COMPLETAM-SE HOJE, 118 ANOS, DO NASCIMENTO DO INESQUECÍVEL CÂNDIDO DE OLIVEIRA, NA VILA ALENTEJANA DE FRONTEIRA
O treinador do Benfica, Ribeiro dos Reis (à
direita) entre o presidente do Benfica Joaquim Bogalho e o do FC Porto (Urgel
Horta) com o treinador do FC Porto, Cândido de Oliveira (à esquerda, de óculos),
no Estádio Nacional, antes da final da Taça de Portugal, em 28 de Junho de
1953, conquistada pelo Benfica após derrotar, por 5-0, a equipa do FC Porto
Olhando para o passado, há 61 anos (1953)
ou, há 84 épocas (1919/20), pode-se escrever acerca da coerência, liberdade,
responsabilidade, gratidão e reconhecimento. Ou seja, pode-se falar do Benfica
e de Benfiquismo.
Glorioso Capitão em 1919/20. Depois do campeonato e da Taça de Honra virou costas ao Clube. Os Benfiquistas - com o seu grande amigo Ribeiro dos Reis em destaque - nunca lhe perdoaram
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No final da temporada de 1919/20 o capitão
do Benfica, Cândido de Oliveira decide comunicar ao Capitão-geral e tesoureiro
da Direcção do Clube, Cosme Damião a decisão de deixar o Benfica para fundar
outro clube. Casapiano orgulhoso, com ele foram mais duas dezenas de
futebolistas, incluindo seis habituais na equipa que competia no escalão mais
elevado dos campeonatos. Dois futebolistas casapianos disseram não, mantendo-se
fiéis ao Benfica: Vítor Gonçalves e António Ribeiro dos Reis. E o dirigente
Cosme Damião também resistiu. Cândido de Oliveira sempre alegou que o que fez
em 1920 podia ter feito em 1919. Só não o fez porque em 1918/19 o Benfica não
foi campeão regional ao contrário de 1919/20. E ele ao sair queria deixar o
Benfica campeão. De qualquer modo o Benfica levou uma estocada impressionante - na qualidade
futebolística e principalmente no futuro competitivo do futebol - em duas épocas consecutivas. Em 1919 com a fundação do CF
"Os Belenenses", não tanto por saírem jogadores (apenas, Carlos
Sobral) mas por "secar" a fonte de recrutamento em Belém! Em 1920,
além de saíram futebolistas importantes (nas várias categorias) secou a segunda
"fonte", as equipas escolares da Casa Pia. O futebol do Glorioso
nunca mais seria o mesmo. E não foi!
Mestre Cândido
Cândido de Oliveira ao sair do Benfica no
verão de 1920 deixou para trás uma carreira com o Manto Sagrado impressionante:
8 900 minutos em 99 jogos, com 26 a capitão, em seis temporadas (1914/15 a
1919/20). E 27 golos para um futebolista que jogava no meio-campo. Com quatro
títulos de campeão regional (1915/16, 1916/17, 1917/18 e 1919/20) e vencedor da
Taça de Honra (1919/20). Estreara-se ao mais alto nível em 18 de Outubro de
1914. Um dos poucos que Cosme Damião acedeu não ter de começar pelas categorias
mais baixas. Além de tudo isto, e não é pouco, era a grande esperança de Cosme
Damião para liderar a equipa do Glorioso nas competições de âmbito nacional
cuja estreia se anunciava para breve.
Enorme Ribeiro dos Reis
António Ribeiro dos Reis dois meses mais
novo que Cândido de Oliveira chegou mais cedo ao Benfica mas estreou-se na 3.ª
categoria, em 2 de Novembro de 1913 (ainda Cândido de Oliveira debutava na equipa escolar da Casa
Pia). Apenas em 31 de Dezembro de 1914 teve estreia na 1.ª categoria,
igualmente o primeiro jogo do Glorioso que contou com os dois amigos, ambos
como avançados: Cândido de Oliveira a extremo-esquerdo e Ribeiro dos Reis a
interior-direito. Até na equipa se observava, ainda que "em caricatura", a ideologia de cada um:
Cândido de esquerda, militante que um dia foi parar à prisão do Tarrafal e
Ribeiro dos Reis um militar moderado, ainda que pensador livre e democrata.
Ribeiro dos Reis não teve percurso constante na 1.ª categoria, oscilando entre
esta e a 2.ª categoria onde fez mais jogos. Em 1917/18, os dois são
indiscutíveis titulares, com Carlos Sobral como capitão: Ribeiro dos Reis na
direita, a extremo ou interior, e Cândido de Oliveira a médio-esquerdo. Em
1918/19 Ribeiro dos Reis assume a 1.ª categoria e é o capitão, mas Cândido de
Oliveira devido a doença faz poucos jogos. Na época seguinte (1919/20) é o
oposto. Ribeiro dos Reis começa mal a temporada com Cândido de Oliveira a
capitanear o Benfica. Seria a última época com os dois no Benfica. Em seis
temporadas apenas 22 jogos, em simultâneo, na mesma equipa! Mas uma amizade eterna!
Sempre em encontro nas ideias e ideais
Os dois estiveram sempre de acordo nas
grandes decisões. Regressaram à mesma equipa de futebol, em 18 de Dezembro de 1921,
na estreia da selecção nacional capitaneada por Cândido de Oliveira (do Casa
Pia AC) com Ribeiro dos Reis (do SL Benfica) a avançado-centro. Foram depois
inseparáveis no jornalismo, mesmo em publicações diferentes, com crónicas a
favor da reorganização do futebol português. Foram seleccionadores de Portugal.
Ribeiro dos Reis prosseguiu como futebolista até 1926/27, já nas categorias
inferiores do SLB e em simultâneo foi notável Dirigente Benfiquista, ocupando vários
cargos, como capitão-geral e vice-presidente da Direcção (substituindo Cosme
Damião) a presidente da Mesa da Assembleia-Geral (onde também estivera Cosme
Damião). E foi treinador de futebol, em vários períodos de dificuldade, do Glorioso.
A nível profissional continuou a sua carreira na administração militar. Cândido
de Oliveira foi treinador de futebol em vários clubes de Portugal e do CR
Flamengo, no Brasil. Conquistou títulos em Portugal pelo Sporting CP (dois
campeonatos nacionais consecutivos e duas Taças de Portugal). Com a sua
expulsão de um cargo superior nos CTT (Correios, Telégrafos e Telefones) por
motivos políticos e prisão em Cabo Verde, entre 1942 e 1944, no Tarrafal, dedicou-se ao futebol, como treinador e jornalista, fundando
com Ribeiro dos Reis e Tavares da Silva, o jornal "A Bola" cujo
primeiro número surgiu em 29 de Janeiro de 1945.
2: António Ribeiro dos Reis; 3: Cândido de Oliveira |
Quis o destino e os desígnios do futebol
No final da temporada de 1952/53 encontraram-se em campos opostos no
Estádio Nacional. Ribeiro dos Reis a orientar o Glorioso e Cândido de Oliveira
como treinador do FC Porto. Ribeiro dos Reis "só" estava no cargo
pelo facto do treinador Alberto Zozaya contratado no início da temporada não
ter correspondido ao esperado. Ribeiro dos Reis não virou as costas, mais uma
vez, ao futebol do Benfica. E assegurou a transição até os responsáveis do
Benfica conseguirem um treinador com capacidade para fazer glória no Benfica.
Entretanto o tempo foi passando e o Benfica chegou à final da Taça de Portugal.
Do outro lado, do lado do adversário, do FC Porto, o amigo Benfiquista desde os anos 10, internacional português nos anos 20, jornalista nos anos 30, fundador do jornal "A Bola" nos anos 40 e colega jornalista no mesmo,
Cândido de Oliveira. Ribeiro dos Reis não teve dó nem piedade. Aplicou-lhe
"chapa cinco"! Cinco-a-zero do Benfica ao FC Porto, na final da Taça de Portugal, em 28 de Junho de 1953!
A Ficha na Polícia Política de Portugal (PVDE depois PIDE e a seguir DGS) |
Isto é Benfica
Consta que Cândido de Oliveira como
"amador da bola", antes de ser preso no Tarrafal e depois desta
prisão (1942/44) passando a "profissional da bola", como treinador
ansiava treinar o Benfica. O seu Glorioso. Ribeiro dos Reis era dirigente do Benfica
desde os anos 10, pois já aos 18 anos ocupara cargos nos Órgãos Sociais e assim
continuou até falecer em 1961. Cândido de Oliveira passada a "febre"
do Casa Pia AC continuou ligado ao futebol como "apátrida" até 1958,
quando faleceu (23 de Junho) em Estocolmo a fazer a cobertura jornalística do campeonato do
Mundo de futebol com a fase final disputada na Suécia. Consta que Ribeiro dos
Reis apesar do desejo do seu amigo Cândido de Oliveira em treinar o Benfica e
da necessidade do Glorioso em ter um bom treinador - Mestre Cândido era o
melhor em Portugal - nunca lhe disse que sim! Nunca! E várias oportunidades teve
para isso. Cândido de Oliveira percebia e entendia. Um dia, em 1920, virou as
costas ao Benfica fazendo-o penar no futebol durante os anos 20, sem títulos
regionais e nacionais conquistados. O Clube que nos anos 10 dominara o futebol
em Lisboa - oito títulos em onze épocas e mais quatro segundos lugares - e com
jogos e resultados notáveis em encontros particulares por todo o Portugal, frente
aos principais clubes nacionais ou a equipas de clubes estrangeiros em digressão pelo País, levou uma "coça" durante uma década. Entre 1919/20 (oitavo título de campeão regional) e 1929/30 (primeiro título no Campeonato de Portugal, primeira designação da Taça de Portugal). Para Ribeiro dos Reis o seu amigo Cândido de Oliveira decidira em liberdade,
sem entraves, em 1920 marcar o seu destino no Glorioso: Quem sai porque quer
não regressa por querer.
O Benfica, Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira
Juntar Ribeiro dos Reis e Cândido de
Oliveira ao Benfica, é conversar acerca de coerência, liberdade,
responsabilidade, gratidão e reconhecimento. Ou seja, é falar do Benfica e do
Benfiquismo.
A mais bela imagem do "Mestre". Cândido de Oliveira a honrar o Manto Sagrado
Alberto Miguéns
É com um certo aperto na garganta que se leio estas linhas.
ResponderEliminarPercebe-se a amizade que ligava estes homens e percebe-se também que tinham na grandeza da sua alma o sentimento de Ser Benfiquista de que o Alberto fala.
Estes dois homens eram verdadeiramente dois gigantes, em valores, em desportivismo, em coerência, paixão. Em Benfiquismo. Sim, porque pelo que o Alberto diz, Cândido de Oliveira não terá esquecido nunca o seu amor Benfiquista. Amor que apesar de arrefecido numa época em troca de outro amor nessa altura mais ardente, apesar de tudo nunca terá morrido.
Entende-se a posição de Ribeiro dos Reis. Para ele o Benfica era o amor de toda a vida. Militar, homem de fibra. Manteve a sua posição e valores até ao fim.
E que dizer de Cândido de Oliveira? Como treinador chegou a conquistar títulos pelo SCP... Profissional que serviu tantos outros clubes e nunca mais o Glorioso. Homem de talento e de grande inteligência. Presumo que terá muitas vezes percebido que para além do desafio profissional, a impossibilidade de treinar o Benfica ficaria sempre como uma notória lacuna na sua carreira.
Já o disse anteriormente, pelo pouco que sei relativamente à partida sem regresso de Cândido de Oliveira, essa perda terá sido não apenas ruinosa para essa década de 20 mas quiçá pelas décadas que se seguiram. O Benfica terá perdido um grande jogador, treinador, dirigente, pensador, executante. Um homem de talento e fibra que foi perdido para o nosso Benfica por causa de um outro amor: a Casa Pia.
Foi pena que assim tivesse que ser. Valores acima do coração. Ainda assim fica o exemplo da grandeza dos actos, pensamentos, e trajecto de vida destes dois gigantes.
Honra às suas memórias. De Homens e de Benfiquistas.
Saudações Benfiquistas
VJC
Caro Victor João Carocha
EliminarNobreza de carácter. Intocável.
Gigante no Honra. Valores que aprendera, como aluno, na Casa Pia e desenvolvera no SLB.
No Sporting CP até lhe chamavam melancia: verde por fora e vermelho por dentro.
Consta que um dia (4 de Novembro de 1945), um dirigente sportinguista, colocou em dúvida a sua honestidade. O SCP tinha de vencer o SLB, em "casa" deste, para poder manter a condição de se sagrar campeão regional (que não foi, pois o CF "Os Belenenses" conquistou o título regional).
Cândido de Oliveira disse aos dirigentes do SCP que depois da vitória se demitiria. Foi ao Campo Grande vencer o seu Benfica por... 4-0!
Quem tem os valores do Benfica "usa-os" mesmo contra o Benfica. Valores que Cosme Damião implantou no Clube.
Gloriosas Saudações Benfiquistas
Alberto Miguéns
Obrigado por este pedaço de História.
ResponderEliminar"Quem sai porque quer não regressa por querer." Pena que actualmente este lema tenha caído em desuso no nosso Glorioso (em especial no canal televisivo).
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