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09 maio 2019

José Netto: de Futebolista a Escultor Famoso

09 maio 2019 1 Comentários
UM DOS PIONEIROS DO CLUBE QUE SÓ NÃO CONSTA DA LISTA DOS 24 POR ACASO.


Magnífico díptico "esculpido" por Victor João Carocha

Quando o «Glorioso» foi fundado, em 28 de Fevereiro de 1904, movimentava bem mais de cinquenta futebolistas mas nem todos viviam em Belém. Os ex-alunos da Real Casa Pia de Lisboa, particularmente estes mas não só, tinham já as suas profissões, vida familiar estabelecida e outras ocupações. Muitos até poderiam ser considerados "veteranos" com é exemplo o escultor casapiano José Netto que completaria 29 anos, em 2 de Junho de 1904.

Pequena biografia pessoal e Benfiquista (I)
José Isidoro d'Oliveira Carvalho Netto nasceu, em Almada, a 2 de Junho de 1875. As vicissitudes da vida profissional dos pais obrigou-o a passar de uma infância de desafogo para ter a necessidade do apoio de uma instituição para a sua instrução, mas não foi uma instituição "qualquer", foi a Casa Pia que no final do século XIX formou uma geração notável de desportistas e artistas muito por acção de Simões Margiochi, provedor entre 1889 e 1894. José Netto tinha aptidão para escultura e foi estimulado para ser o melhor possível na escultura. Gostava de jogar futebol e foi-lhe permitido e incentivado a praticar esse desporto. Os laços criados entre os casapianos eram tão fortes que depois de saírem da instituição resolveram continuar a juntar-se, criando a «Associação do Bem». Foi da junção entre elementos deste grupo e dos miúdos de Belém que adoravam o Futebol que nasceu o «Glorioso». José Netto tinha 28 anos (quase 29!) sendo dos mais veteranos tal como muitos dos outros casapianos que eram de uma geração anterior aos miúdos de Belém. Na última década do século XIX e início do século XX, José Netto acumulava prémios prestigiando a arte em Portugal. Optando pelo ensino acumulava essas funções enquanto contribuiu para a implantação e afirmação do «Glorioso» mesmo jogando, como defesa-esquerdo, na 2.ª categoria pois apenas regista uma presença na 1.ª categoria por ter faltado ao jogo o habitual defesa-esquerdo. Quando alguns dos seus companheiros casapianos - António do Couto, Daniel Queirós dos Santos, Emílio de Carvalho, Januário Barreto e Francisco Santos - rumaram ao Sporting CP, ele com Cosme Damião (dez anos e meio mais novo) e Silvestre da Silva, entre outros, mantiveram-se leais ao Clube que fundaram. 


Dedicado ao Clube já não jogava mas era delegado. O fim da LPF deu origem à AFL. Em 1909/10 o Benfica sagrou-se pela primeira vez Campeão Regional "destronando" o Tricampeão, ingleses do Carcavellos Club, dos telefones/Cabo Submarino/Quinta Nova/Carcavelos

Pequena biografia pessoal e Benfiquista (II)
Quando deixou de jogar continuou no Clube, tendo visibilidade aquando da passagem da Sede para Benfica com a anexação do clube «Desportos de Benfica», em 1916, pois vivia na mesma artéria: avenida Gomes Pereira n.º 91 rés-do-chão. Continuou a acompanhar o Clube que tinha um crescimento e expansão notáveis enquanto era um dos mais conceituados escultores do seu tempo. Esteve na inauguração da «Saudosa Catedral», em 1 de Dezembro de 1954, tinha 79 anos. Ele e Félix Bermudes (um ano mais velho), mesmo Bento Mântua (presidente da Direcção, entre 1917 e 1926 e dramaturgo) eram as grandes referências do Benfica, como artistas e reconhecidas personalidades de vulto na sociedade portuguesa. Faleceu em 10 de Janeiro de 1960, aos 84 anos. Certamente que vibrou com a conquista da Taça Latina (1950) para além de tantas conquistas regionais e nacionais. "Quase" que assistia ao Bicampeonato Europeu. 


A desfilar, na inauguração do ESTÁDIO, aos 79 anos, em 1 de Dezembro de 1954
  
Interesse pelo Futebol
Cedo se interessou pelo jogo. Fez parte das célebres equipas escolares da Real Casa Pia de Lisboa. Ei-lo, entre muitos ilustres, com 21/22 anos numa formação próxima da majestosa que derrotou os «mestres ingleses do Cabo Submarino», no seu campo da Quinta Nova/Carcavelos, em 22 de Janeiro de 1898, dia de São Vicente, então o feriado municipal da cidade de Lisboa. Só com portugueses. O «Glorioso» formou-se com base nesta Ideia. Era possível fazer no século XX o que estes casapianos fizeram no século XIX. E foi. Pois os ingleses só voltaram a perder, depois de 1898, com o Sport Lisboa, em 10 de Fevereiro de 1907.   



Nas equipas do Sport Lisboa
Em duas temporadas distintas mas consecutivas. "Pesado", "ocupado" e "velho" mas sabedor, dedicado e experiente, era defesa.


A 2.ª categoria em 1905/06. Um "misto" entre juventude (promessas que seriam certezas depois do Verão de 1907) e «gloriosos» a terminar a carreira, numa equipa em que jogava o presidente do Clube, José Rosa Rodrigues. De cima para baixo, a formação táctica em campo: os três médios ou meia-defesa (half-backs), os cinco avançados e os dois defesas com o guarda-redes. Da esquerda para a direita: Luís Vieira, Cosme Damião e Marcolino Bragança; Félix Bermudes (capitão), Eduardo Corga, Henrique Teixeira, António Meireles e Carlos França; José Rosa Rodrigues, João Persónio e José Netto. Fotografia retirada da página 73 da História do Sport Lisboa e Benfica 1904/1954; Volume I; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; 3.º fascículo; Março de 1954; Lisboa; edição dos autores   
E continuou mesmo com outro parceiro (Henrique Teixeira em vez do presidente) do lado direito.


O que dizem os críticos acerca da sua obra
Não sendo um inovador era metódico, desenvolto e "competente". Colaborou em inúmeros projectos pois era fiável, atento e cumpria os prazos, bem como um qualificado escultor. Moldava o gesso com mestria, graciosidade e acompanhava com exigência a obra para que dignificasse a arte, a escultura e os seus pergaminhos iniciados ainda como interno na Casa Pia.


Fazem parte do acervo do Museu José Malhoa (Caldas da Rainha)

O maior azar que pode acontecer a um artista
Consta que infelizmente, algumas das suas principais criações, até aos anos 20 estão "à espera" que alguém se lembre de as resgatar do fundo do Oceano, algures junto ao cabo da Roca (Sintra), onde naufragou o barco que as trazia de uma exposição no Brasil (em 1923) onde teve elogios e um prémio. Perder as obras iniciais - as do tempo do jovem escultor que se quer impor e mostrar a diferença entre os seu pares e as da idade adulta que revelam já maturidade - também se reflectem no modo como a crítica e os historiadores (não) podem fazer uma apreciação global. Não há esculturas para ver, criticar e historiar... Perder estas obras é sempre o maior "azar" de qualquer artista. José Netto ficou sempre no limbo, talvez por isso, por terem deixado de existir as primeiras obras do escultor. 


O «Discóbolo»
Lá está ele no Pavilhão dos Desportos depois de ter estado na avenida da Liberdade. A estátua que foi pretexto para neste blogue se escrever acerca da extraordinária equipa de Basquetebol dos anos 60 e de José Netto, pioneiro do Clube e escultor de uma peça que mostra bem o "seu traço" onde já depois do seu falecimento o Benfica foi fotografado. Dois em um!




Outras esculturas conhecidas (mas nem sempre reconhecidas)
Em Lisboa é possível passar por muitas das suas esculturas! entre a "Baixa" e um dos principais espaços no interior da Assembleia da República, pode ser apreciado o legado artístico de José Neto. A "obra-prima", o Benfica, vemo-lo nós todos os dias!



Tinha particular "afeição" por moldar leões
Talvez porque os aprendeu a "domar" enquanto futebolista do «Glorioso». São muito conhecidos os quatro leões (cabeças) da fachada do Banco Santander Totta (ex-Totta e Açores; ex-Lisboa e Açores), na rua do Ouro, em Lisboa. 


Tal como os perfis dos quatro leões por cima das entradas nos «Passos Perdidos» no edifício da Assembleia da República.  





Através dos jornais
Sabemos como estava feliz, 50 anos depois, com o Clube que ajudou a cimentar e desenvolver. Que maior alegria pode um Benfiquista ter que saber da satisfação para com o rumo seguido pelo Benfica daqueles que estiveram desde os primeiros tempos a ele ligados e que depois o desenvolveram de modo a termos orgulho na obra que conseguiram erguer? 



Quando faleceu ainda era bem referenciado pela sociedade portuguesa, como escultor e ligação ao Benfica. Esta notícia do seu falecimento no extinto jornal vespertino «Diário de Lisboa» é um bom exemplo:




Eterno artista o futebolista José Netto



Alberto Miguéns



NOTA1: Para quem quiser saber mais e com mais pormenor há um texto e imagens de excelência em 217 - A semente que frutificou (clicar). Há Benfiquistas que fazem trabalhos notáveis e rigorosos acerca do Clube que amam sem nada pedirem em troca a não ser continuar a ter orgulho no futuro como têm no Passado. E divulgam a justificação desse orgulho que não é vã nem supérfluo,

NOTA2: Um bom texto acerca de José Netto como escultor pode ser lido nesta obra:



1 comentários
  1. Como o Alberto sabe, esse núcleo alargado de fundadores e entusiastas é algo que me fascina.

    De fora dos 24 ficaram não apenas antigos estudantes casapianos que tinham já vida profissional activa (em muitos casos fora de Lisboa, o que dificultava a sua presença em Belém) mas também outros rapazes de Belém e da Ajuda. Foram dezenas os que por um qualquer razão casuística não entraram na lista dos 24 apenas. Se o Clube não fosse nesse tempo apenas a primeira tentativa de organizar todo aquele entusiasmo acerca do futebol, então o processo burocrático teria tido outra ponderação, outro ritmo, e teria permitido fazer uma lista com muitos mais homens.

    Como o Alberto refere, foi esse também o caso de José Netto, um pioneiro que teve a honra de jogar na primeira categoria e na primeira temporada do nosso futebol. HONRA e privilégio que mereceu e que preservou ao longo de uma longa vida. Aquele dia da inauguração do Estádio da Luz em 1-12-1954, foi um dia de enorme alegria pois - como ele disse - viu frutificar a semente lançada à terra tantos anos depois.

    HONRA e memória ao grande Benfiquista José Netto!

    Obrigado.

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