FALECEU HÁ PRECISAMENTE 90 ANOS, COMPLETADOS HOJE, APÓS
UMA LUTA “CORPO-A-CORPO” COM UM LEÃO, CARLOS SOBRAL CAPITÃO DE FUTEBOL DO “GLORIOSO”
ENTRE FINAL DE 1915/16 E 1917/18.
Ainda não é hoje que terá o devido destaque um
futebolista que foi um “caso à parte” no futebol português dos anos 10: jogava
sem “amor à camisola” apenas pela paixão do jogo. Era-lhe indiferente o clube.
Saiu do Benfica para fundar o CF “Os Belenenses”. Antes já tinha jogado no GS Cruz Quebrada, CIF/Internacional, Sporting CP e regressara ao CIF/Internacional. Será feita a devida evocação –
em termos de “Gloriosa Biografia” - na data do seu nascimento: 8 de Fevereiro.
História do Sport Lisboa e Benfica 1904 - 1954; Volume I; Página 374; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; Lisboa; 1954; edição dos autores |
Um final de vida que inspirou um dos mais notáveis romances portugueses
do início dos anos 30
Coube a Joaquim Paço D’Arcos fazer dele um herói ficcionado
no seu romance de estreia, em 1933, “Herói Derradeiro”. Escritor precoce de uma
geração notável (Vitorino Nemésio, Adolfo Casais Monteiro, Miguel Torga ou
Branquinho da Fonseca, por exemplo) ficou esquecido no meio intelectual português
por ser considerado de “Direita” sabendo-se do anacronismo do século XX
português: a Política era de Direita (Sidonismo e Estado Novo) mas a Cultura era
de "Esquerda". Joaquim Paço D’Arcos não sendo neo-realista nem tendo simpatia
pelo Reviralho foi ostracizado. Mas escreveu livros notáveis e o romance que faz de
Carlos Sobral herói é, sem dúvida, superior ao que outros escritores da sua
geração escreveram no início dos anos 30 e que na actualidade até são mais conhecidos.
Embora por vezes só de nome, porque em Portugal ter cultura é considerado desperdício
e supérfluo. Antes o pimba!
(clicar em cima de cada imagem para obter uma melhor leitura)
Herói Derradeiro
Tem tudo este romance. Tudo o que um bom romance deve ter,
funcionando como um microcosmos: uma escrita escorreita e poderosa (sem
pieguices), um monumento à História portuguesa e um bom tema: amor; morte – e que
morte - uma tragédia; sexo com as duas amantes do nosso Carlos Sobral, uma aristocrata
britânica e uma preta filha de um régulo – que aliás dão o nome aos dois capítulos do livro (Helen Moore e Sinhara Carolina); traição e mistério (de uma mulher inglesa,
pois claro!); corrupção na política portuguesa – os políticos corruptos para se
distinguirem dos outros políticos também corruptos autointitulam-se “impolíticos”; a Imprensa ao serviço dos “impolíticos”; e o asco aos ingleses que – através
da corrupção – conseguiam ter benefícios em Moçambique em detrimento dos
portugueses. É este o “fio condutor” do romance. Carlos Sobral é o «Último
Herói» porque não pactua com os ingleses (prescindindo de um cargo bem pago de
director numa companhia inglesa), vai a Lisboa tentar obter igual tratamento
mas querendo desviar a emigração para o Brasil (país estrangeiro) em direcção à África (portuguesa), percebe a corrupção que grassa entre os pequenos poderes
para se mostrarem grandes e regressa a Moçambique para à força do seu trabalho
e mão-de-obra local criar riqueza. Acaba morto por um leão que já tinha
dizimado negros numa aldeia vizinha.
História do Sport Lisboa e Benfica 1904 - 1954; Volume I; Página 333; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; Lisboa; 1954; edição dos autores |
História do Sport Lisboa e Benfica 1904 - 1954; Volume I; Página 333; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; Lisboa; 1954; edição dos autores |
De Futebolista do Glorioso a Herói para um jovem escritor
Foi há 90 anos. Lutou a 20, expirou a 26 de Novembro. Faleceu, depois de uma agonia de sete dias devido a feridas
infectadas e carne esfacelada por um leão, aquele que pode ser considerado o
sétimo capitão da Gloriosa História, depois de António Couto, Silvestre Silva,
Fortunato Levy (há um Levy no livro que é, certamente, inspirado no pai do
nosso Levy, pois também ia para o Brasil e a avaria no navio fez com que
fizesse vida em São Vicente/Cabo Verde), Félix Bermudes, Cosme Damião e Henrique
Costa. Além disso Cosme Damião “foi buscá-lo” ao CIF/Internacional para o substituir – como médio-centro
e capitão - pois estava decidido a abandonar o Futebol em 1916! E o futebolista que ele
pensava ser o seu sucessor tinha “fugido”, no final da época de 1913/14, para o Sporting CP: Artur José
Pereira.
História do Sport Lisboa e Benfica 1904 - 1954; Volume I; Página 328; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; Lisboa; 1954; edição dos autores |
Quatro épocas, um TRIcampeonato Regional
Jogou com o “Manto Sagrado” entre o final de 1914/15 (dois
jogos particulares para “testá-lo”) e 1918/19. Com cifras importantes (para
além de exímio nadador, poloaquatista e saltador para a água):
5 465 minutos
61 jogos
5 golos
30 jogos a capitão, entre 1915/16 (final da época) e 1917/18
Três campeonatos Regionais (1915/16, 1916/17 e 1917/18) os dois últimos como capitão.
Resta homenageá-lo neste blogue com a frase que gostava de citar entre conversas com amigos e "amigas": «Eu sou
aquele que poderia ter sido e o meu nome é Nunca Mais».
Um Glorioso Capitão
Carlos Burnay da Cruz Sobral. Herói trágico, herói derradeiro. Campeão de natação, campeão no futebol. Foi um "globetrotter" mesmo à escala da época. Este evocação que o Alberto faz é muito justa. Chegou já um pouco tarde ao nosso Clube mas ainda assim foi tricampeão, ocupando o lugar que antes tinha sido de Cosme.
ResponderEliminarCarlos Sobral terá mostrado o seu talento com a nossa camisola. Devemos assim lembra-lo mesmo que no final estivesse envolvido na turbulenta saída de diversos jogadores para fundar o CF "os Belenenses". Foi um rude golpe no nosso Clube embora não tão grande como o que viria depois com a cisão liderada por Cândido de Oliveira.
Findo o futebol veio a aventura Africana. Se não fosse Joaquim Paço D'Arcos com certeza que saberíamos muito menos da sua vida em África. Mesmo que romanceada, a escrita de Joaquim Paço D'Arcos descreve uma sua vida aventurosa, fruto do local e da personalidade de Sobral. O homem no seu elemento.
O fim foi trágico. As linhas do Joaquim Paço D'Arcos são impressionantes de realismo e tragédia. Morte na flor da vida, num leito e em agonia de um campeão que mostrou a sua exuberância atlética nas águas e nos campos. Trágico.
O seu texto é excelente, Alberto. Obrigado!
Relembrar os nossos heróis de antanho é preciso!!!
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