HÁ PRECISAMENTE CEM ANOS O NOSSO COSME DAMIÃO FEZ O
ÚLTIMO JOGO COM O “MANTO SAGRADO”: 26 DE FEVEREIRO DE 1916.
NOTA INICIAL: O texto de hoje é acerca da Gloriosa História, por isso, extenso ainda que tenha procurado intercalar várias imagens para tornar a leitura mais agradável
Jornal "O Sport de Lisboa"; 11 de Março de 1916; página 1 e 2 NOTA1: Texto atribuído a António Ribeiro dos Reis (cronista do jornal) |
Decidiu despedir-se antes do final da temporada. Num jogo
internacional, quando estava concluído – e conquistado – o campeonato regional
de Lisboa, mas faltava disputar ainda a Taça de Honra de Lisboa! E ele, no
Futebol, nada fazia por acaso. Foi um adeus pensado.
Percebia-se que a final estava a chegar
Cosme Damião tinha uma resistência invulgar. Desde que o
plantel da 2.ª categoria de 1906/07, para responder à debandada para o Sporting
CP dos principais futebolistas, assumiu inscrever-se no campeonato da 1.ª
categoria em 1907/08 fez 167 jogos, com 156 consecutivos, mas só não foram os
167 porque “falhou” um, o último da temporada de 1914/15, para “perceber” o
impacto da sua ausência na equipa. Como não gostou do que viu, manteve-se
durante mais doze encontros em 1915/16. Esta temporada ainda teria mais treze
jogos mas já sem contar com ele a jogar como médio-centro. Além destes 167
encontros, há ainda mais um jogo que até foi a sua estreia, ainda que
episódica, na 1.ª categoria, em 17 de Março de 1906, para substituir um
futebolista que não compareceu. A jogar na 2.ª categoria como médio-centro foi
fazer o lugar de José Cruz Viegas como defesa-direito. Há ainda outro jogo, em
10 de Junho de 1922 (daí Cosme Damião contar com um total de 169 jogos) mas que
terá história à parte!
1905: Cosme Damião e a tarimba na 2.ª categoria
Com 24 fundadores e inúmeros aderentes ao novo clube não foi
difícil o Grupo Sport Lisboa, através do seu “técnico-de-corolice” Manuel
Gourlade constituir duas equipas ou “teams” como se dizia e escrevia nesses
tempos em que o Futebol ainda era Foot-Ball. Logo nas primeiras presenças da
segunda equipa em campo surge Cosme Damião como médio-centro, embora a posição
em 1904/05 e épocas seguintes fosse designada por meia-defesa-central (da
tradução «half-back-centre»).
1906: Cosme Damião é escolhido em onze para a 1.ª categoria
Depois de muitos anos a jogar-se de improviso e
esporadicamente, ao ritmo de desafios e reptos, lançados em tertúlias e jornais
surgiu uma iniciativa louvável, por sugestão de um estabelecimento de venda de
artigos desportivos que também editava uma revista, a Casa Senna. Foi a
publicação “Tiro e Sport” que lançou e acompanhou o primeiro torneio “à séria”
para clubes, realizado em Lisboa, fazendo disputar um troféu, o "Bronze“
Viúva Alexandre Senna”. Nem todos os clubes existentes em Lisboa tiveram coragem
de se apresentar em campo para medir forças e mostrar o que valiam. O Sport
Lisboa não teve problemas e inscreveu-se. No dia do jogo, uma espécie de
meias-finais, em 17 de Março de 1906, foi necessário recorrer a um futebolista
da 2.ª categoria, para completar a equipa, o nosso “onze”. O escolhido foi Cosme
Damião para jogar como defesa-direito, algo de extraordinário ou talvez não. É
que o defesa-direito da 2.ª categoria era Henrique Teixeira, mas Manuel
Gourlade confiou mais no médio-centro dessa categoria para fazer o lugar. Ou
talvez Henrique Teixeira não estivesse disponível. E ainda havia mais dois
futebolistas que costumavam fazer esse lugar (defesa à direita) na 2.ª
categoria dessa temporada (1905/06): José Rosa Rodrigues e Leopoldo Mocho. Talvez
um dia se consiga saber com maior precisão o que se passou nesse dia um da vida
de futebolista, na 1.ª categoria, de Cosme Damião.
1907: Resistência e soluções
Uma
temporada depois, em 1906/07, já Cosme Damião na 2.ª categoria conquistara, em
Abril de 1907, para o Sport Lisboa um
troféu no torneio do Internacional (CIF) quando no verão se assiste à debandada
dos melhores futebolistas (oito da 1.ª categoria) para o Sporting CP. Entre
tantas dificuldades emergem os resistentes, com Cosme Damião a ter papel
decisivo na reorganização do Sport Lisboa optando-se por manter o clube activo
inscrevendo a equipa (plantel) da 2.ª categoria e os que restaram da 1.ª equipa
no campeonato de Lisboa para 1.ª categorias. O Sport Lisboa estava mais forte
porque soubera resistir quando tudo indicava que iria sucumbir.
1908 a 1915: Condução acertada com rumo e sapiência
Resolvida a componente desportiva (e futebolística) sempre o
fundamento do “Glorioso” até à actualidade não se “cruzaram os braços”.
Sabia-se que alguns dos motivos que levaram à debandada teriam de ser
resolvidos. O principal seria conseguir um campo privativo (evitando andar por
terrenos públicos a equipar e desequipar, a tomar banho e a fazer marcações a
cada jogo, o que já era obsoleto e até ridículo face aos avanços que outros
emblemas havia conseguido. Mas também a falta de organização preocupava. Ou seja
era necessário libertar para o futebol os futebolistas desobrigando-os de terem
tarefas de organizar e dirigir o Clube. O próximo passo foi dado com segurança.
Juntar o Sport Lisboa ao Sport Benfica, garantindo a autonomia do futebol e a
utilização pelos futebolistas dos principais símbolos do Clube fundado em 28 de
Fevereiro de 1904. Uma espécie de “Em Clube que vence (e é gloriosíssimo) não
se mexe”! E assim foi em 13 de Setembro de 1908, quando o campo da
Feiteira passou a ter futebolistas ilustres e de excelsa qualidade a
utilizá-lo. Com Cosme Damião a assumir cada vez mais protagonismo, até à sua
nomeação como dirigente e capitão-geral, em Maio de 1909, ou seja, responsável
por toda a actividade desportiva do Sport Lisboa e Benfica. Depois seguiram-se
anos atrás de anos, com Cosme Damião rodeado de outros associados cheios de
genica e boa vontade que criaram um Clube ímpar. Passo-a-passo. Degrau-a-degrau.
Estava em marcha o Benfiquismo. Até hoje. Até ao futuro!
1915/16: derradeira temporada
Depois de mais de uma década a “jogar à bola” Cosme Damião
decidiu “arrumar as chuteiras”. Tentou em final de 1914/15, não jogando no último encontro da
temporada. Não gostou do que viu. Havia um campeonato regional de Lisboa para
vencer na temporada seguinte (1915/16), pois o Sporting CP conquistara o título
pela primeira vez em 1914/15. Não podia arriscar novo desaire. O Benfica ficar duas temporadas
consecutivas a ver passar a glória. Havia que recuperar o “ceptro” de campeão
regional. Tinha de continuar a jogar para garantir maiores probabilidades e
fazer a integração dos futebolistas com valor que aceitara para o Clube no final de 1914/15.
E assim foi. Campeonato recuperado, Cosme Damião de despedida. Tinha 31 anos.
Valores excepcionais como futebolista
Cosme Damião era um estudioso do Futebol. E levava vantagem
considerável sobre todos os outros como mostrou quando foi publicado, em 1925,
o seu livro “Apontamentos e Recortes Sobre Football Association”. E levava
vantagem porque aliava à teoria, o conhecimento prático do jogo, a experiência
que acumulara como jogador, médio-centro, capitão de equipa e capitão-geral. E
tudo isto no Benfica. A vencer e conquistar. Não podia haver melhor. Tal como
descreve no livro podia não ter conseguido fazer tudo o que considerava ser o
“modelo”, mas quem o conheceu e viu jogar dizia que tentava, a cada jogo, fazer
mais e melhor do que conseguira no encontro anterior. Até que o peso da
veterania o derrotou. Como nos derrota a todos.
Jornal "O Sport de Lisboa"; 6 de Novembro de 1920; página 3 |
Jornal "O Sport de Lisboa"; 4 de Março de 1916; páginas 1 e 2 (colagem) |
Capitão-geral até 1926
“Arrumou
as chuteiras” mas não desleixou a dedicação e o
orgulho de ser Benfiquista. Continuou como capitão-geral a orientar os mais
novos, avisar os mais velhos, coordenar, equilibrar e orientar as equipas (eram
quatro categorias) de modo a fazer do Sport Lisboa e Benfica um clube cada vez
mais campeão, mais triunfador, mais forte, mais conhecido, mais popular, mais
atractivo para quem queria jogar futebol ou associar-se, pagando quotas, a uma grandeza que se
revelava imparável. Em 1926 o modelo estava esgotado, sem que Cosme Damião se
apercebesse. Mas o seu Benfiquismo criara raízes, permitindo que outros Benfiquistas de
gerações mais novas soubessem, no momento certo, tomar as decisões que se
impunham. E assim foi.
Águia de Ouro em 1935
Cosme Damião afastou-se desgostoso, em 1926, regressou em
1931 para presidir à mesa da assembleia geral até 1935 quando foi agraciado com
o galardão supremo do Benfiquismo que ele laboriosamente criara, com a “Águia
de Ouro”.
Morrer tranquilo em 1947
Depois de 1935 restaram-lhe uma dúzia de anos de vida.
Faleceu em 12 de Junho de 1947, com 61 anos de idade e 21 anos depois de ter “arrumado as
chuteiras”. Precisamente a data que assinalamos hoje. 26 de Fevereiro de 2016.
Cem anos depois! Obrigado Cosme Damião! Nunca te deixaremos ficar mal! Honrar-te-emos eternamente!
Impressionante Cosme Damião. Fez de um
clube igual a tantos outros o Maior Clube de Portugal!
Alberto Miguéns
NOTAS FINAIS:
História do Sport Lisboa e Benfica: 1904 - 1954; Volume I; Página 448; Mário de Oliveira e Rebelo da Silva; edição dos autores; Lisboa; Fascículo 11; 1955 |
2. Reproduções
das suas ideias: para o médio-centro (o que sempre foi) excepto no tal jogo de
estreia na 1.ª categoria, em 17 de Março de 1906 (jogou como defesa à direita)
e as características que um capitão deveria ter.
Entre as páginas 96 e 101:
Texto brutal! Um tributo rigoroso e de enorme reconhecimento à figura inigualável do maior de todos nós.
ResponderEliminarCosme nunca será igualado. Como reconheceu Cândido de Oliveira, Cosme fez do Benfica o maior Clube Português. E assim se manteve até aos dias de hoje.
Cosme foi um dos 24 fundadores. Foi um homem de berço humilde mas com a Alma superior, o coração generoso, e dotado de uma enorme capacidade de trabalho, foi o grande fomentador do mérito e do Desportivismo no nosso Clube. Foi a figura superlativa do Benfiquismo.
Cosme foi tudo no Benfica durante quase duas. Depois e apesar da morte do homem, a figura e o exemplo ficaram e ficarão. O clube vive e viverá.
Obrigado ao Pai do Benfiquismo. A ele é devido o nosso reconhecimento.
O Alberto faz-lhe aqui uma maravilhosa e muito merecida homenagem.
Obrigado.
Saudações Gloriosas!
Grande COSME. Não fora ele, estava eu agora órfão de clube!!!
ResponderEliminarQue dizer deste fabuloso trabalho do Miguéns? Nada, absolutamente nada, porque do Miguéns só se esperam estas cátedras!!!
Não me leve a mal que no meio desta bela homenagem a Cosme Damião me tenha chamado a atenção um pequeno pormenor logo no primeiro recorte de jornal, quando fala na cisão que se deu com o abandono de alguns futebolistas para o Sport Campo Grande. É exactamente este nome que me chamou a atenção porque nunca o tinha ouvido. Sempre ouvi e li que os desertores tinham ido para o Sporting clube de Portugal e nunca me tinha deparado com aquele nome de Sport Campo Grande. É engano do jornal ou existiu algum clube com aquele nome antes de se chamar SCP?
ResponderEliminarDe resto a homenagem e a história, mesmo sendo já conhecida, dá sempre um enorme prazer a ler.
Obrigado por manter os valores do Benfica bem vivos.
Caro J.P. Gonçalves,
EliminarÉ uma falha de memória ou gralha do jornal. O Sporting CP começou por se chamar Campo Grande Sporting Clube, mas em 1 de Julho de 1906 passou à designação actual. No Verão de 1907 já se chamava SCP.
Ainda bem que já conhecia a história? Era bom que TODOS os Benfiquistas a conhecessem. Já sabia que passavam hoje 100 anos do último jogo do nosso Pai com "Manto Sagrado"?
Saudações Desportivas
Alberto Miguéns
Obrigado pelo esclarecimento.
EliminarConhecia a história de Cosme Damião mas não de modo tão aprofundado. E é claro que não sabia que fazia hoje 100 anos sobre esse facto. Mas li o artigo todo e fiquei a saber isso e muito mais.
Cumprimentos.
Uma artigo épico e fabuloso que muito me emocionou.
ResponderEliminarO trabalho aqui legado pelo Miguéns é crucial para a identidade do nosso amado clube, transmitindo às gerações mais novas (onde me incluo) e néscias acerca da nossa gloriosa génese, algo que mais ninguém faz de forma tão premente e indelével.
O remate do artigo está genial e é entre aquelas páginas 96 e 101 que podemos ver com toda a claridade e eloquência a essência do homem que nos fundou e que transformou este clube no maior de Portugal e num dos mais respeitados do mundo, mas também os valores que norteavam aquele que inventou o benfiquismo.
Um forte abraço e nunca se canse de ensinar o que é o Benfica.
Caro Alberto Miguéns,
ResponderEliminarPermita-me que confesse alimentar um desejo de um dia ver produzido um filme de título "Cosme", acerca da sua vida e influência no período pré-Sport Lisboa até à sua carreira como treinador e sócio interventivo e dinamizador do Sport Lisboa e Benfica, com óbvio particular foco nos momentos fulcrais de 1907, mas também de 1926, com a mudança de direcção do clube, deixando em legado a sua indelével identidade.
Tenho de enfatizar, no entanto, que só quero ver esse meu desejo realizado com a condição de ser o Alberto Miguéns o consultor histórico para o filme, com absoluto poder de veto sobre os detalhes dos eventos incluídos! Muitos seriam os abutres que gostariam de se aproveitar de tal oportunidade para "gravar" em filme algumas mudanças históricas e até baptizar o título do filme de "Júlio"...
Quem sabe um dia alguém com poder e capacidade para isso me faça a vontade.
Grato!
Isaías
Sr.Alberto,essejogo com o Casa Pia foi em 1922?O BENFICA não fez uma digressão á Madeira por essa altura??Em que dias decorreram os jogos com o Montriond?????
ResponderEliminarOBRIGADO!!!!!!!!SAUDAÇÕES GLORIOSAS!!!!!!
Caro Benfiquista Amaral
Eliminar1. Confirma-se a data do jogo com o Casa Pia AC;
2. A digressão à Madeira foi em Abril como pode ler aqui:
https://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2016/09/sob-o-signo-das-primeiras-vezes-iii.html
3. Os jogos com o Montriond foram em 4 e 6 de Janeiro de 1916
Gloriosas Saudações
Alberto Miguéns