O «Glorioso» foi absolvido, no Tribunal da Relação de Lisboa,
de uma acção contra o Clube movida por um ex-presidente da Direcção e pelo
vice-presidente da Direcção em exercício!
Não é fácil
contar sucintamente o(s) motivo(s) da acção
Mas estes envolvem a ida do Benfica, na Sede no largo do
Carmo para a avenida Gomes Pereira e a fusão - foi mais uma absorção - do
«Desportos de Benfica» (DB) e da sua magnífica Sede (assunto já divulgado neste
blogue durante 2016, 2017 e 2018) que seria do Clube até 31 de Julho de 1981. Alguns
sócios abastados e influentes do "DB" nunca concordaram com a perda
de protagonismo na sequência da integração do DB no SLB e tudo tentaram para complicar a vida ao Clube. Mas o
assunto é demasiado complexo para ser explicado ao pormenor num blogue, mas só
explicando ao pormenor se perceberia o que realmente esteve em causa. Vamos ao
essencial:
Em 29 de
Janeiro de 1919
Foi interposta uma acção contra o Clube que tomou dela
conhecimento em meados de Fevereiro encetando de imediato as providências necessárias para contestar a
acção e demonstrar a "cabala" que estava a ser montada, tendo mesmo o
médico Nuno Freire Themudo (presidente da Direcção, entre 12 de Outubro de 1916
- eleito em 7 de Outubro de 1916 - e 29 de Janeiro de 1917 quando abandonou o
cargo) colocado a filha menor - Joana Espada Themudo - como
"acusadora" do Clube (sendo herdeira natural de Nuno Themudo) pois nem
coragem teve para assumir o papel odioso dando a entender que era a sua filha a
principal prejudicada pela utilização indevida sem o adequado pagamento e cumprimento financeiro do acordado com o SLB das instalações que este negociara com o DB. O incrível é que o vice-presidente da Direcção em
exercício, Alfredo Paulo de Carvalho, pois tinha sido eleito em 28 de Julho de
1918 (tomando posse em 11 de Agosto de 1918) para um mandato anual que
terminaria com a tomada de posse dos novos corpos gerentes depois das eleições
a 19 de Setembro de 1919, também participou no "cambalacho"!
Uma das mais
desagradáveis e perigosas acções contra o Clube
Que poderia ter hipotecado, irremediavelmente, o futuro do
«Glorioso» se tem sido dada razão aos dois indivíduos que tentaram desalojar o
Benfica das instalações da Sede e delapidar o património do Clube, que
"ainda gatinhava" pelos 15 anos de existência mas muitas dificuldades
(sempre) ultrapassadas com êxito absoluto e retumbante. Uma acção concertada! O
vice-presidente da Direcção em exercício, o negociante (agora seria empresário)
Alfredo Paulo de Carvalho, sendo igualmente um dos senhorios das instalações do
Clube (Sede) em Benfica, moveu uma acção de despejo, contra a colectividade do
qual era associado e dirigente! O médico, ex-presidente da Direcção Nuno Freire
Themudo, também consócio do SLB, juntou-se com uma acção de arresto. Citando Mário de Oliveira e
Rebelo da Silva (História do SLB 1904/1954): «A atitude assumida por ambos esses senhores quase ao mesmo tempo, e que
merece ser classificada de insólita, injusta e inoportuna, não pôde e não pode
deixar e ser criticada asperamente, não só por ela, em si mesma, mas também por
haver partido de pessoas com responsabilidades nos destinos do Clube em anos
anteriores (e um em pleno exercício, acrescento eu!), sobretudo pela parte do Dr. Nuno Temudo, que fora presidente da
Direcção, após a junção entre o BENFICA e os "Desportos de Benfica».
Direcção de
coragem e determinação...
... dos dirigentes do mandato de 1918/19 que encetaram a resposta
à acção e que conseguiram êxito total como está escrito no Relatório e Contas
com Parecer do Conselho Fiscal aprovado pelos associados em 19 de Setembro de
1919. Como os relatórios não eram impressos, mas sim manuscritos que eram lidos
aos associados nas assembleias gerais para depois serem devidamente votados
"de braço no ar" para que todos os sócios vissem todos e como votavam
(para serem responsabilizados devidamente e não incognitamente), ou seja, transparência
e rigor total, passo a transcrever partes do teor das fotocópias que tenho do
documento original não podendo divulgar este... neste blogue, embora fosse muito mais
interessante os leitores verem o original em vez de uma transcrição. Sempre é
um documento com quase cem anos (a completar em 19 de Setembro deste ano) que
faz parte do arquivo do Benfica, com a devida actualização da ortografia, em 2019, excepto em...
Bemfica com "eme":
«A acção
de despejo teve por fundamento a falta de pagamento de rendas e desvio da Sede
para fins diversos dos constantes do contrato de arrendamento.
Convém
elucidar um ponto de capital importância:
A rogo da
Escola Normal Primária de Lisboa, fundado em despacho de Sua Excelência o Ministro
da Instrução, tinha este clube cedido algumas das suas salas, para nelas
funcionarem as aulas daquele estabelecimento de ensino, durante uns quinze
dias, aguardando que as obras do edifício da Escola se adiantassem de forma a
permitir que ali tivesse seguimento o ano lectivo, que iniciara já bastante
tarde, não obstante esta antecipação.
Neste
acto, de verdadeira utilidade pública, inspirado na melhor boa vontade e nas
mais patrióticas intenções, visto esta cedência, absolutamente gratuita, em
coisa alguma prejudicar a vida desportiva e íntima desta colectividade,
encontrou o nosso senhorio e consócio Alfredo Paulo de Carvalho um dos
fundamentos para a acção de despejo, alegando que dispuséramos da casa para
fins diferentes dos contratuais.
Quanto à
falta de pagamento de rendas, provou-se que esta Direcção satisfez sempre nas
competentes datas a sua mensalidade, ao fiel depositário que o Tribunal da
Boa-Hora nomeara, por uma questão de partilhas da venda do prédio, senhor Mário
Dias Costa.
...........................................
O Sport
Lisboa e Bemfica foi depois intimado a abandonar a sua residência, num prazo de
24 (vinte e quatro) horas, apesar de já estar, por sua parte, este caso
entregue a um advogado.
Ao tempo a
que esta intimação nos era feita, os haveres do Clube eram arrestados por ordem
de Nuno Temudo, nosso consócio e ex-director deste clube, como garantia do seu
crédito, julgado por ele na importância de 3 000§00 (três mil escudos), crédito
que provinha dos suprimentos efectuados no tempo do Desportos de Benfica, como
outros existem, deste e do Sport Lisboa e Bemfica, desde o tempo da sua fusão.
Um dos
nossos consócios e Director deste clube, num acto que muito o dignifica, entrou
com a importância do arresto na Caixa Geral de Depósitos, à ordem de quem de
direito, e foi desde logo este caso entregue ao advogado deste clube,
excelentíssimo senhor doutor Alberto Navarro, acção que ainda está por decidir.
Quanto à
de despejo, a que na primeira instância serviram de testemunhas de defesa
alguns consócios e o Excelentíssimo Director da Escola Normal, que gentilmente
se prontificou a depor, foi ganha pelo Sport Lisboa e Bemfica, nos dois
primeiros tribunais, e está dependente do último.
...........................................
O prejuízo
sofrido por estes dois processos é ainda desconhecido, pois que, por estarem
ambos pendentes de resolução, se não podem avaliar, mas espera o Sport Lisboa e
Bemfica que estas avultadas perdas provenientes da recomposição da instalação
eléctrica de todo o edifício, mandada barbaramente arrancar, concerto de
mobiliário e muitas outras despesas e estragos provocados pela rápida e forçada
mudança sejam cobertos, na sua totalidade, pelos citados autores, casos que
entrega nas mãos dos futuros dirigentes da colectividade.»
Depois como era habitual
Em 19 de Setembro de 1919, aprovado o ponto 1 da ordem de trabalhos: Relatório e Contas da Direcção bem como o Parecer do Conselho Fiscal procedeu-se, no ponto 2, a novas eleições pois os mandatos eram anuais com tomada de posse em 24 de Setembro de 1919. No «Glorioso» é com a tomada de posse que se iniciam as funções e não com as eleições. Ao longo da história houve dirigentes que foram eleitos mas nunca chegaram a tomar posse, por isso nunca foram dirigentes do Clube apesar de eleitos! Nos Órgãos Sociais para 1919/1920, na Direcção em sete membros efectivos foram reeleitos quatro e nos mesmos cargos (Bento Mântua, Eduardo Pereira, Cosme Damião e Júlio de Lemos) com a inevitável saída do vice presidente Alfredo Paulo de Carvalho sendo eleito Benjamim Pires. Na Mesa da Assembleia Geral em quatro dirigentes foram reeleitos três, pois apenas Alberto castro Mata (segundo secretário) cedeu o cargo a Roque de Pina. No Conselho Fiscal as alterações foram mais profundas com mudança do presidente (saiu Ângelo Bulhões Maldonado para ser eleito Eduardo Conceição Silva) mantendo-se os outros dois, entre eles, um dos mais dedicados e beneméritos sócios em 115 anos de «Gloriosa História», injustamente esquecido: Francisco da Silva Calejo.
Resta acrescentar
Que o Benfica continuou como arrendatário na Sede, ou seja,
vivendo em edifício alugado até 31 de Outubro de 1945 comprando-a e
inaugurando-a, descerrando uma lápide para assinalar a data, em 30 de Dezembro
de 1945, ficando como proprietário das instalações da Sede, numa Direcção presidida por Félix (félis) Bermudes. Em 31 de Julho de
1981, depois de um longo e penoso processo o Clube trocou com a Câmara
Municipal de Lisboa (CML) o edifício pelos terrenos ao redor da «Saudosa Catedral»
por isso, até se pode dizer, que a localização do actual Estádio só foi
possível porque em 2 de Julho de 1919 o Benfica em vez de perder ganhou a acção
contra si movida. O edifício da Sede foi (e é) cedido pela CML à Junta de Freguesia de
Benfica que vendo na vasta área da freguesia de Benfica os prédios crescerem, bem como os habitantes já era
incomportável satisfazer as necessidades dos fregueses benfiquenses nas exiguíssimas instalações na rua Cláudio Nunes e depois, ainda assim exíguas, na estrada de Benfica. Em 19 de Setembro de 1919, aprovado o ponto 1 da ordem de trabalhos: Relatório e Contas da Direcção bem como o Parecer do Conselho Fiscal procedeu-se, no ponto 2, a novas eleições pois os mandatos eram anuais com tomada de posse em 24 de Setembro de 1919. No «Glorioso» é com a tomada de posse que se iniciam as funções e não com as eleições. Ao longo da história houve dirigentes que foram eleitos mas nunca chegaram a tomar posse, por isso nunca foram dirigentes do Clube apesar de eleitos! Nos Órgãos Sociais para 1919/1920, na Direcção em sete membros efectivos foram reeleitos quatro e nos mesmos cargos (Bento Mântua, Eduardo Pereira, Cosme Damião e Júlio de Lemos) com a inevitável saída do vice presidente Alfredo Paulo de Carvalho sendo eleito Benjamim Pires. Na Mesa da Assembleia Geral em quatro dirigentes foram reeleitos três, pois apenas Alberto castro Mata (segundo secretário) cedeu o cargo a Roque de Pina. No Conselho Fiscal as alterações foram mais profundas com mudança do presidente (saiu Ângelo Bulhões Maldonado para ser eleito Eduardo Conceição Silva) mantendo-se os outros dois, entre eles, um dos mais dedicados e beneméritos sócios em 115 anos de «Gloriosa História», injustamente esquecido: Francisco da Silva Calejo.
Resta acrescentar
O Benfica ganhou "em toda a linha"
A acção foi julgada a favor do Sport Lisboa e Benfica, conforme
sentença que está no arquivo do Clube (mas na sua falta este blogue apresenta
digitalizações do mesmo publicado na História do Benfica 1904/1954 de Mário de
Oliveira e Rebelo da Silva, numa edição suportada financeiramente pelos dois
autores). Eis o texto, na íntegra, bem como os honorários do advogado e outras
despesas do processo. Segundo constou,
trata-se de um documento que honrou a jurisprudência portuguesa e que foi
publicado numa revista jurídica da época, como doutrina assente para aplicação
em casos análogos. É um dos mais notáveis e mais sugestivos documentos, dos
milhares que constam do fabuloso arquivo do Sport Lisboa e Benfica: trouxe em
clarão de alegria, num relâmpago de emoções ímpares, depois de um momento de
tristeza e incerteza.
Honorários
do advogado e outras despesas do processo
Foi advogado do Clube na acção em defesa dos interesses do
Sport Lisboa e Benfica, o doutor Alberto Navarro, com escritório na rua dos
Douradores, número 107, no 2.º andar, em Lisboa, que apresentou a seguinte
conta dos seus honorários e despesas.
Acção contra
julgada
Defesa consistente e vitória sem apelo nem agravo, na justiça,
como nos campos de jogos e competições de âmbito desportivo. À Benfica!
Foi por esta
e por outras
Que o Benfica se tornou cada vez mais forte. Os associados
percebiam que nada, nem ninguém, conseguia derrubar o Clube. Esta tomada de
consciência - de perceber que fossem quais fossem as dificuldades - o Clube
resolveria a situação ou situações e ficaria mais forte, seguindo imparável
rumo ao Futuro fortaleceu a crença numa grandeza ímpar. Seguir rumo ao Futuro. Como seguiu (em 1919) e seguirá (em 2019 e por diante)!
O centenário
desta decisão, em 1919, não podia passar ignorado, em 2019!
Alberto
Miguéns
"Dizei-lhe que também dos Portugueses/ Alguns traidores houve algumas vezes"
ResponderEliminar«O peito de desejos e esperanças.»
Camões. Os Lusíadas. Canto V, 54.
Com este magnífico texto, Alberto Miguéns faz-nos não apenas um relato esplêndido sobre um dos episódios críticos da vida inicial do Clube como também mostra-nos que como foram decisivas para o Clube a verticalidade de acção e a dedicação de alguns dirigentes. Igualmente nos mostra que existiram sempre Benfiquistos, gente com posições internas no Clube que se aproveitou do Clube, para obter valorização social e / ou vantagens materiais ilícitas. Felizmente, antes como agora esses Benfiquistos tiveram resposta adequada na hora decisiva. O Clube, apesar dos danos infligidos, ultrapassou esses infortúnios saindo renovado e mais forte. Antes como agora. Os dirigentes passam, o Clube é eterno.
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