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02 julho 2019

Vitória no Tribunal... Há 100 Anos Uma Data Gloriosa

02 julho 2019 2 Comentários
EM 2 DE JULHO DE 1919, HÁ PRECISAMENTE CEM ANOS.



O «Glorioso» foi absolvido, no Tribunal da Relação de Lisboa, de uma acção contra o Clube movida por um ex-presidente da Direcção e pelo vice-presidente da Direcção em exercício!



Não é fácil contar sucintamente o(s) motivo(s) da acção
Mas estes envolvem a ida do Benfica, na Sede no largo do Carmo para a avenida Gomes Pereira e a fusão - foi mais uma absorção - do «Desportos de Benfica» (DB) e da sua magnífica Sede (assunto já divulgado neste blogue durante 2016, 2017 e 2018) que seria do Clube até 31 de Julho de 1981. Alguns sócios abastados e influentes do "DB" nunca concordaram com a perda de protagonismo na sequência da integração do DB no SLB e tudo tentaram para complicar a vida ao Clube. Mas o assunto é demasiado complexo para ser explicado ao pormenor num blogue, mas só explicando ao pormenor se perceberia o que realmente esteve em causa. Vamos ao essencial:

Em 29 de Janeiro de 1919
Foi interposta uma acção contra o Clube que tomou dela conhecimento em meados de Fevereiro encetando de imediato as providências necessárias para contestar a acção e demonstrar a "cabala" que estava a ser montada, tendo mesmo o médico Nuno Freire Themudo (presidente da Direcção, entre 12 de Outubro de 1916 - eleito em 7 de Outubro de 1916 - e 29 de Janeiro de 1917 quando abandonou o cargo) colocado a filha menor - Joana Espada Themudo - como "acusadora" do Clube (sendo herdeira natural de Nuno Themudo) pois nem coragem teve para assumir o papel odioso dando a entender que era a sua filha a principal prejudicada pela utilização indevida sem o adequado pagamento e cumprimento financeiro do acordado com o SLB das instalações que este negociara com o DB. O incrível é que o vice-presidente da Direcção em exercício, Alfredo Paulo de Carvalho, pois tinha sido eleito em 28 de Julho de 1918 (tomando posse em 11 de Agosto de 1918) para um mandato anual que terminaria com a tomada de posse dos novos corpos gerentes depois das eleições a 19 de Setembro de 1919, também participou no "cambalacho"!  


Uma das mais desagradáveis e perigosas acções contra o Clube
Que poderia ter hipotecado, irremediavelmente, o futuro do «Glorioso» se tem sido dada razão aos dois indivíduos que tentaram desalojar o Benfica das instalações da Sede e delapidar o património do Clube, que "ainda gatinhava" pelos 15 anos de existência mas muitas dificuldades (sempre) ultrapassadas com êxito absoluto e retumbante. Uma acção concertada! O vice-presidente da Direcção em exercício, o negociante (agora seria empresário) Alfredo Paulo de Carvalho, sendo igualmente um dos senhorios das instalações do Clube (Sede) em Benfica, moveu uma acção de despejo, contra a colectividade do qual era associado e dirigente! O médico, ex-presidente da Direcção Nuno Freire Themudo, também consócio do SLB, juntou-se com uma acção de arresto. Citando Mário de Oliveira e Rebelo da Silva (História do SLB 1904/1954): «A atitude assumida por ambos esses senhores quase ao mesmo tempo, e que merece ser classificada de insólita, injusta e inoportuna, não pôde e não pode deixar e ser criticada asperamente, não só por ela, em si mesma, mas também por haver partido de pessoas com responsabilidades nos destinos do Clube em anos anteriores (e um em pleno exercício, acrescento eu!), sobretudo pela parte do Dr. Nuno Temudo, que fora presidente da Direcção, após a junção entre o BENFICA e os "Desportos de Benfica».   


Direcção de coragem e determinação...
... dos dirigentes do mandato de 1918/19 que encetaram a resposta à acção e que conseguiram êxito total como está escrito no Relatório e Contas com Parecer do Conselho Fiscal aprovado pelos associados em 19 de Setembro de 1919. Como os relatórios não eram impressos, mas sim manuscritos que eram lidos aos associados nas assembleias gerais para depois serem devidamente votados "de braço no ar" para que todos os sócios vissem todos e como votavam (para serem responsabilizados devidamente e não incognitamente), ou seja, transparência e rigor total, passo a transcrever partes do teor das fotocópias que tenho do documento original não podendo divulgar este... neste blogue, embora fosse muito mais interessante os leitores verem o original em vez de uma transcrição. Sempre é um documento com quase cem anos (a completar em 19 de Setembro deste ano) que faz parte do arquivo do Benfica, com a devida actualização da ortografia, em 2019, excepto em... Bemfica com "eme":

«A acção de despejo teve por fundamento a falta de pagamento de rendas e desvio da Sede para fins diversos dos constantes do contrato de arrendamento.
Convém elucidar um ponto de capital importância:
A rogo da Escola Normal Primária de Lisboa, fundado em despacho de Sua Excelência o Ministro da Instrução, tinha este clube cedido algumas das suas salas, para nelas funcionarem as aulas daquele estabelecimento de ensino, durante uns quinze dias, aguardando que as obras do edifício da Escola se adiantassem de forma a permitir que ali tivesse seguimento o ano lectivo, que iniciara já bastante tarde, não obstante esta antecipação.
Neste acto, de verdadeira utilidade pública, inspirado na melhor boa vontade e nas mais patrióticas intenções, visto esta cedência, absolutamente gratuita, em coisa alguma prejudicar a vida desportiva e íntima desta colectividade, encontrou o nosso senhorio e consócio Alfredo Paulo de Carvalho um dos fundamentos para a acção de despejo, alegando que dispuséramos da casa para fins diferentes dos contratuais.
Quanto à falta de pagamento de rendas, provou-se que esta Direcção satisfez sempre nas competentes datas a sua mensalidade, ao fiel depositário que o Tribunal da Boa-Hora nomeara, por uma questão de partilhas da venda do prédio, senhor Mário Dias Costa.
...........................................
O Sport Lisboa e Bemfica foi depois intimado a abandonar a sua residência, num prazo de 24 (vinte e quatro) horas, apesar de já estar, por sua parte, este caso entregue a um advogado.
Ao tempo a que esta intimação nos era feita, os haveres do Clube eram arrestados por ordem de Nuno Temudo, nosso consócio e ex-director deste clube, como garantia do seu crédito, julgado por ele na importância de 3 000§00 (três mil escudos), crédito que provinha dos suprimentos efectuados no tempo do Desportos de Benfica, como outros existem, deste e do Sport Lisboa e Bemfica, desde o tempo da sua fusão.
Um dos nossos consócios e Director deste clube, num acto que muito o dignifica, entrou com a importância do arresto na Caixa Geral de Depósitos, à ordem de quem de direito, e foi desde logo este caso entregue ao advogado deste clube, excelentíssimo senhor doutor Alberto Navarro, acção que ainda está por decidir.
Quanto à de despejo, a que na primeira instância serviram de testemunhas de defesa alguns consócios e o Excelentíssimo Director da Escola Normal, que gentilmente se prontificou a depor, foi ganha pelo Sport Lisboa e Bemfica, nos dois primeiros tribunais, e está dependente do último.
...........................................
O prejuízo sofrido por estes dois processos é ainda desconhecido, pois que, por estarem ambos pendentes de resolução, se não podem avaliar, mas espera o Sport Lisboa e Bemfica que estas avultadas perdas provenientes da recomposição da instalação eléctrica de todo o edifício, mandada barbaramente arrancar, concerto de mobiliário e muitas outras despesas e estragos provocados pela rápida e forçada mudança sejam cobertos, na sua totalidade, pelos citados autores, casos que entrega nas mãos dos futuros dirigentes da colectividade.»     

Depois como era habitual
Em 19 de Setembro de 1919, aprovado o ponto 1 da ordem de trabalhos: Relatório e Contas da Direcção bem como o Parecer do Conselho Fiscal procedeu-se, no ponto 2, a novas eleições pois os mandatos eram anuais com tomada de posse em 24 de Setembro de 1919. No «Glorioso» é com a tomada de posse que se iniciam as funções e não com as eleições. Ao longo da história houve dirigentes que foram eleitos mas nunca chegaram a tomar posse, por isso nunca foram dirigentes do Clube apesar de eleitos! Nos Órgãos Sociais para 1919/1920, na Direcção em sete membros efectivos foram reeleitos quatro e nos mesmos cargos (Bento Mântua, Eduardo Pereira, Cosme Damião e Júlio de Lemos) com a inevitável saída do vice presidente Alfredo Paulo de Carvalho sendo eleito Benjamim Pires. Na Mesa da Assembleia Geral em quatro dirigentes foram reeleitos três, pois apenas Alberto castro Mata (segundo secretário) cedeu o cargo a Roque de Pina. No Conselho Fiscal as alterações foram mais profundas com mudança do presidente (saiu Ângelo Bulhões Maldonado para ser eleito Eduardo Conceição Silva) mantendo-se os outros dois, entre eles, um dos mais dedicados e beneméritos sócios em 115 anos de «Gloriosa História», injustamente esquecido: Francisco da Silva Calejo.    



Resta acrescentar
Que o Benfica continuou como arrendatário na Sede, ou seja, vivendo em edifício alugado até 31 de Outubro de 1945 comprando-a e inaugurando-a, descerrando uma lápide para assinalar a data, em 30 de Dezembro de 1945, ficando como proprietário das instalações da Sede, numa Direcção presidida por Félix (félis) Bermudes. Em 31 de Julho de 1981, depois de um longo e penoso processo o Clube trocou com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) o edifício pelos terrenos ao redor da «Saudosa Catedral» por isso, até se pode dizer, que a localização do actual Estádio só foi possível porque em 2 de Julho de 1919 o Benfica em vez de perder ganhou a acção contra si movida. O edifício da Sede foi (e é) cedido pela CML à Junta de Freguesia de Benfica que vendo na vasta área da freguesia de Benfica os prédios crescerem, bem como os habitantes já era incomportável satisfazer as necessidades dos fregueses benfiquenses nas exiguíssimas instalações na rua Cláudio Nunes e depois, ainda assim exíguas, na estrada de Benfica.  


 

O Benfica ganhou "em toda a linha"
A acção foi julgada a favor do Sport Lisboa e Benfica, conforme sentença que está no arquivo do Clube (mas na sua falta este blogue apresenta digitalizações do mesmo publicado na História do Benfica 1904/1954 de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva, numa edição suportada financeiramente pelos dois autores). Eis o texto, na íntegra, bem como os honorários do advogado e outras despesas  do processo. Segundo constou, trata-se de um documento que honrou a jurisprudência portuguesa e que foi publicado numa revista jurídica da época, como doutrina assente para aplicação em casos análogos. É um dos mais notáveis e mais sugestivos documentos, dos milhares que constam do fabuloso arquivo do Sport Lisboa e Benfica: trouxe em clarão de alegria, num relâmpago de emoções ímpares, depois de um momento de tristeza e incerteza.




Honorários do advogado e outras despesas do processo
Foi advogado do Clube na acção em defesa dos interesses do Sport Lisboa e Benfica, o doutor Alberto Navarro, com escritório na rua dos Douradores, número 107, no 2.º andar, em Lisboa, que apresentou a seguinte conta dos seus honorários e despesas.  



Acção contra julgada
Defesa consistente e vitória sem apelo nem agravo, na justiça, como nos campos de jogos e competições de âmbito desportivo. À Benfica!

Foi por esta e por outras
Que o Benfica se tornou cada vez mais forte. Os associados percebiam que nada, nem ninguém, conseguia derrubar o Clube. Esta tomada de consciência - de perceber que fossem quais fossem as dificuldades - o Clube resolveria a situação ou situações e ficaria mais forte, seguindo imparável rumo ao Futuro fortaleceu a crença numa grandeza ímpar. Seguir rumo ao Futuro. Como seguiu (em 1919) e seguirá (em 2019 e por diante)!

O centenário desta decisão, em 1919, não podia passar ignorado, em 2019!

Alberto Miguéns

2 comentários
  1. "Dizei-lhe que também dos Portugueses/ Alguns traidores houve algumas vezes"

    «O peito de desejos e esperanças.»

    Camões. Os Lusíadas. Canto V, 54.

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  2. Com este magnífico texto, Alberto Miguéns faz-nos não apenas um relato esplêndido sobre um dos episódios críticos da vida inicial do Clube como também mostra-nos que como foram decisivas para o Clube a verticalidade de acção e a dedicação de alguns dirigentes. Igualmente nos mostra que existiram sempre Benfiquistos, gente com posições internas no Clube que se aproveitou do Clube, para obter valorização social e / ou vantagens materiais ilícitas. Felizmente, antes como agora esses Benfiquistos tiveram resposta adequada na hora decisiva. O Clube, apesar dos danos infligidos, ultrapassou esses infortúnios saindo renovado e mais forte. Antes como agora. Os dirigentes passam, o Clube é eterno.

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