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12 maio 2017

O Tetra dos Seis Segundos

12 maio 2017 3 Comentários
EM 23 DE ABRIL DE 1939 DURANTE OS FESTEJOS DO 4.º GOLO OS GLORIOSOS FUTEBOLISTAS SENTIRAM-SE TETRACAMPEÕES. E DEVIAM DE O SER PARA A ETERNIDADE.


Seis segundos foi o tempo, em que abraçados após um golo imaculado, aperceberam-se que o árbitro anulara o golo fazendo do FC Porto campeão!

Uma singela homenagem de um Benfiquista (que não esquece) os injustiçados (tal como o treinador Lipo Hertzka) com os relatos, fotografias (principalmente) e destacar dois Gloriosos que viveram, no campo da Constituição, o maior roubo em 83 edições do campeonato nacional - e que falaram comigo acerca do assunto - Guilherme Espírito Santo (a jogar) e Joaquim Macarrão (na bancada). 

Primeiro o que aconteceu no jogo da 14.ª (e última jornada). Depois a descrição da temporada.
Num campeonato com 14 jornadas em que os seus oito clubes componentes se apuravam pelos campeonatos regionais de Lisboa (4), Porto (2), Coimbra e Setúbal chegou-se ao final da 13.ª jornada com uma situação em que podia ter de ser aplicado o regulamento de desempate visto na última jornada poderem existir três clubes em igualdade. Antes da 14.ª jornada o Sporting CP e o SL Benfica tinham 2o pontos e o FC Porto tinha 22 pontos. Mas havia um FC Porto - SL Benfica no campo da Constituição, na cidade do Porto. Em caso de vitória do SLB e do SCP todos teriam 22 pontos, tendo de desempatar-se através dos resultados entre eles, como muito bem explica Ricardo Ornelas:


Jornal "Os Sports"; 21 de Abril de 1939; Primeira página
Como se previa um jogo difícil, o FC Porto que costumava receber o Benfica no estádio do Ameal (entretanto inutilizado pelos Andrades) ou no Lima (do Académico FC) decidiu levar o jogo para um miniestádio sem condições, mas com o público em cima das linhas laterais:



Como se antevia os 90 minutos foram de muita entrega. O Benfica levou 15 futebolistas para a cidade do Porto (geralmente era no Hotel Batalha) mas em jogos decisivos ficava em São João da Madeira deslocando-se de comboio no sábado e depois de camioneta alugada antes do jogo de domingo. Segundo Macarrão, além dos onze que estavam escolhidos (desde o treino de conjunto de quinta-feira) o treinador levou mais quatro futebolistas, em vez dos habituais três em que havia um médio com características defensivas, não fosse acontecer algo de inesperado: Mário Rosa (guarda-redes), Ricardo Freire (defesa), Raul Baptista (médio) e Macarrão (avançado). Além dos 15 futebolistas a comitiva era constituída (nessa e em todas as deslocações para fora de Lisboa nos anos 30) por mais duas pessoas: um dirigente e o treinador. No domingo de manhã, de comboio, chegava o massagista (viagens pagas pelo Benfica) e o médico (se fosse pois havia acordo entre os clubes para utilizarem os médicos do clube visitado). Além de simpatizantes, entre eles alguns dirigentes a viajarem à sua conta. As equipas alinharam com os seguintes onzes (os restantes quatro foram para a bancada):



Ao FC Porto o empate significava ser campeão, ao Benfica só a vitória contava:
02'...0-1 por FCP;
07'...1-1 por Rogério de Sousa;
44'...1-2 por FCP;
47'...2-2 por Alexandre Brito;
61'...2-3 por FCP;
62'...3-3 por Alexandre Brito

O que se passou tendo em consideração tudo (escrito e oral) que recolhi durante mais de 30 anos
Como só a vitória interessava o "Glorioso" intensificou a pressão sobre a baliza de Soares dos Reis nos últimos minutos. Conseguiu conquistar três pontapés-de-canto consecutivos nos últimos cinco minutos:



Último "canto" (que contou) e último golo (que não contou)
Lipo Hertzka chamou o capitão Gaspar Pinto e disse-lhe. Mantenham as posições indicadas para um canto do Valadas, mas pede ao Chico Ferreira para se encostar de um lado e o Albino do outro ao Soares dos Reis em tom ameaçador. Quando o Valadas tomar balanço afastem-se e que ninguém salte com o Soares dos Reis porque ele está concentrado na bola a ser pontapeada pelo Valadas, vai saltar com medo de ser aleijado e vai deixar escapar a bola. Entretanto o Albino e o Chico Ferreira que regressem ao miolo da grande-área. Deixem o Soares dos Reis livre mas medroso pois o árbitro vai aproveitar qualquer presença junto dele quando saltar para marcar falta e acabar com o jogo visto faltarem dois minutos ou nem isso. 



E assim foi 
Valadas bate a bola, Soares dos Reis ao tentar interceptá-la só consegue que ela vá para trás, batendo na cabeça de Espírito Santo que sentindo um adversário nas costas não arrisca mas apercebe-se que o ponta-direita Feliciano Barbosa está sem marcação e dirige a bola para o "segundo poste" onde aparece Feliciano Barbosa a fazer o 4-3. 



Os onze Gloriosos Futebolistas 
Correm a abraçar-se regozijando-se pela vitória e o quarto título consecutivo. Pouco depois Chico Ferreira (que jogara no FC Porto até 1937/38 (!) antes de ser Glória do SL Benfica a partir precisamente desta temporada de 1938/39) abraçado mas olhando para lá da "molhada" diz: Este ano há dois campeões nacionais?! Os ....(intraduzível) estão de braços no ar e o árbitro junto da baliza!
O capitão Gaspar Pinto dirige-se ao árbitro e pergunta pelo resultado. Henrique Rosa diz: Três igual. Gaspar Pinto responde «à Gaspar Pinto»: Três igual a quatro! Henrique Rosa: Não! Empate no jogo! Entretanto gera-se a confusão e perguntam-lhe o que é que ele queria. Não houve golo porque houve falta. Qual falta? Quem é que fez a falta? Henrique Rosa não responde, limitando-se a afirmar. Eu é que sei as Regras por isso sou árbitro! Mais confusão! Ninguém marca qualquer livre e os jogadores do FC Porto saem do campo. Os do Benfica irados só pela polícia.





Na bancada Macarrão e os restantes elementos fazem a festa
E não se apercebem. Pensam que o árbitro termina o jogo sem mandar recomeçar, visto estarem esgotados os 90 minutos. Só depois percebem que os Gloriosos Futebolistas estão revoltados. Sendo assim o árbitro anulara o golo da vitória!


No dia seguinte o árbitro e a imprensa portista depressa justificam
Que Alexandre Brito agarrara o defesa Sacadura. Num tempo sem imagens e poucas fotografias não contavam era que sendo uma jogada de bola parada em cima dos 90 minutos havia muitas máquinas fotográficas apontadas à baliza. Principalmente as dos fotógrafos da revista "Stadium" que como eram fotógrafos de grande qualidade tinham a percepção dos peritos. Estar no sítio certo no momento ideal. E publicam uma fotografia que fez do árbitro mentiroso. Inventou que era o Brito que agarrara porque o Alexandre Brito estava junto dele! Mentira descarada!

(clicar em cima da imagem para melhor visualização)




Declarações após o jogo
Entre dezenas, destaco estas...


E doze anos depois...
Soares dos Reis ainda não sabia explicar...

(clicar em cima da imagem para melhor visualização)


Jornal "Os Sports"; 24 de Abril de 1939; Página 4


POSSIBILIDADES DE SER TETRACAMPEÃO
Época
N.º
2.º classificado
3.º classificado
Clube
Dif. Pt
Clube
Dif. Pt
1935/36
1
FC Porto
+ 1/14


1936/37
2
CF "Os Bel."
+ 1/14


1937/38
3
FC Porto
= /14


1938/39
2
Sporting CP
- 1/14
SL BENFICA
- 2/14
1962/63
12
FC Porto
+ 6/26


1963/64
13
FC Porto
+ 6/26


1964/65
14
FC Porto
+ 6/26


1965/66
12
SL BENFICA
- 1/26


1966/67
15
A.A.Coimbra
+ 3/26


1967/68
16
Sporting CP
+ 4/26


1968/69
17
FC Porto
+ 2/26


1969/70
13
SL BENFICA
- 8/26


1970/71
18
Sporting CP
+ 3/26


1971/72
19
Vitória FC St
+10/30


1972/73
20
CF "Os Bel."
+18/30


1973/74
14
SL BENFICA
- 2/30


1974/75
21
FC Porto
+ 5/30


1975/76
22
Boavista FC
+ 2/30


1976/77
23
Sporting CP
+ 9/30


1977/78
6
SL BENFICA
=  /30


2013/14
33
Sporting CP
+ 7/30


2014/15
34
FC Porto
+ 3/34


2015/16
35
Sporting CP
+ 2/34


2016/17






5.º Campeonato Nacional (1938/39)
O apuramento pelo 33.º campeonato de Lisboa, com dez jornadas, não foi fácil. O "Glorioso" ficou mais perto do 4.º classificado (a dois pontos do Casa Pia AC) que do CF "Os Belenenses" (com mais três pontos) e do campeão Sporting CP (mais quatro pontos e mais...30 golos marcados: 23 para 53! Peyroteo fazia a diferença. Mas todos já sabiam a "receita".

Confiança entre os Benfiquistas era tradição
O Benfica agigantava-se no campeonato nacional. Por isso, o Sporting CP era Hexacampeão regional e o Benfica Tricampeão nacional! Desde o Verão de 1938, ou seja, desde que a FPF equiparara o campeonato da I Liga a campeonato nacional.

Primeira volta
Tudo pareceu perdido, na 4.ª e 5.ª jornada, com a derrota no saudoso campo das Amoreiras (depois do Benfica ter chegado ao 3-0 aos 20 minutos!) e empate no campo do Rossio, terreno do FC Barreirense, depois do "Glorioso" estar a perder! O Sporting CP cumpria o hábito: duas derrotas nas duas primeiras jornadas com o FC Porto (no Porto) e no estádio do Lumiar frente ao Benfica. Depois aproveitou os deslizes do "Glorioso" para encostar. O FC Porto parecia ganhar avanço decisivo mas a última jornada da primeira volta fez minguar a distância. Num jogo gigante e decisivo, o Benfica destroçou o líder, que chegou a estar empatado a um golo. Que grande jogatana nas Amoreiras, em 5 de Março de 1939 a manter o Clube dentro da possibilidade do Tetracampeonato.

Segunda volta
O empate em Coimbra não permitiu aproveitar o empate a quatro golos no "Clássico das Riscas", no estádio do Lumiar. O SCP ficava em "maus lençóis" no confronto directo com o FC Porto. Foi necessário chegar às nossas Amoreiras e dar-nos 4-1, com 1-0 a nosso favor, ao intervalo. Depois foram jornadas de afirmação incluindo uma fantástica vitória no estádio das Salésias, com Macarrão a facturar dois golos, mas o senhor árbitro aveirense Sarrea tratou de lhe tirar um! Depois foi o que já se contou na Constituição com Henrique Rosa a defender o 4.º golo feito pelo Benfica e a impedir a conquista do quarto título consecutivo, o primeiro com a correcta designação de Campeonato Nacional da I Divisão.


Jornal "Diário de Lisboa"; 2 de Abril de 1939; página 4. a legenda está mal feita. Quem salta é o inesquecível Macarrão embora a impressão do DL não permita ver. Mas a fotografia da revista "Stadium" não deixa margem para dúvidas

CAMPEONATO NACIONAL 1938/39
Jorn
RES
Sit
Adversário
FCP
SCP
01
V 4-0
C
Ass. Académica Coimbra
=
+ 2
02
V 1-0
F
Sporting CP
=
+ 4
03
V 4-3
F
Académico FC Porto
=
+ 4
04
D 3-4
C
CF "Os Belenenses"
- 2
+ 2
05
E 1-1
F
FC Barreirense
- 3
+ 1
06
V 1-0
F
Casa Pia AC
- 3
+ 1
07
V 4-1
C
FC Porto
- 1
+ 1
08
E 3-3
F
Ass. Académica Coimbra
- 1
+ 1
09
D 1-4
C
Sporting CP
- 3
- 1
10
V 5-2
C
Académico FC Porto
- 3
=
11
V 3-2
F
CF "Os Belenenses"
- 2
=
12
V 1-0
C
FC Barreirense
- 2
=
13
V 10-1
C
Casa Pia AC
- 2
=
14
E 3-3
F
FC Porto
- 2
- 1
NOTA: As diferenças não são em tempo real, pois não contemplam adiamentos ou antecipações de jogos


Jornal "Os Sports"; 24 de Abril de 1939; Primeira página

Há mais de 30 anos que espero por este dia
O "Glorioso" conquistar o quarto campeonato consecutivo e relembrar estes Gloriosos Futebolistas que o conseguiram e chegou uma pessoa mal intencionada para o apear da Glória. Sempre pensei que um dia quando o Benfica fosse Tetracampeão olharei para o Quarto Anel e será para eles a primeira saudação. Quero lá saber do Marquês e do leão esfomeado. Ainda por cima será um TETRA em cima do FC Porto. Pena que não seja no campo da Constituição!

OS PRIMEIROS TETRACAMPEÕES (EM MEMÓRIA) PELO BENFICA:
Guilherme Espírito Santo (14 jogos e 13 golos);
Gaspar Pinto (14 jogos e dois golos); 
Gustavo Teixeira (14 jogos);
Feliciano Barbosa (13 jogos e 2 + 1 golo);
Alexandre Brito (13 jogos e 9 golos);
António Martins (12 jogos);
Francisco Albino (12 jogos e 3 golos);
Francisco Ferreira (12 jogos);
Alfredo Valadas (11 jogos e 4 golos);
António Vieira (9 jogos);
Rogério de Sousa (9 jogos e 5 golos);
Augusto Duarte (4 jogos e 3 golos);
Ricardo Freire (3 jogos);
Amadeu Cabeças (2 jogos e 2 golos);
João Correia (2 jogos);
Raul Baptista (2 jogos);
Francisco Baptista (1 jogo);
Luís Xavier (1 jogo);
César Ferreira (1 jogo);
Joaquim Alcobia (1 jogo);
Joaquim Macarrão (1 jogo e 1 golo);
Domingos Lopes(1 jogo); 
Augusto Amaro (1 jogo);
Mário Rosa (1 jogo).
Treinador: Lipo Hertzka (terceiro título consecutivo) sucedendo a Vítor Gonçalves (campeão em 1935/36)

Sábado? Acredita Benfica!
                           
Alberto Miguéns

NOTAS FINAIS:

1. Para o senhor Macarrão que sempre se lamentou de que se o Benfica tem sido campeão como devia ter sido ele teria no seu palmarés um título, pois jogou na 11.ª jornada, no estádio das Salésias, frente ao CF "Os Belenenses" marcando um golo. Aliás dois, embora um mal invalidado pelo árbitro segundo a crónica de António Ribeiro dos Reis no jornal "Os Sports";

2. Honra a quem sabia escrever, pensar e sempre de "cabeça bem levantada". Um jornalista de causas que nunca se deixou «comprar» ou intimidar mantendo a coerência toda uma vida. Um gigante::


Jornal "Os Sports"; 26 de Abril de 1939; Primeira página


3 comentários
  1. Os roubos ao nosso Glorioso já vêm de longe. Será que o apintador terá sido afrutado?
    Honra ao portista e guarda-redes Soares dos Reis, por ter dito a verdade.

    Mais um belo pedaço da nossa História que nos trás o Miguéns. É preciso pôr tudo isso em livro!!!

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  2. De facto percebe-se porque o fcp falar frequentemente em roubos de igreja. Percebem muito disso. De roubos de igreja, sé, capelinha e santuário. Passe a heresia, só mesmo constatar que segundo Henrique Rosa (qual Calabote qual quê) Alexandre Brito deve ter errado a vocação. Segundo aquele árbitro frutado, o Glorioso Brito deveria ter sido ou jogador de raguêbi ou quiça guarda-redes. Conseguir agarra um jogador do fcp quando o mais próximo estava a uns dois metros não é para todos.
    Os portistas não falam desta vergonha. Fossem os Benfiquista iguais a eles então teríamos assunto diferente para cada dia do ano.

    Tenho pena do que os nosso jogadores sofrerão. Impressiona olhar para a atitude corporal dos nossos jogadores. A cara de despero de Albino, a raiva de Gaspar Pinto, a impulsividade de Chico Ferreira, a incredibilidade de Valadas, a estupefacção de Rogério, os nervos de Vieira. Imagino a angústia do Senhor Macarrão.

    Honra e glória dos 24 jogadores que foram tetracampeões. Roubados por um escroque.

    Excelente artigo! Obrigado.

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  3. Excelente!!! E depois falam do Calabote os imundos....

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