UMA GLÓRIA DO
GLORIOSO
AVISO: Texto acerca da história do "Glorioso" em 1913/14. Quem não gostar de
história é melhor esperar por outro dia!
ÁLVARO
GASPAR
Nascimento: 10 de
Maio de 1889
Primeiro jogo:
Desconhecido (por enquanto)
Primeiro jogo referenciado (3.ª categoria): 20 de Dezembro de 1908 (19
anos)
Primeiro jogo na 2.ª categoria: 24 de Outubro de 1909 (20 anos)
Estreia na
1.ª categoria: 25 de Setembro de 1910 (21 anos)
Último jogo na 1.ª
categoria: 1 de Março de 1914 (24 anos)
Último jogo com o
"Manto Sagrado": 11 de Abril de 1915 (25 anos)
Falecimento: 3 de
Setembro de 1915 (26 anos)
Funeral: 5 de
Setembro de 1915 (para o Cemitério da Ajuda)
Verão de
1913 (24 anos)
Origem da
digressão ao Brasil
Levar uma equipa de
futebol de Portugal para o Brasil no início dos anos 10 do século XX era, no
mínimo, audacioso. A viagem de barco (único meio de transporte) durava cerca de
14 dias. Morosa e cara. Por tudo isto demorou cerca de um ano a preparar. A
ideia partiu de um clube do Rio de Janeiro, o Botafogo FR em 1912 mas apenas se
concretizou no Verão português de 1913.
Estreia de uma selecção portuguesa (ainda que regional) no estrangeiro, no Brasil, nesta imagem no Rio de Janeiro Jornal "O Sport Lisboa"; página 4; n.º 4; 14 de Setembro de 1913 |
Não constava
da 1.ª convocatória. Passou a constar
Num tempo em que o futebol era amador nem sempre era possível conciliar
profissão, família e vida particular com o jogo! E muito menos com digressões
prolongadas.
Quem de 17
tira cinco ficam 16!
Dos 17
futebolistas inicialmente convocados houve cinco que não puderam aceitar
integrar a selecção da AFL: Picão Caldeira (guarda-redes do Internacional),
Jaime Cadete (defesa-direito do Sporting CP), António Rosa Rodrigues
(meia-direito do Sporting CP), Augusto Sabbo (médio-centro do Internacional) e
Gama Lobo (extremo-esquerdo do Internacional). Para dar forma à selecção foram
chamados quatro futebolistas: Augusto Paiva Simões (guarda-redes do SLB),
Amadeu Cruz (defesa-esquerdo do Sporting CP), Boaventura Belo (médio-esquerdo
do Internacional) e Álvaro Gaspar (meia-direita do SLB).
Selecção
equilibrada
Tendo em conta o
poderio dos clubes demonstrado nos últimos campeonatos regionais e tendo em
consideração que a selecção da AFL só contaria com portugueses houve equilíbrio
nas escolhas a que não será alheio um tempo em que não havia interesses
económicos nem empresariais. Apenas, e só, desportivos. Para capitão foi
escolhido Cosme Damião, capitão-geral do SLB campeão regional em 1912/13,
acumulando com o estatuto de representante oficial da AFL, função para a qual a
AFL disponibilizou 150$00 (75 cêntimos do euro). Eduardo Luís Pinto Basto foi
nomeado secretário do grupo.
Em 16, oito
do Sport Lisboa e Benfica
Com metade do
seleccionado recrutado no "Glorioso", os restantes oito repartiam-se
por dois clubes: Sporting CP com cinco (Amadeu Cruz, António Stromp, Francisco
Stromp, João Bentes e Cândido Rosa Rodrigues) e Internacional com três (Eduardo Luís Pinto
Basto, Boaventura Belo e Carlos Sobral). Uma selecção da AFL de tipo 8 + 5 + 3
= 16.
À chegada ao Rio de Janeiro. Álvaro Gaspar, ao centro, o terceiro a contar de baixo |
O
"treino", a viagem, os jogos e o regresso
A ida de uma equipa
de futebol ao Brasil foi um evento importante. Em 24 efectuou-se um jantar de
despedida no Hotel Francfort, em Lisboa. No dia seguinte o grupo escolhido pela
AFL derrotou, por 2-1, no campo do Lumiar, um misto de futebolistas. A partida
foi a 26 de Junho, pela tarde, a bordo do Drina, paquete da Mala Real Inglesa
com uma delegação composta pelos 16 futebolistas, Alberto Lima (presidente do
SLB e director do jornal "O Sport Lisboa" que fez a reportagem - que
tornam possível o texto de hoje! - fazendo a viagem à sua custa), Duarte
Rodrigues (repórter da revista Tiro e Sport, correspondente do Botafogo FR e quem um ano antes fizera a proposta à AFL para esta deslocação) e Mário
Duarte (futebolista aveirense que foi nomeado pelo Ministério do Interior para
acompanhar a equipa). A chegada ao Rio de Janeiro ocorreu às oito da manhã de 10
de Julho. Depois de sete jogos - quatro no Rio de Janeiro e três em São Paulo -
com deslocações entre as duas cidades de comboio, no "nocturno de
luxo", a delegação regressou ao Rio de Janeiro para em 28 de Julho receber
as últimas homenagens e os derradeiros agradecimentos partindo para Lisboa em 30 de Julho.
O barco que levou a primeira representação oficial do futebol português ao estrangeiro (Brasil) |
Sete jogos
no Brasil (quatro no Rio de Janeiro e três em São Paulo)
Álvaro Gaspar jogou
seis dos sete encontros, não actuando no 4.º jogo, no Rio de Janeiro,
frente ao Botafogo FR. Apenas quatro futebolistas - dois do SLB e dois do SCP -
foram totalistas com sete jogos. Álvaro Gaspar jogou quatro encontros como
avançado-centro e os dois primeiros, ainda no Rio de Janeiro, como
meio-avançado, primeiro na direita e depois na esquerda. A mostrar a sua
versatilidade como avançado, já que não tinha compleição física para ser
centrocampista, defesa ou guarda-redes. Mas como avançado era completo, por ser
rápido e tecnicista, podia actuar na meia ou na ponta em qualquer das alas, mas
também como avançado-centro por ter "instinto goleador". Mas no
Brasil não marcou nenhum dos seis golos da selecção portuguesa, obtidos por
Artur José Pereira (três), Carlos Sobral (dois) e António Stromp (um).
PARTICIPAÇÕES
DOS FUTEBOLISTAS DO "GLORIOSO" NA SELECÇÃO DA AFL EM DIGRESSÃO PELO
BRASIL
Futebolistas
|
Tot
|
Rio
de Janeiro
|
São
Paulo
|
|||||
(1)
|
(2)
|
(3)
|
(4)
|
(5)
|
(6)
|
(7)
|
||
Henrique Costa
|
7
|
DE
|
DE
|
DE
|
DD
|
DD
|
DD
|
DD
|
Carlos H.
Figueiredo
|
7
|
MD
|
MD
|
MD
|
DE
|
DE
|
MD
|
MD
|
Cosme Damião
|
6
|
MC
|
MC
|
MC
|
MC
|
MC
|
MC
|
|
Artur José Pereira
|
6
|
ME
(golo)
|
ME
|
MC
|
m.D
(golo)
|
m.D
(golo)
|
DE
|
|
José D. Fernandes
|
6
|
-
|
m.D
|
ME
|
ME
|
MD
|
ME
|
m.E
|
Álvaro
Gaspar
|
6
|
m.D
|
m.E
|
AC
|
AC
|
AC
|
AC
|
|
Luís Vieira
|
6
|
AC
|
AC
|
m.D
|
AC
|
m.D
|
m.E
|
|
Augusto P. Simões
|
4
|
-
|
GR
|
GR
|
GR
|
GR
|
NOTAS: (1) - Em 13 de
Julho, D 1-3 frente ao Misto inglês do Rio Cricket e Paysandu;
(2) - Em 14 de Julho,
D 0-1 frente aos brasileiros do Misto do Rio de Janeiro;
(3) - Em 17 de Julho,
E 0-0 frente à Liga Metropolitana de Sports Atléticos;
(4) - Em 20 de Julho,
V 1-0 frente ao Botafogo FR
(5) - Em 23 de Julho,
E 2-2 frente à Associação Atlética das Palmeiras;
(6) - Em 25 de Julho,
D 1-5 frente á equipa do Colégio MacKenzie;
(7) - Em 27 de Julho,
V 1-0 frente ao Clube Atlético Paulistano
Em 77
presenças - 11 futebolistas em 7 jogos - os benfiquistas tiveram... 48!
Se os futebolistas do
"Gloriosíssimo" representavam 50 por cento da Selecção, em campo
fizeram subir a percentagem para os 62 por cento. Quando se tem classe!
A delegação de Portugal (futebolistas da AFL) em São Paulo. Álvaro Gaspar em segundo lugar nos sentados, a contar da esquerda, na 3.ª fila a contar do primeiro plano |
Luís Vieira
depois de Francisco Santos
Seguiram de Lisboa 16
futebolistas portugueses mas só regressaram 15, pois Luís Vieira ficou pelo
Brasil "contratado" pelo Botafogo FR, sendo o primeiro português (que
se saiba) a jogar no Brasil e o segundo no estrangeiro depois de Francisco Santos jogar na SS
Lázio de Roma, em 1907/08. Se Francisco Santos quando regressou a Portugal foi jogar no
Sporting CP, Luís Vieira em 1916 regressou a Portugal e ao Benfica. Em 14 de Agosto de 1913 chegou esta delegação pioneira na representação oficial - ainda que de uma associação regional - do futebol português, a bordo do Orita da Mala Real Inglesa, entre o Rio de Janeiro e Liverpool.
A necessidade
de ter uma Federação
Esta representação portuguesa
no futebol fez perceber às entidades que dirigiam o futebol em Portugal a necessidade
de criar uma federação nacional que organizasse as selecções de futebolistas de
modo a fazer delas representações do País e não apenas de uma associação regional. Menos de um ano depois, em 31 de Março de 1914, estava fundada a
União Portuguesa de Futebol (UPF). Filiou-se na FIFA, provisoriamente, em 26 de
Agosto de 1914, definitivamente em 20 de Maio de 1923 e alterou o nome para
Federação Portuguesa de Futebol em 28 de Maio de 1926, mais uma vez
provisoriamente pois apenas em 3 de Dezembro de 1938 legalmente passou a ser
FPF com a aprovação dos Estatutos, pois até 1938 vigoraram os de 1914 da UPF. Mesmo "futebol à portuguesa". Trapalhadas e devagar, devagarinho...
Na viagem de regresso a bordo do paquete Orita, com Álvaro Gaspar em primeiro plano de chapéu (o primeiro, em baixo, a contar da esquerda) |
O que se
disse de Álvaro Gaspar no Brasil?
Nada. Apesar de haver
muitas e longas crónicas dos jogos e das actividades da delegação portuguesa no
Brasil vertidas para prosa nos diversos jornais do Rio de Janeiro e São Paulo,
Álvaro Gaspar não é referido, mas de Luís Vieira também não há referências e
ele ficou a jogar no Rio de Janeiro!
Depois do
Brasil - Verão de 1913 - adivinhava-se uma grande temporada para Álvaro Gaspar
em 1913/14! Ilusões!
Alberto Miguéns
NOTA: No ano passado, em 2013, esta efeméride centenária não
teve o destaque que deveria ter por parte da AFL. Passou despercebida. E não
merecia. É não perceber que só há este presente e perspectiva de futuro porque houve um passado!
NOTA FINAL: Por dificuldades técnicas - impossibilidade por
excesso de informação - para que resulte com eficácia (publicar fotografias e
documentos a ilustrar os textos) "A Vida Desportiva de Álvaro Gaspar Numa
Dúzia de Datas (entretanto 14!)"
está programada para os seguintes dias (coincidindo com efemérides relativas à
relação de Álvaro Gaspar com o Clube):
PUBLICADO
1. 01.Mar.2014 O
Último Jogo;
2. 05.Mar.2014 O Debutante;
3. 16.Mar.2014 O Crescimento;
4. 30.Mar.2014 A Resistência;
5. 09.Abr.2014 O Triunfo;
6. 10.Abr.2014 O Reservista;
7. 29.Abr.2014 A Titularidade;
8. 30.Abr.2014 A Internacionalização;
9. 06.Mai.2014 A Ficha;
10. 28.Mai.2014 O Brasil;
A PUBLICAR
11. 05.Jun.2014 A Derradeira Glória;
12. 03.Set.2014 A Última Época;
13. 04.Set.2014 O Funeral
14. 05.Set.2014 O Legado
Aquando do 100.º aniversário do seu falecimento, em 3 de
Setembro de 2015, conto fazer um "Especial" que junte os 14 textos e
mais algum ou alguns se entretanto os tiver feito!
Plano para Maio
Plano para Maio
(Previsão sempre à meia-noite):
De 28 para 29: O Calendário sem nexo ou talvez não...;
De 29 para 30: Centenário da Gloriosa Natação;
De 30 para 31: Futsal: SLB vs AD Fundão;
De 30 para 31: Futsal: SLB vs AD Fundão;
De 31 para 01: Atenção ao "Futeluso - versão 2015";
De 01 para 02: Eu Benfiquista no Museu do FCP by BMG (parte II);
De 01 para 02: Eu Benfiquista no Museu do FCP by BMG (parte II);
De 02 para 03: Gostava Tanto Que..;
De 03 para 04: Tanta e Tanta Glória (O golo onze mil);
De 04 para 05: Álvaro Gaspar (1913/14 - A Glória Final);
De 05 para 06: Hóquei em Patins: SLB vs FC Porto
De 04 para 05: Álvaro Gaspar (1913/14 - A Glória Final);
De 05 para 06: Hóquei em Patins: SLB vs FC Porto
Este é um capítulo fascinante em que se nota que a comitiva que era quase uma verdadeira seleção Portuguesa manteve uma digna representação. Do ponto de vista desportivo os jornais Brasileiros por vezes mostraram algum desapontamento nas exibições mas também as relativizaram com o cansaço, factor que devera efectivamente ter pesado. Fora de campo terá sido muito bem sucedido. Existem reportes de recepções e banquetes. Um dos participantes nesses eventos sociais foi o Dr. Bernardino Machado que logo em 6 de agosto de 1915 (e até 5 de dezembro de 1917 até ser deposto por uma junta militar encabeçada por Sidónio Pais) viria a ser presidente da Républica (teria um 2º mandato em 1925, destituído depois pela revolução militar de 28 de maio de 1926). Um presidente com pouca sorte.
ResponderEliminarMas voltando a esta digressão nota-se que a primeira convocaória tinha maior equidade na seleção de jogadores (mais 2 do CIF e mais 2 do SCP). foram então 16 jgadores embora Candido Rosa Rodrigues se tivesse lesionado durante a viagem. Felizmente que Álvaro Gaspar teve oportunidade para ir ao Brasil. Na sua curta vida esta experiência terá sido muito importante. Quem já foi ao Brasil sabe bem do fascínio que aquelas terras provocam e nesse tempo de pouca difusão mediática os contrastes seriam bem mais desconhecidos e coloridos.
A imagem da equipa do último jogo em São Paulo é muito cativante. Nota-se uma atitude tranquila e compentrada dos jogadores. Particularmente a atitude corporal de Álvaro Gaspar é muito tranquila. Pobre rapaz que tão trágico fim teve. Mas o Alberto a seu tempo falará nisso.
Cosme Damião pelo que percebi foi muito apreciado e teve uma postura digna de um capitão e de grande sentido diplomático.Notável para um homem com origens humildes mas que dotado do conhecimento que a Casa Pia lhe proporcionou, emergiu como um condutor de homens com grande visão e vontade. Tanto que lhe devemos...
Outro nome importante é Luis Viera. Mais importante do que se pensa. Foi um jogador de grande relevância e longevidade. Homem de Belém, vindo do tempo das Salésias acompanhou as mutações do clube. O sucesso ou não da sua experiência no Botafogo é para mim desconhecido. Foi precursor por muitos anos de Rogério Pipi. Luis Viera, descobri recentemente, foi em 1922 presidente do Clube de Futebol os Belenenses, fundado (ou cedo participado) por tantos ex-Benfiquistas ilustres, os manos Pereira, Henrique Costa, Bogalho, Rio, Veloso, Virgílio Paula, António Reis Gonçalves um fundador do Sport Lisboa que também foi presidente do CFB).
Um artigo notável. É claro que é possível que ainda venham a surgir mais alguns detalhes mas foi uma fortuna (ou uma sábia decisão) ter integrado pelo menos um reporter e varias outras pessoas que na comitiva tinham uma postura consciente da importância histórica desta digressão. Ficaram registos de enorme valor histórico. Mais uma vez o Alberto faz um excelente papel de divulgador daquilo que deveria ser amplamente divulgado pela AFL e pela FPF.
Muito obrigado por isso
Saudações Benfiquistas
VJ