Através deste blogue foi possível contactar a filha de Marcolino Leopoldino Neto Bragança Pinto de Meireles e constatar uma generalidade e uma particularidade. Antes disso convém saber que Marcolino Bragança foi um dos primeiros aderentes ao Sport Lisboa e depois teve aquilo a que se pode chamar o “Ovo de Colombo do Benfica”. Penso que todos sabem do que significa esta expressão. Quem não souber ou tiver a certeza é (clicar).
O Ovo de Colombo do Benfiquismo
Entrevista de Mário de Oliveira a Cosme Damião; jornal "A Bola"; 5 de Março de 1945; página 5 |
Entre as generalidades…
Durante estes últimos 30 anos consegui contactar mais de uma
dezena de filhos dos fundadores ou dos primeiros aderentes que acabam muitos,
até por ter mais importância, pois foram mais dedicados. O que constato é que
os pais ficaram sempre tão marcados pelo Clube que passaram muitas informações
– algumas delas preciosas - aos filhos. Ao princípio estranhei mas depois
entendi. O Benfica foi crescendo tanto – desportiva e socialmente - que
acompanhou o crescimento etário dos filhos. Estes sabendo que os pais tinham
estado na origem do Clube entusiasmavam-se e questionavam à procura de entender
como tinha sido o início do “Glorioso”. Parece simples mas demorei algum tempo
a perceber…
… e as particularidades
O “Caso” de Marcolino é extraordinário. Esteve pouco tempo no
Clube (1905 – 1908), regressou a São Tomé e Príncipe (aos 17 anos) e depois foi
para Angola. Constituiu família, mas falava tanto e tão intensamente do Benfica
que contagiava os filhos e até as filhas (que como é norma ligam menos ao jogo
da bola). Mas eram “obrigadas” a ser catequizadas à Benfica tal o entusiasmo e
insistência do pai. Marcolino esteve no Clube entre os seus 14 anos e os 17.
Era um miúdo. A milhares de quilómetros, no norte de Angola e em Luanda,
deleitava-se a relembrar esses tempos de juventude.
Pouco tempo antes da conquista do Tricampeonato
Tive o enorme prazer de levar a filha Milita, esposo e neta a
visitar os lugares de que Milita ouvira o pai falar nos anos 50 e 60 em Angola
como se estivesse em Belém ou na Quinta da Feiteira. A viver no estrangeiro
aproveitaram uma vinda a Lisboa para, em 12 de Maio, calcorrearmos os caminhos
que Marcolino Bragança percorrera 110 anos antes. Foi impressionante como
aquilo que contava aos filhos encaixava nos sítios que se foram visitando. Como
ele tinha vivido tão intensamente a adolescência que prolongou essa memória
pela vida como se fosse uma lanterna a iluminar-lhe fogachos de uma vida intensa
e de trabalho. E passou essa paixão aos filhos com pormenores que acabam por
enriquecer, onze decénios depois, o conhecimento que se tem do início do Clube.
Falava da Farmácia, do Conde do Restelo, de ser half-back, de não poder ser Marcolino Meireles porque já havia um
Meireles na equipa, de levar a baliza às costas, de Cosme Damião, das
almoçaradas no Café do Gonçalves e no António das Caldeiradas, de Félix
Bermudes (o capitão da sua equipa) com o qual jogou xadrez por correspondência,
entre Angola e Portugal, até Félix Bermudes falecer, em 5 de Janeiro de 1960.
Pormenores deliciosos que encaixam e acrescentam valor e significado à Gloriosa
História. Pormenores com milhares de quilómetros de distância e várias décadas
afastadas da actualidade. Marcolino foi decisivo na resolução da “Crise do
Verão de 1907” e importante para confirmar e acrescentar pormenores em 2016.
Quem diria!
Sede na Farmácia Franco, “armazém” nas colunas e treinos/jogos nas
Terras do Desembargador
Uma canseira nos primeiros tempos de Marcolino no Clube e do
Clube nos seus primórdios. Jogadores de clube sem dinheiro, vocacionados mais
para a bola e menos para a papelada, a Sede ficou na Farmácia Franco, em cujo
prédio vivia ou trabalhava meia-equipa, desde os moradores no primeiro andar,
os três irmãos Rosa Rodrigues (José, Cândido e António) aos dois empregados na
farmácia (Brito e Gourlade). Destes foram escolhidos os dirigentes: José
(presidente), Brito (secretário) e Gourlade (tesoureiro). Ficava tudo “em
casa”. Um descanso para os restantes. Queriam era jogar à bola. Contas, papéis,
recibos, problemas. Nada! Dêem-nos uma bola que nós sabemos o que fazer com
ela. E onde colocá-la. Rematá-la para o sítio certo que agrada à equipa e aos
adeptos.
Neta e filha junto ao armazém. Quantas vezes não tirou (e arrumou) o pai e avô materno redes e barrotes para balizas atrás daquela porta? |
O secretário/futebolista Daniel Santos Brito a explicar em 1950, os recursos do Clube e as instalações em Belém. O "desenrascanço" de quem pouco tinha mas muito queria |
Armazém
Sem
espaço, nem condições numa farmácia, a “tralha” – duas redes, seis barrotes,
bandeirolas, regadores, cal e demais apetrechos para se poder treinar e jogar –
eram guardados numa arrecadação na rua Vieira Portuense a poucos metros da “Sede” mas a muitos dos
treinos. Então àqueles que compareciam para treinar ou jogar deviam parecer
quilómetros. Os das duas redes e os dos seis barrotes começavam logo a treinar
ao carregar tudo às costas! Revezavam-se de treino para treino, de jogo para
jogo. Cabia a todos. Convém saber que as redes eram as que já não serviam para
a pesca (muito usadas) e provinham das embarcações de pesca do pai dos Rosa
Rodrigues, Cândido Rodrigues. E também que os terrenos onde treinavam e jogavam
eram públicos, daí terem que montar e desmontar tudo entre o início e o final
de cada treino ou jogo. E regressar “à base”!
Num "treino jogado" nas Terras do Desembargador Marcolino Bragança é (parece ser...) o Glorioso Futebolista que está a sofrer um empurrão, pelas costas, de um adversário de gorro (em primeiro plano) |
O secretário/futebolista Daniel Santos Brito a explicar, em 1950, a situação precária para treinos e jogos. "Corridos" de um lado para outro, nada os fez desistir |
Treinos e jogos
Os treinos até não começaram longe (entre Belém e Bom Sucesso)
mas a proximidade da linha de caminho-de-ferro entre o Cais do Sodré e Cascais, ao serem intimados, obrigou os nossos Gloriosos Pioneiros a deixar o local. Passaram a treinar no terreno onde se jogava. Melhor era! Melhor foi! Preparava-se
(alisava-se e “despedrava-se” o campo) a cada treino para que ficasse melhor
para cada jogo! Ficava era a uma distância três vezes maior. Com ida e volta
seis vezes mais. Com as “balizas às costas”!
Grande Marcolino. Por tua causa (no Verão
de 1907) ainda andamos à volta do Clube! E devido ao teu entusiasmo de uma vida
regressamos, em 2016, ao início do século XX!
(continua)
NOTA (às 12:47): Ainda este domingo vai a meio e já posso dizer que em termos de Benfica é o dia mais feliz que tenho desde a conquista do TRInta e cinco. Recebi da filha de Marcolino Bragança o seguinte comentário para o meu endereço electrónico pessoal:
Bom dia Dr. Alberto!
Já li o seu artigo em preparação e
Mais uma vez me emocionei.
Recordei já com certa nostalgia, o dia maravilhoso em que eu, a minha filha Coralie Meireles Stier, e o meu marido Ratko Bjelobaba ,
Guiados pelo fervoroso Benfiquista que é o Dr. Alberto,
Percorremos a senda de Marcolino Bragança, de Belém a Benfica!
Ligarei para si durante a semana.
Bom fim-de-semana.
Abraço fraterno de nós três!
Milita
Alberto Miguéns
NOTA: Espero que, com a explicação da importância de
Marcolino Bragança na Gloriosa História, seja possível fazer na próxima visita
a Portugal o que não pôde ser feito na última. Que consigam assistir à
conquista de um título de campeão nacional na “Catedral”. Mesmo com bilhetes
esgotados com antecedência. Merecem tudo. São descendentes do Marcolino. Do
Marcolino Bragança. Não são “gente qualquer”!
Que linda viagem ao passado. Que bela homenagem a um homem cuja sagacidade permitiu salvar um grande Clube.
ResponderEliminarMarcolino merece todo o carinho dos Benfiquistas. É lamentável a tacanhez e/ou ignorância dos que recusaram o acesso e o privilégio da companhia dos seus descendentes no dia do 35.
Como faz diferença uma visita guiada. O enquadramento e o conhecimento das coisas. esses lugares são mágicos.
Deve ter sido muito especial ouvir falar de locais durante décadas e agora ter a oportunidade de ver e estar nos locais.
Um belo serviço ao Benfiquismo! Parabéns Alberto! E obrigado pela partilha.
Caro VictorJ
EliminarAgradeço as simpáticas palavras.
Provavelmente estamos aqui, existimos, porque Marcolino se lembrou de ser simples, Ser Benfica, quando tudo parecia desmoronar-se.
Marcolino Bragança foi um grande entre nós. Não pelo tempo, golos ou jogos que fez. Mas pela dedicação que permitiu um futuro e muitas oportunidades para os outros.
Trisaudações Gloriosíssimas
Alberto Miguéns
NOTA: Consta na família que o regresso dele a São Tomé foi antecipado pois estava a ter fracos resultados na escola. É que ele tinha vindo para Lisboa por causa dela! Não era para perder anos lectivos, era para estudar...
Já tive o prazer de visitas guiadas pelo Miguéns, que me mostrou muitos "Templos" dos primórdios do nosso Glorioso.
ResponderEliminarFiquei mais rico no conhecimento e com a Chama Imensa ainda mais redobrada!!!
É sempre um enorme prazer ler as histórias dos primórdios do Benfica neste blog. Tenho aprendido imenso e o meu Benfiquismo aumenta a cada história que leio.
ResponderEliminarQuando o meu Benfiquismo nasceu, nos primeiros anos dos 70, já o Benfica tinha sido campeão europeu 2 vezes e ganhava tri-campeonatos a cada 4 anos.
Era já um gigante.
Conhecer a forma humilde como o clube nasceu e as histórias desses Homens que o fundaram e contribuíram para o elevar ao estatuto de um dos maiores clubes do planeta, emociona-me.
E percebo melhor a matriz popular do clube.
Se houvesse uma Bíblia do futebol, o versículo da génese do Benfica seria "Tu nasceste do povo e ao povo hás-de pertencer".
É pena nem todos os dirigentes do clube saberem honrar a sua história e honrar quem o engrandeceu (pelo que percebi os actuais dirigentes recusaram deixar a filha e neta do Marcolino Bragança assistir ao jogo do 35).
É pena! Mas só fica mal a eles, que episodicamente servem(-se?) o Benfica.
Uma dúvida se o Alberto me pode esclarecer.
O edifício da farmácia Franco ainda existe e pelo que percebi das fotos, onde existiu a farmácia existe hoje uma agência bancária.
O Benfica já alguma vez diligenciou no sentido de adquirir esse edifício? Não há interesse da parte do clube, ou há outras impossibilidades?
Desde já o meu obrigado.
Saudações Benfiquistas
CP
Caro
EliminarAgradeço as simpáticas palavras.
Em tempos (anos 80) falou-se nisso. Ainda havia a farmácia embora já encerrada. Depois instalou-se uma dependência da CGD. Aquele edifício é muito grande numa área cara (turística). Deve ser caríssimo. Pode sr que um dia a CGD decida encerrar as instalações.
Abraço
TriSaudações Gloriosíssimas
Alberto Miguéns
brutal momento.á BENFICA.obrigado alberto.nunca desista.
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