ROMANCE HISTÓRICO É ROMANCE. HÁ ALGUNS ANOS
DISSERAM-ME QUE O ESCRITOR JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS TINHA UTILIZADO O BENFICA
PARA DESENVOLVER UM ENREDO DE UM DOS SEUS LIVROS.
À época
confesso que não liguei. Um escritor pode utilizar a realidade como quiser
porque nunca deixará de ser ficção por muito que tenha por base experiências
vividas ou leituras de factos históricos. O que ele escrevesse nada
acrescentaria À Gloriosa História. Seria sempre copiar o que alguém já tinha
investigado e escrito. Nada de novo.
Depois o romance produto do romancista
Qualquer
temática acerca do Benfica num romance nunca valerá pela História mas pelo lado da estória. E aqui relaciona-se com a capacidade e criatividade do autor.
Confesso que o pouco que li daquilo que o autor já escreveu não me fascina.
Escreve bem numa linguagem cinematográfica - se fosse noutro país os seus
livros deviam dar bons argumentos para filmes (embora pelo pouco que conheça
deles...é sempre arriscado dizer isto) - mas é uma literatura pouco densa e do tipo
para passar o tempo. Acrescenta muito pouco ao parco e lento desenvolvimento da Humanidade. Embora esteja longe de serem "romances de
cordel". A história da Literatura Mundial está repleta deste tipo de escritores
e escrita. Até devem ser a maioria. Em Portugal há desde Pinheiro Chagas e Júlio Dinis a Fernando
Namora, para não citar mais do que três nomes. Literatura de cordel é o que
domina, principalmente de "vedetas" das televisões. Esses sim livros
execráveis para gastar tempo. José Rodrigues dos Santos é interessante para
ocupar o tempo. Depois de lido pouco sobra. E isto pelo pouco que li. Tudo isto
para justificar que nada me opõe à produção literária que tem qualidade e
merece ter leitores, mas onde eu não estou incluído.
O que me afectou durante esta semana
Foi
alguém que é conhecedor do obra de José Rodrigues dos Santos vir falar da
fundação do Benfica e dos seus primeiros anos pela versão José Rodrigues dos
Santos em que a "bota não batia com a perdigota". E isso
transtornou-me porque esse leitor acreditava piamente que a fundação e os
primeiros anos (rivalidade com o Sporting CP) era como o consagrado escritor afirmava.
E não era. Ou o leitor estava equivocado (já tinha lido o livro há muito tempo
e nem sabia o nome) ou José Rodrigues dos Santos (JRS) aproveitou, por
negligência mas acredito mais por conveniência do enredo para romancear algumas
situações sem que haja documentos históricos que o suportem. Tive que descobrir
o nome do livro. "A Filha do Capitão" cuja edição actual é a 30.ª
(Junho de 2014) e a primeira foi em Novembro de 2004.
Estava à espera do "pior"
Temia que
houvesse mais romance envolvendo a história do Clube nos seus primórdios. Há
muitas incorrecções históricas (ainda que resultem melhor no enredo alterá-las)
mas isso é próprio de quem escreve um romance, mesmo histórico. Dar um cunho
mais dramático ou trágico a situações reais (por vezes banais) é próprio da
escrita criativa. Ricardo Serrado (e os quistos que deixou no Benfica) bem como
os responsáveis pelo património, cometem muito mais «atentados à Gloriosa
História» e passam por fazer história e não romancear a história.
Ao ler a "Filha do Capitão" percebe-se
que JRS
Leu a
História do Sport Lisboa e Benfica 1904/1954, publicada em fascículos a partir
de Janeiro de 1954, cujos 24 fascículos foram reunidos em dois volumes encadernados. Ele
leu as primeiras 100/150 páginas e é a partir destas que tira a informação para
dar consistência, principalmente, a dois personagens do romance arranjando-lhes
ocupação e passatempo com o futebol e os "matches" para
caracterizá-los e entreter os leitores.
Só vou escolher um "erro" (que nem o é)!
Não o é
do ponto de vista do romance. Claro que é do ponto de vista histórico. Entre
uma dúzia deste tipo de erros escolho o da página 147. Porque não vou só dizer
que é erro histórico. Vou prová-lo. Repito que o autor não estando a fazer um
livro de história acerca do Benfica tem toda a legitimidade em inventar factos
que dêem mais força ao que pretende. É assim a literatura. Compete aos leitores
distinguirem uma situação da outra.
A história é acerca do jogo entre o SLB e o SCP
Em 25 de
Outubro de 1908. Eis parte (as que interessam) das páginas 146 e 147. Peço desde já ao editor da Gradiva que não me processe pois penso ser ilegal reproduzir parcialmente páginas sem autorização!
Há aqui quatro
ligeiras interpretações que podem criar confusão e uma quinta que não
corresponde, nem mínima, nem maximamente, à verdade do que se passou:
1. «Fundira-se» Não
houve fusão. Os considerados pelo autor, "fusionistas" à época (13 de Setembro de
1908) sempre disseram e escreveram que a junção era o conceito que melhor se
ajustava à união dos dois clubes. Daí que até dois dos três principais símbolos
são mesmo uma junção: emblema do SL sobreposto sobre o do SCB; nome
adicionado: SL + SCB = SL e B; O outro símbolo - cores do equipamento - até foi
integralmente o do SL. Em contrapartida os associados do GSB (mais organizados
administrativamente) ficaram com os seus números de associados e a partir do
223 passaram a incluir os do SL. Além de que os dirigentes eram os do SCB
entrando depois Cosme Damião para vogal - mais tarde capitão-geral e vice-presidente da Direcção - para ter sob sua responsabilidade a
organização e desenvolvimento de todo o Futebol do SLB, pois os elementos do
SCB ficaram afastados de se meterem em assunto tão importante - manter o SL
(agora conhecido como SLB) - ganhador;
2. O GSB
(que depois do Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908) passou a SCB «não passava
na verdade de um club de ciclismo». Até era mais um clube de atletismo. Muito
mais que de ciclismo embora também o praticasse mas de forma mais lúdica. Em poucas
provas participaram (talvez duas) organizadas pela União Velocipédida
Portuguesa com resultados pouco significativos. Já em atletismo era "a
sério", tanto que venceram a I Maratona Portuguesa (em 20 de Outubro de
1907) efeméride que este blogue assinalará ao completarem-se os seus 110 anos;
3. «o
novo club iria defrontar o Sporting». Não havia novo clube, apenas uma
alteração de designações e procedimentos;
4. Os
«jogadores da equipa (do SLB) eram quase todos os
mesmos do Sport Lisboa...». Não! Eram todos do Sport Lisboa. O único (por ser
considerado o melhor do SCB) Germano Vasconcelos foi jogar em 1908/09 na 3.ª e depois na 2.ª categoria que Manuel
Gourlade/Cosme Damião não gostavam de colocar futebolistas na primeira
categoria sem perceberem muito bem a real valia deles em termos individuais,
colectivos e no...Benfiquismo. O primeiro jogo entre o "Glorioso" e o
Sporting CP ocorreu em 1 de Dezembro de 1907 (quase um ano antes) em
Carcavelos, no campo dos ingleses do Carcavellos SC facto que este blogue
assinalará, pois completam-se em 2017, os 110 anos desse jogo de estreia entre
dois clubes que ainda existem.
É falso na Gloriosa História (mas real como ficção criada pois está escrita!)
«E a
terceira surpresa foi a inesperada vitória do Benfica sobre o Sporting, que
contava com os oito artistas roubados no ano
anterior ao Sport Lisboa». Como eu já escrevi até esta página 147 (e mais algumas
depois) há vários erros históricos, mas por piedade para com os leitores deste
blogue fico-me pela demonstração apenas deste erro.
1. Em 25
de Outubro de 1908 (a data citada pelo autor) "os oito artistas
roubados" (o sublinhado a vermelho no texto anterior é da minha responsabilidade)
estavam reduzidos a...três. Três! Ou seja, 8-3 = 5! Cinco não jogaram. Aliás um
desses oito "artistas roubados" no Verão de 1907 - Henrique Costa -
até jogou pelo SLB em 25 de Outubro de 1908. Tornaram-se muito famosos esses oito - por serem da primeira categoria - mas foram cerca de uma vintena deles;
2. As
equipas alinharam com (notícia retirada do História do SLB, escrita por Mário
Oliveira e Rebelo da Silva) mas que podem ser encontradas em inúmeros
publicações publicadas:
História do SL Benfica 1904/1954; I volume; página 96; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; 1954;Lisboa; Edição dos autores |
4. Além de muitos jornais terem publicado crónicas e a constituição das equipas também há várias fotografias que deixaram para a posteridade imagens do jogo. Eis duas que o Master Groove já está possesso com tanta digitalização:
5. Para terminar em Glória. O onze do Benfica. Estes foram mesmo os futebolistas que derrotaram, por 2-0, o Sporting CP em 25 de Outubro de 1908. NOTA para os equipamentos. As flanelas vermelhas do SLB, em 1908, exactamente as mesmas do Grupo Sport Lisboa de 1905:
Pior é ser
o Clube a adulterar a História. O romancista fez o trabalho dele. O Benfica não
faz!
Alberto
Miguéns
NOTA: Leiam livros. Mesmo romances históricos. Mesmo romances (ficção) onde se escreva acerca do Benfica. Não pensem é que o que estão a ler seja a História do Clube
NOTA: Leiam livros. Mesmo romances históricos. Mesmo romances (ficção) onde se escreva acerca do Benfica. Não pensem é que o que estão a ler seja a História do Clube