COM O BENFICA FINALMENTE BEM INSTALADO NUMA SEDE À SUA DIMENSÃO, FÉLIX BERMUDES AFASTA-SE COMO DIRIGENTE.
Em 4 de Outubro de 1908 já fora agraciado como “Sócio
Benemérito” e em 15 de Fevereiro de 1923 será “Sócio de Mérito”. Félix Bermudes
era um homem de tudo ou nada. Assertivo. Ou estava de “corpo e alma” ou não
estava. Importante no “Glorioso” (entre 1905 e 1916 como já foi descrito no
acto 1) e ainda tinha muito para “dar”. Nada para receber.
Benfica: Resistência e vários passos em frente
Fundamental para a junção com o Sport Clube de Benfica
(1908), na elaboração dos Estatutos inovadores (1912) e na absorção do
Desportos de Benfica, disponibilizando-se como presidente da Direcção até à sua
realização (1916).
Dramaturgo conceituado: A Parceria
Em 1912, com a junção de João Bastos a Ernesto Rodrigues e
Félix Bermudes (estes dois a colaborarem desde 1907) ficou composto o trio, denominado “A Parceria” que iria
transformar o teatro ligeiro em Portugal sendo o percursor da famosa “Revista À
Portuguesa” que iria ocupar os teatros do Parque Mayer a partir do final dos
anos 20. Depois de 1916 intensifica-se a vida familiar (filhas a crescer e amor
para corresponder à sua esposa) bem como absorvido pela dramaturgia que lhe
permitia o dinheiro indispensável para sobreviver. Foi o seu “ganha-pão” de uma vida. A morte prematura de
Ernesto Rodrigues, aos 50 anos, em 26 de Janeiro de 1926, foi um rude golpe na
produção teatral de Félix Bermudes. O sportinguista Ernesto Rodrigues era o
cérebro, o inventor. João Bastos escrevia, escrevia até mais não e Félix
Bermudes dava-lhe os retoques finais e versejava quando necessário, mas tinha a
classe de dizer: «Ernesto Rodrigues dá ideias ao João Bastos, este vai na dança, toca a bastar e eu depois é que sofro ao ter de o desbastar!” Entre 1916 e 1926 há a assinalar praticamente uma peça por ano:
1917
– “A Torre de Babel”
1918
– “Salada Russa”
1919
– “A Traulitânia”
1920
– “O João Ratão”
1920
– “Miss Diabo”
1920
– “O Aldrabão”
1921
– “J.P.C.”
1921
– A Parceria com Lino Ferreira “Bichinha
Gata”
1922
– A Parceria com Henrique Roldão “Lua Nova”
1922
– “A Pérola Negra”
1923
– “As Onze Mil Virgens”
1923
– A Parceria com Henrique Roldão “O Bolo
Rei”
1924
– “O Poço do Bispo”
1924
– “O Amigo de Peniche”
1925
– “O Leão da Estrela”
1925
– “O Rei do Lixo”
1926
– “O dr. da Mula Ruça”
Houve
ainda mais de uma dezena de adaptações de peças estrangeiras com destaque para:
“O Príncipe Real” (de Alexandre
Othis); “O Pescador de Pérolas”
(1921); “A Carta Anónima” (de Pedro
Muñoz Seca/1923); “O Arroz Doce”; “O Pão de Ló”; e “Que Homem Tão Simpático” (a peça que "A Parceria" trabalhava aquando
do falecimento de Ernesto Rodrigues).
O “caso” Leão da Estrela
Começou por ser uma peça de teatro de grande sucesso em 1925.
Só em 1947 foi transformada em filme. Trata-se da história de um sportinguista, não
por influência de Félix Bermudes, mas pela ideia da peça de teatro ter sido de Ernesto Rodrigues,
associado do Sporting CP desde 1910.
O Parque Mayer
Personalidades cosmopolitas, a viajar pela Europa, aperceberam-se da influência da
cultura americana no Velho Continente. Para responder aos críticos que acusavam o trio de "A Parceria" de repetir sempre a mesma fórmula, com truques, tipo transformar “O Poço do Bispo” em “O Bispo do Poço” decidem fazer
uma…parceria com outra parceria, em quarteto, famosa (Luís Galhardo, Alberto Barbosa, Xavier
de Magalhães e Lourenço Rodrigues) reunidas sob o pseudónimo de “Gregos e
Troianos”, num nome que diz tudo. Para agradar a….
Juntaram-se, em 1925, para escrever quatro revistas: “Foot-Ball”, “Rataplan!”, “Ás de Espadas” e “Pó de Arroz” (estas duas já estreadas
após o falecimento de Ernesto Rodrigues).
Com tanta produção teatral escasseavam teatros em Lisboa.
Para aumentar a oferta decide-se construir no Parque Mayer quatro teatros. O
primeiro (Maria Vitória inaugurado em 1 de Julho de 1922) teve a estreá-lo a
revista “Lua Nova” e o segundo (Variedades inaugurado em 8 de Julho de
1926) teve como estreia “Pó de Arroz”. Afinal quando tudo
parecia um sonho concretizado eis o pesadelo. A morte do “cérebro” d' "A Parceria", Ernesto
Rodrigues, aos 50 anos, em 26 de Janeiro de 1926.
Depois da Parceria
O falecimento do amigo e “parceiro” Ernesto Rodrigues foi um
duro golpe, pessoal e profissional. Mas continuou a escrever:
1926 – com João Bastos e André Brum: “O Arroz de Quinze”;
1934 – com Ascensão Barbosa e Abreu de Sousa: “O Tavares Rico”;
1935 – com Ascensão Barbosa e Abreu de Sousa: “A Bicha de Rabiar”;
1936 – com Ascensão Barbosa e Abreu de Sousa: “As Meninas Pires”.
Literatura
Estreou-se na literatura em 1923, com “Cinzas e Nada” (versos e novelas)
mas outros livros se seguiram (ver Acto 3). Não é um livro extraordinário, mas contém um bom conjunto de temas que pecam por não se
enquadrar nas correntes literárias da época. Nem no modernismo (Almada Negreiros preparava-se
para publicar o sublime “Nome de Guerra”) e Alves Redol iria rebentar com tudo e
todos alicerçando o neo-realismo que seria o futuro da literatura portuguesa ao qual o nosso Félix Bermudes nunca
aderiu.
Oficial da Ordem de São Tiago
Apesar de satirizar com insistência (e com insolência a mais –
como se isso existisse - segundo alguns republicanos, a I República) vê esta
reconhecer os seus méritos, bem como a Ernesto Rodrigues e João Bastos
outorgando-lhes, em Julho de 1925, o grau de Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, como
dramaturgo.
O Hino do Benfica (1929) e não só!
Ao aproximarem-se as comemorações das “Bodas de Prata” do
Benfica – 28 de Fevereiro de 1929 – decide propor um Hino em cuja letra procura
evocar os valores eternos do Clube bem como o seu Ideal propondo ao maestro João Alves Coelho (fundador da SPA) um tema intimista que sirva de “oração
inspiradora e de refortalecimento” para atletas e associados. Também procura
com o seu amigo cenógrafo Stuart Carvalhais, um dos mais notáveis desenhadores
portugueses de sempre, revitalizar o emblema mantendo a tradição – a Águia a agarrar, de asas bem abertas e esvoaçantes, a elevar para o Céu, o lema do Clube – mas de cabeça bem erguida, temerária.
Sociedade Teosófica de Portugal
Fundada em 1921, Félix Bermudes era o Secretário Geral quando
faleceu em 1960, ocupando sete triénios (21 anos, entre 1948 e 1960) na sua
Direcção: três como Vice-secretário Geral e três como Secretário Geral.
Três gigantes reunidos na revista teatral "Lua Nova": Félix Bermudes e João Alves Coelho (Hino) e Stuart Carvalhais (Emblema) |
Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)
Em 22 de Maio de 1925, foi um dos principais entusiastas que permitiram a fundação de uma instituição que protegesse os direitos de quem vive do trabalho intelectual, a Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, a SECTP (actual SPA desde 9 de Setembro de 1970). "A Parceria" foi o motor com Félix Bermudes como vice-presidente, Ernesto Rodrigues vogal da Direcção e João Bastos, presidente do Conselho Fiscal. Uma organização decalcada dos órgãos Sociais do Benfica. Félix Bermudes foi o segundo presidente, sucedendo ao consagrado (mas execrável) Júlio Dantas, entre 1928 até falecer em 1960, ou seja, durante 31 anos!
Desportista ecléctico
Embora deixando de jogar futebol, o nosso Félix Bermudes continuou "mente sã em corpo são" a praticar desportos, embora "menos físicos": hipismo, ténis de mesa, mas principalmente esgrima e tiro onde obteve destaque honroso nos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924 (clicar)
Benfica: Dirigismo
Para o final do texto de hoje ficou guardado o melhor “pedaço”. Sempre com o
Benfica no coração, preocupa-se com o rumo do Clube. Ainda no rescaldo de um maior envolvimento nas "Bodas de Prata" (1929), concorre em 1930, numa
lista única de consenso, para o cargo de presidente da Direcção. Eleito em
1930, com 275 votos em 461 votantes, não toma posse. As votações como eram nominais - os associados que votavam riscavam os nomes de quem entendiam não ter capacidade ou inteligência para desempenhar o cargo a favor do engrandecimento do Clube - mostraram que preferiam um belicista nato, intransigente e coerente como Manuel da Conceição Afonso a um consensualista, ainda que assertivo, como Félix Bermudes. Tudo isto num envolvimento desportivo conflituoso entre o SL Benfica, a AFL, a FPF e o Governo da Ditadura implantada em 28 de Maio de 1926. Mas isso são contas para outro texto daqui por uns tempos. Ou talvez nunca...
Até amanhã…
Alberto Miguéns
Excelente texto! Não apenas os Benfiquistas mas também os amantes do teatro ficarão muito felizes em ler este texto.
ResponderEliminarA inteligência faz a diferença nas alturas decisivas. Aí se revela a diferença com os homens talhados para as rotinas.
Não sei se o Alberto vai falar nisso mas algumas peças da Parceria foram representadas e pelo que sei com sucesso no Brasil. As companhias de teatro (Chaby, Satanela, Procópio, etc) representaram alguns dos exitos no Rio de Janeiro e presumo que também em São Paulo.
1926 terá sido um ano de grandes convulsões para Bermudes. Por um lado deve ter acompanhado mesmo não sendo protagonista a saída traumática de Cosme, depois a morte de Ernesto Rodrigues, amigo do tempo de escola e pelo que sei o mais talentoso dos três.
Presumo que Bermudes ter-se-á mantido afastado. Há vários momento decisivos na história do SLB. 1926 foi um deles.
É pena que não exista (não conheço) uma entrevista de fundo com Félix Bermudes sobre os seus primeiros dias no sport Lisboa e depois na fusão de 1908.
Estamos no Acto 2 e já se vê quão rica e produtiva foi a vida de Félix Bermudes. Que grande foi. Tanto que lhe devemos.
Tudo isso porque o trabalho de investigação foi exemplar e o cuidado no texto foi soberbo.
Um texto com talento à Benfica