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25 agosto 2017

Relâmpago Negro em Céu Vermelho

25 agosto 2017 4 Comentários
HÁ PRECISAMENTE 77 ANOS UM BENFIQUISTA DE ELEVADO QUILATE A TODOS OS NÍVEIS - HUMANOS E DESPORTIVOS - FEZ O IMPENSÁVEL NO ATLETISMO.


Estabeleceu uma marca no Salto em Altura, com um metro e oitenta e oito (1,88) que duraria como recorde nacional vinte anos "mal medidos", até 19 de Junho de 1960, quando Rui Mingas (o nosso cantor de "Monagambé" aquela extraordinária canção anticolonialista como pode ser ouvida já a seguir neste blogue), conseguiu 1,90 na pista do Sporting CP, no estádio de Alvalade, durante os campeonatos regionais de juniores, batendo por dois centímetros, o recorde de 1940.



Era uma vez em 1938
Um desconhecido no "meio", ou seja, sem experiência em saltos e competições que decidiu fazer o que gostava de ver na reduzida pista e caixa de areia para saltos, no estádio das Amoreiras: Atletismo. Pegou numas botas com pregos e aqui vai disto. "Estoirou" com três recordes nacionais em 15 dias, mas este é assunto para ser devidamente assinalado neste blogue para o ano, visto completarem-se 80 anos de uma proeza que deve ser única em todo o Mundo desde sempre, no que de "verdácia" isto pode ser. Talvez haja caso(s) semelhante(s) que desconheço.



Os "mais loucos 15 dias do Atletismo português" entre 3 e 17 de Julho de 1938 da responsabilidade de um miúdo com menos de 19 anos
Em que foram sendo acrescentados centímetros a marcas que custavam dias (somando horas de treino) aos especialistas, por um miúdo, com 18 anos, oito meses e poucos dias (4 a 18, conforme as datas dos recordes)  que só teve de adaptar-se ao "material" e pular.
A 3 foram apenas cinco milímetros (de 1820 para 1825) mas em tempo foi muito mais - quase 23 anos - pois os 182 centímetros, no Salto em Altura, datavam desse incrível dia 8 de Agosto de...1915! Estava o "nosso" miúdo a mais de quatro anos de nascer (30 de Outubro de 1919).
Uma semana depois, em 10, outro "estoiro" acrescentando nove centímetros (de 6,80 para 6,89 m) ao recorde no Salto em Comprimento que caminhava para os sete anos de existência (desde 13 de Setembro de 1931). Tinha o "nosso" miúdo menos de 12 anos e vivia em Angola.
Para acabar em beleza, a 17, passa a ser o primeiro português a "triplar" para lá dos 14 metros (de 13,43 para 14,015) ou seja mais 58,5 centímetros (acima de meio metro) pulverizando um recorde nacional, no Triplo Salto, com dez anos e 16 dias (desde 1 de Julho de 1928) tinha o "nosso" miúdo quase nove anos e acabara de chegar a Luanda.

(clicar para visualizar com mais qualidade)


Em 1940 (há 77 anos) arrasa a concorrência para duas décadas
Ao saltar 188 centímetros (1,88 m) melhorando em três centímetros o que já era dele, desde que se sagrara campeão de Portugal, em 11 de Agosto desse ano, na pista do Estádio do Lima, na invicta cidade do Porto. Seria necessário chegar Rui Mingas, 20 anos depois, também com o "Manto Sagrado" para o tirar da tabela de recordes.

O salto do 1,88 m, no estádio das Salésias, em 25 de Agosto de 1940, que durou duas décadas como recorde nacional, até 1960
Já não há revista Stadium onde a fotografia de cima fez capa (desde 26 de Dezembro de 1951 quando foi publicado o último número), nem estádio das Salésias (desde 9 de Setembro de 1956), nem recorde do Salto em Altura (desde 19 de Junho de 1960), nem Guilherme Espírito Santo (faleceu em 25 de Novembro de 2012). Já não devem existir espectadores que tenham visto - e com consciência disso - o grande momento (mesmo que tivessem 15 anos, em 1940, agora teriam 92 anos). Restam os edifícios. Por pouco tempo. Pelo menos o do "meio"


Guilherme Espírito Santo em 1940
Já nem estava muito entusiasmado com os saltos (embora quando o conheci lamentasse não ter feito e podido fazer - o Futebol tinha prioridade - mais Atletismo). Só foi aos Regionais/Nacionais porque o Benfica lhe pediu para poder - ou ter mais facilidade - em sagrar-se campeão nacional em pista. Até lhe «custou» bater, com 1,85 m, o recorde nacional do seu amigo Pedro Vasconcelos que era de 1,835 m. Depois frente aos espanhóis da SEU (Sindicado Espanhol Universitário) e Falange Espanhola deu o máximo frente ao saltador espanhol, Ernesto Pons. Resultado? O recorde nacional de 1,88 m! 


Campeão nacional em Futebol (1936/37, 1937/38, 1944/45 e 1949/50) e em Atletismo (1939 e 1940)

Poder...podia, mas foi a última vez que competiu. As doenças e o Futebol não permitiram que fosse mais longe, aliás, mais alto. Fechou a sua vida de atleta (Atletismo) com um espantoso recorde nacional que fez a "vida negra" a todos os que vieram depois de si, durante duas décadas. Internacional por Portugal, em Futebol e numa competição ibérica, em Atletismo
A menos de um mês de ser TRIrecordista nacional (salto em altura, salto em comprimento e triplo salto) jogou a avançado-centro, pelo "Glorioso", na final do Campeonato de Portugal (FUTEBOL), disputada em 26 de Junho de 1938. Tinha 18 anos, sete meses e 27 dias
Em 7 de Julho de 1940 estava a conquistar a Taça de Portugal, após vitória, por 3-1 (fez o 3-0) ao CF "Os Belenenses" no estádio do Lumiar (alugado pelo Sporting CP). Em 21 de Julho já estava a fazer equipa para conquistar os "Regionais" de Atletismo em pista e pouco mais de um mês depois (11 de Agosto) da conquista da Taça de Portugal, voltou a ser o recordista nacional no Salto em Altura com 1,85 m, obtido na pista do estádio do Lima (Porto)

Este miúdo era só o melhor futebolista do "Glorioso" (avançado-centro goleador) e internacional no Futebol, por Portugal
Aprendeu cedo a fazer impossíveis. Primeiro era impossível substituir a lenda Vítor Silva, no início da temporada de 1936/37, e ele fez isso com "uma perna às costas" tornando-se o futebolista mais novo a jogar e marcar golos pelo "Glorioso" tendo como referência a equipa de Honra. Depois era impossível superar duas doenças que o afastaram por dois períodos, no final dos anos 30 e outro no início da década de 40, dos campos de futebol (e provavelmente definitivamente das caixas de saltos) mas regressou e jogou futebol até ser ele a decidir que chegara o tempo de arrumar as "chuteiras": 8 de Dezembro de 1949.    

O primeiro negro a jogar na selecção nacional. É fácil encontrar o nosso querido Guilherme nesta selecção, fotografada em Vigo, no XIII Portugal/Espanha (36.º jogo da selecção portuguesa), em 28 de Novembro de 1937. Tinha 18 anos e 29 dias, pois nasceu em 30 de Outubro de 1919. O primeiro golo foi no jogo seguinte, em 9 de Janeiro de 1938, frente à Hungria. Tinha 18 anos, dois meses e dez dias!

Atletismo só depois do Futebol entrar em férias
Ou no defeso como se dizia na época. Após deixar de treinar para os jogos de futebol, era arrumar as botas com travessas de coiro ou madeira, pegar nas botas com pregos, conversar com os atletas amigos e apurar a técnica. E cá vai disto. Pular e saltar poucas vezes, mas o suficiente para ser durante três anos (1938/1941) TRIrecordista nacional (comprimento, triplo e altura), no salto em comprimento até 1944 e na última especialidade (salto em Altura) recordista nacional durante duas décadas.  

Uma palavra especial para Pascoal de Almeida
Em 8 de Agosto de 1915 mostrou porque era considerado um fenómeno. Saltar 182 centímetros, deixando os restantes a vinte e mais centímetros, era genial. Um predestinado do GS Cruz Quebrada. Consta que quando questionado se o recorde era "verdadeiro" respondeu (eu nunca confirmei esta historia em discurso directo escrito): «Ainda não nasceu quem vai superar esta marca». Se é verdade que disse isto, acertou em cheio! Por quatro anos, dois meses e 22 dias!

(clicar para visualizar com mais qualidade)


O que estava a passar-se no Salto em Altura pré-fenómeno Guilherme Espírito Santo?
Eram tentativas atrás de tentativas para chegar o mais perto possível dos inatingíveis 182 centímetros. Não é fácil saber com exactidão - seria necessário uma pesquisa exaustiva que não fazendo parte da Gloriosa História não se justifica - mas o atleta mais perto da marca de 1915, ainda estava a...seis centímetros: Carlos Antero (Sporting CP) que tinha conseguido 1, 76 em 1936. Bastos Machado (ABC Braga) que saltaria 1,83 em 1940 e Alberto Cunha (Académico FC Porto), com 1,80 em 1940, também andariam por lá perto. Não sabendo as suas idades e marcas antes de 1940 não há certezas, mas os registos das marcas para ser campeão de Portugal (clicar para o portal com esses registos) ilustram bem a dificuldade que Pascoal de Almeida colocou a todos os seus sucessores. Todos não! Para o "nosso" miúdo foi "canja"!



Guilherme Espírito Santo Futebolista de Eleição, Atleta de Excelência.

Alberto Miguéns

NOTA FINAL: Quando falava com Guilherme Espírito Santo acerca das proezas de 1938 e 1940 ele desvalorizava para valorizar os adversários. Sem dúvida a personalidade com mais classe com quem alguma vez falei. «Sabe!? Eu tinha vantagem porque possuía melhor condição física que eles (os do Atletismo) pois pagavam-me para ter elasticidade e preparo físico. Era só ter jeito e aprender a técnica. Eles eram amadores e gastavam anos - ao vento, chuva, calor, frio e Sol - a tentar melhorar centímetros. Tinham muito valor!» Só tu Guilherme Espírito Santo para achar que o que fizeste, entre 1938 e 1940, foi "coisa normalíssima"!

4 comentários
  1. A vida e a obra do nosso Espirito Santo esmiuçada pelo Miguéns, só podia dar nesta ODE!!!

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  2. Um fenómeno como pessoa e como atleta. Ler sobre Guilherme Espírito Santo dá-me sempre um prazer enorme.

    Pelo que sei, o Alberto guarda uma riqueza enorme enquanto Benfiquista por via contacto que fez em tempo oportuno com enormes figuras da nossa Gloriosa História. Guilherme Espírito Santo foi uma delas. Um homem gentil, educado e humilde, qualidades que conseguia compatibilizar com a sua genialidade enquanto atleta, fosse no Futebol fosse em diversas modalidades do Atletismo. Quantos no lugar dele teria tido uma postura completamente oposta?

    Foi cruel aquela doença. Cruel não apenas porque limitou o percurso deste grande atleta, impedindo de chegar mais longe e de dar mais glórias ao SLB; mas também porque afastou Guilherme Espírito Santo de praticar desportos para os quais foi talhado, para os quais a sua Genética lhe deu tantas potencialidades.

    O Alberto dá-nos um artigo factual, sabedor, rigoroso, estruturado mas também generoso, carregado de Benfiquismo e partilhando informação que é muito difícil encontrar. O Viriato de Viseu tem toda a razão: é uma ODE! Como Benfiquista é um privilégio poder ler as linhas do Alberto e com isso encher-me de Benfiquismo e de orgulho perante tantas Glórias que este Clube nos deu, nos dá e seguramente nos dará no futuro.

    Obrigado.

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  3. Caro Minguéns
    Apreciei esta sua larga referência a um Homem que ídolo da minha juventude e das muitas veteranias daqueles anos 38/49, Mais tarde fui seu amigo, bem como da sua família, o meu livro OS RECORDES NACIONAIS DE ATLETISMO E OUTRAS HISTÓRIAS, faço-lhe as merecidas referências. Ninguém me ensina nada sobre o grande e modestíssimo GUILHERME. Fiquei verdadeira e positivamente impressionado quando a Direcção do SLB lhe outorgou a honraria de PATRONO DO CENTENÁRIO DO SLB.
    Posssivelmente não conhece aquele meu livro que cito acima, onde GES é visto como pluri-saltador e homem.
    Também gostava de fazer chegar o livro ao historiador Afonso de Melo, até para ligeiranmente corrigir uma referência na revista SOL,
    Um abraço
    SEQUEIRA ANDRADE

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  4. Ainda Sequeira Andrade
    POsso deixar-lhe o livro na escrivaninha da porta 18?
    E poderá dizer-me como chega-lo ao Melo.

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