
1
2
-
-
7.º
Vitória FC Setúbal
2
2
-
-
8.º
Leixões SC
-
2
-
-
--
CS Marítimo
-
-
1
-

TOTAIS
7
10
2
-
17
2
NOTA: Até 1947/48 não havia promoções e despromoções entre Ligas/Divisões. Os clubes foram apurados pelas classificações obtidas nos respectivos Campeonatos Regionais. E só os 16 melhores (8 da I, 7 da II e um representante insular (Açores/Madeira...mas geralmente este vencia o dos Açores) entravam na Taça de Portugal

4. Se a Taça de Portugal não se disputasse concentrada no final da temporada mas ao longo da mesma podia ter-se estreado a jogar e marcar com 16 anos e onze meses;

5. Se existissem Competições Europeias podia ter-se estreado (se existissem pré-eliminatórias) a jogar e marcar com 16 anos e dez meses. E na Liga dos Campeões (fase de grupos) com menos de 17 anos;

6. Na Taça da Liga também jogava e marcava. Então nesta competiçãozinha havia futebolistas do Benfica, nos anos 60 e 70, que teriam conquistado uma dúzia;

7. Na Supertaça também jogava e marcava. Então nesta que nem competiçãozinha é, pois resume-se a um jogo, havia futebolistas do Benfica, nos anos 60 e 70, que teriam conquistado um dúzia-e-meia;

8. Se a Selecção Nacional jogasse o que joga actualmente, ou seja, em vez de uma vez por época, dez vezes, havia internacionalizações e golos a "rodos". Guilherme Espírito Santo só se pode estrear quando houve o primeiro jogo da selecção nacional (SN) depois de se saber que ele existia. Ao jogo n.º 36 da SN tinha ele 18 anos e 29 dias. A selecção nacional tinha feito o jogo n.º 35 - um ano e nove meses antes do n.º 36 - quando ainda ninguém sabia da sua existência lá nos confins de África. Estreou-se a marcar ao jogo n.º 37 da SN. Para a selecção no jogo logo a seguir ao da sua estreia, para ele ao segundo jogo.


Atletismo
Foi Campeão Nacional e recordista nacional, em simultâneo, no Triplo-salto, Salto em Altura e Salto em Comprimento. Com menos de 19 anos. Mas isso já foi contado neste blogue (clicar) (clicar).



Mas o "melhor" até era o que ele dizia a propósito destas proezas
Atletismo: Era um privilegiado pois recebia para ter preparação física como futebolista enquanto os que faziam Atletismo tinham de treinar «ao Sol e à Chuva» por puro gosto pela modalidade;
Futebol: Então se eu jogava no Benfica era fácil. Na equipa só havia craques do melhor que havia em Portugal. Era só aproveitar.

Nunca conheci uma pessoa tão grata, leal e generosa como o nosso Guilherme Espírito Santo.

Glorioso, Guilherme!

Alberto Miguéns


NOTA: O primeiro golo dos campeonatos nacionais também ninguém o pode igualar e é Golo-rioso, em 20 de Janeiro de 1935: Valadas aos seis minutos (15:06 horas). Soeiro (Sporting CP) fez o segundo às 15:12 horas.

2 comentários
  1. Ler todas estas estatísticas espantosas de Guilherme Espírito Santo. Perceber pela fotografias, a elegância com que jogou e saltou. Ler acerca do desportivismo e educação que mostrou ao longo da sua carreira e que lhe valeu o respeito e admiração de Benfiquistas e adversários. Saber dos problemas de saúde de que padeceu. Disso tudo apenas pode concluir que era um homem e um atleta fenomenal. Um património imortal do SLB. Interessa pouco comparar. Interessa muito mais homenagear.

    Sempre um prazer ler sobre Guilherme Espírito Santo.
    Um excelente e muito oportuno texto.

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  2. Ler estas pérolas sobre os ases que nos honraram o passado é algo que me enche de orgulho e de emoção.
    Bem-haja o caro Alberto por nos educar sobre o nosso Clube e por aumentar o nosso Benfiquismo.

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