...O Sport Clube de Benfica resistia e ocupava um espaço vago
deixado pelos partidários do "ditador de D. Carlos", João Franco, do
Partido Regenerador Liberal.
AVISO
PÉVIO: Texto longo acerca da Gloriosa História. Não aconselhável a quem não
gosta dela, não tem tempo ou prefere outros assuntos!
Primeira
Sede em Benfica
Mas deixemos contar a História quem ouviu muitas histórias do
passado Benfiquista ao longo da sua vida, e principalmente, conviveu e falou,
em finais dos anos 40 ou início da década de 50, com os protagonistas da mesma em 1908 - Mário
de Oliveira e Rebelo da Silva - que escreveram o seguinte: O regicídio
facilitou, inesperadamente, a ampliação das instalações do Grupo Sport Benfica,
com a mudança da Sede para uma casa mais ampla. O major Luís Carlos de Faria
Leal contou, numa entrevista publicada em "O Benfica", de 4 de Junho
de 1953, as condições em que se registou tal facto. Da citada entrevista
recortamos o seguinte passo. «Dera-se em 1908 (a 1 de Fevereiro) o regicídio, e
o Partido regenerador Liberal, de que o ditador João Ferreira Franco fora o
chefe, sumiu-se. Sucedia, porém, que alguns sócios daquele centro (Centro
Regenerador Liberal da Cruz da Pedra) que tinha a sua sede na Travessa do
Visconde Sanches de Baena, eram já (também) sócios do Sport Benfica. Fácil foi,
então, numa reduzida, senão simulada assembleia-geral - porque os franquistas
haviam abandonado, na retirada, armas e bagagens - através de uma acta
testamentária, considerar por herdeiro o Grupo Sport Benfica, que logo se viu
pomposamente instalado, com sala de bilhar e um decente mobiliário. O Benfica,
envaidecido então com a sua nova sede, tomou o pomposo nome de Sport Clube de
Benfica.» No decurso das diligências que tornaram possível a mudança da Sede,
foi a Direcção do clube autorizada a aceitar uma proposta do Centro Regenerador
Liberal da Cruz da Pedra (CRLCP), no sentido de ficar com todo o mobiliário do
antigo Centro, incluindo um bilhar em muito bom uso, em troca do pagamento das
dívidas da referida colectividade (CRLCP). Aceite a solução, o clube começou a
pagar os débitos, em prestações mensais de dez mil réis. E resolveu, entretanto,
em reunião de Direcção, modificar o seu título (nome), de Grupo Sport Benfica,
para Sport Clube de Benfica. (excerto das
páginas 77 e 78; 3.º fascículo; I Volume; História do Sport Lisboa e Benfica
1904/1954; Março de 1954). Tudo isto (e não foi pouco) se não foi em 15 de Fevereiro de 1908, há
precisamente 110 anos, andou lá próximo!
Junção em 13
de Setembro de 1908 (este blogue há-de assinalar os 110 anos)
Quando os associados do Sport Lisboa e do Sport Benfica
decidiram juntar-se, souberam separar o que havia a separar, juntar o que devia
ser unido, o emblema. Os clubes mantiveram a individualidade (que o tempo no
Futuro acabaria por anular): o Sport de Lisboa mantinha a organização do
Futebol com tradição - data de fundação, o "Glorioso" como epíteto, o
equipamento (camisola de flanela vermelha, calções brancos e meias pretas), a
base do emblema sobreposto no do Sport Benfica - e com destaque para a direcção
e supervisão dos plantéis de futebol, por Manuel Gourlade e depois Cosme
Damião, que permitia constituir quatro categorias. Se o Sport Lisboa tinha a
super-estrutura o Sport Benfica tinha as infra-estruturas: campo de jogos na
Quinta da Feiteira, Sede arranjada em Fevereiro de 1908, há 110 anos, e um
excelente núcleo de sócios endinheirados e prestigiados que permitia ao Sport
Lisboa e Benfica ter bons dirigentes com implantação económica e social no
bairro de Benfica.
Quinta da
Feiteira e "arredores"
O Sport Benfica alugara a Quinta da Feiteira para lá realizar
os seus aniversários e festas desportivas mas nunca conseguira organizar
plantéis que pudessem oferecer prestígio e dar glória ao clube. Mas com bons
dirigentes conseguiram fazer do terreno agrícola um bom espaço desportivo. Os
valiosos plantéis do Sport Lisboa (Belém) tinham o espaço, em Benfica, que
nunca conseguiram em Belém. Há a curiosidade da quinta não ter outra
infra-estrutura que não fosse o recinto de jogo num terreno que não sendo
público era de acesso fácil, daí guardarem os materiais necessários para fazer
treinos e disputar jogos numa arrecadação próxima, na calçada do Tojal, no topo
da qual, no Casal do Tojal, vivia um atleta que se tornaria famoso pelas piores
razões, Francisco Lázaro, que faleceu durante a Maratona nos Jogos Olímpicos de
Estocolmo, em 1912, depois de representar o SLB em 1911.Recibo da transferência dos bens de uma Sede para outra. Digitalizada na página 126 da citada História do Clube |
Segunda Sede
em Benfica
No decurso de 1909 percebeu-se que a renda de 105 mil
réis/ano era incomportável. A Sede era óptima mas enfraquecia as finanças do
Clube. Havia que procurar um local mais modesto embora o Clube quisesse ir para
a principal rua do bairro, a rua Direita de Benfica. e assim foi. Em 1 de
Janeiro de 1910 já havia Sede Nova. Por um preço mais acessível: 60 mil réis/ano.
Terceira
Sede em Benfica
A temporada de 1909/10 foi a melhor de sempre no Clube até
essa data. No Futebol, depois do tricampeonato dos ingleses do Carcavellos Club,
o Benfica não só conquista o título na primeira categoria como faz o pleno com
as conquistas na 2.ª e 3.ª categoria. Na forja sentia-se que se estava a reunir
um valioso conjunto de velocipedistas (Ciclismo) e pedestrianistas (Atletismo).
O Clube tinha já uma pujança muito forte e isso reflectia-se no aumento do
número de associados e entre estes os que ambicionavam representar o Clube. A
Sede era muito pequena para tanta grandeza. No Relatório da Direcção, publicado
em 31 de Dezembro de 1910, o secretário (Almeida Guimarães) escreveu o seguinte a propósito da Sede: «Luctou deveras esta
Direcção para dotar o Club com uma casa digna da nossa agremiação e que
satisfizesse absolutamente às nossas necessidades. Não fomos felizes durante
alguns mezes, porém ao retirar-nos, deixamos aos nossos sucessores a glória de lhes
legarmos uma séde embora modesta, mas com as necessidades que requer o nosso
genero de Sport com casa para banho, vestiarias, salas para bilhar e outros
jogos. Muito agradecemos a todos os sócios que nos auxiliaram n'esta cruzada,
que se tornaria impossível, sem a sua valiosa ajuda». A Direcção
presidida por Alfredo Luís da Silva resolvia o assunto alugando um espaço mais amplo uns
metros mais à frente, em direcção ao campo da Feiteira.Uma palavra de apreço para o Benfiquista Alfredo Alexandre Luís da Silva
Foi presidente apenas um mandato, entre a tomada de posse em 22 de Fevereiro de 1910 e a tomada de posse, em 2 de Abril de 1911, da Direcção presidida por António Nunes de Almeida Guimarães que fora "seu" secretário na Direcção anterior. Alfredo Alexandre Luís da Silva a par de outro presidente, João José Pires, era um "filho bem sucedido de Benfica" onde criara riqueza como negociante agrícola e comercial. Alexandre Silva como vice.presidente de João José Pires no Sport Clube de Benfica (eleitos em 28 de Junho de 1908) foi dos mais entusiastas na junção com o Sport Lisboa. Nas quatro actas que trataram da junção, consumada em 13 de Setembro de 1908, apesar de ser do SCB parecia mais ser um "velho adepto" de Belém tal o modo como aceitava as propostas de Cosme Damião/Félix Bermudes e as defendia perante os seus pares da Direcção. Depois foi sempre defensor que de futebol percebiam os do Sport Lisboa. Quando foi presidente continuou a dar a Cosme Damião (que naturalmente foi seu vice-presidente) toda a autonomia para tratar das questões desportivas como lhe permitiu ter condições únicas. Resultado? Antes resultados. O Benfica fez o pleno ao conquistar os três campeonatos da Associação de Futebol de Lisboa. Cidadão de Benfica não acompanhou o Clube, como dirigente dedicado, nas andanças pela Baixa da cidade, mas depois foi essencial pata o retorno do Benfica ao bairro, estando nas negociações para anexar o "Desportos de Benfica" e a sua magnífica Sede. Acabou por ir viver para Faro onde fundou uma das primeiras filiais do "Glorioso", o Sport Faro e Benfica. Um ano como presidente, mas tal como em muitos aspectos das nossas vidas, os mandados também "não se medem aos palmos". Por vezes é melhor pouco e bom, que muito e mau.
Adeus Benfica!
Olá Baixa de Lisboa
Mas o crescimento imparável do "Glorioso" a todos
os níveis - desportivo, associativo e social - obrigou a rasgar horizontes. Um
ano depois o Benfica inaugurava uma Sede no centro da cidade por onde andou de
prédio em prédio até perceber que havia na avenida Gomes Pereira um edifício
que tinha tudo para prestigiar o Clube. Em 1917 estava no tempo certo de deixar
esses espaços acessíveis mas exíguos devido às rendas caras. Na Baixa ficaria
uma Secretaria - também obrigaria o Clube a alugar vários edifícios até
assentar na rua Jardim do Regedor - mas em espaços que desdobrariam os
serviços, principalmente aqueles que necessitavam de maior proximidade e
acessibilidade: inscrições de associados e atletas, pagamento de quotas e
gabinetes para dirigentes.
E o campo
também mudou de Benfica para Sete Rios
Com o senhoria a pedir uma exorbitância para renovar o
contrato de arrendamento de uma parcela na vasta Quinta da Feiteira coube a
Cosme Damião, através da Casa Palmela, encontrar um espaço agrícola que
permitisse a construção de um campo. E o Benfica iria conseguir ter pela
primeira vez bancadas num dos lados do seu campo de jogos, na Quinta Nova, com
entrada pela estrada de Palhavã, junto ao apeadeiro de Sete Rios na linha de
caminho de ferro que nesse tempo era a mais importante pois os comboios partiam
e chegavam ao Rossio (estação central).
E o Benfica
ainda voltaria a Benfica...
Em 1 de Dezembro de 1917 para inaugurar uma Sede, na avenida
Gomes Pereira, até 31 de Julho de 1981 e em 11 de Novembro de 1917 para ter um
campo de Futebol atrás da Sede, na Quinta de Marrocos até 1921 e rumar às
Amoreiras para nunca mais voltar, embora actualmente não esteja longe...
Peregrinações
pela rua Direita de Benfica
O Benfica entre 1908 e 1912 viveu essencialmente em torno da
rua Direita de Benfica, sempre à procura das melhores soluções, quase a fazer a
quadratura do círculo...bom e barato.
Todos os recursos eram poucos
Para angariar receitas e promover socialmente o Clube em Benfica e na cidadeEnigma e dúvidas esclarecidas mais de 70 anos depois
Carrega Benfica a «casa às costas». Como não amar este Clube?!
Alberto Miguéns
NOTA (a
propósito do emblema do Grupo Sport Benfica depois Sport Clube Benfica): Alguém
pensa que lá pelo facto das fotografias serem a preto-e-branco, bem como os
jornais e revistas do "antigamente" também o serem, o Mundo e a
realidade não era tão colorido como na actualidade? Fazia algum sentido um
grupo criar um emblema a preto-e-branco quando até os brasões eram amplamente
coloridos? Se isso ocorresse seriam muito limitados com uma falta de imaginação
tremenda! Era um clube sem simbologia, pois as cores têm sempre uma razão de ser ao evidenciarem as componentes emblemáticas. Nem sequer consigo imaginar pioneiros do Clube assim tão desprovidos de imaginação e conhecimento! Não conheço
emblemas a preto-e-branco a não ser que sejam emblemas muito simples e os
clubes equipem de branco-e-preto. O que não se sabe (ainda não se sabe) é quais
eram as cores e o modo como estavam compostas no emblema! Mas este não era, de
certeza, o emblema do Grupo Sport Benfica. Aliás é um emblema branco em que os seus componentes são linhas a preto para se individualizarem uns dos outros. Era a «base» do emblema!
Este é um artigo excepcional. Para quem trabalha com a matéria dos Deuses ou seja com a Historia do SL e Benfica, fica claro o enorme trabalho de pesquisa, dedução e estruturação da informação. O resultado é um belo e muito informativo artigo sobre uma época delicada e fundamental para o crescimento do nosso Clube.
ResponderEliminarTemo que este edifício que poucos associam à primeira sede, não resista muito tempo à voragem do urbanismo.
Já o edifício da a terceira sede parece bastante bem cuidado.
Seria interessante que para lá do louvável cuidado com o acervo, Taças incluídas, também houvesse receptividade para aceitar a sua propsta de colocação de placas nos edifícios que ainda estão de pé. Ficariam todos a ganhar inclusivamente os proprietários que veriam valorizados os seus imóveis.
Um belo roteiro informativo e grafico das primeiras sedes. Uma bela leitura e um soberbo trabalho de investigação.
Muito obrigado!
A missa desta meia-noite, tem uma homilia repleta de história. História da boa!!!
ResponderEliminarNeste lugar, venho sempre aprender! Seria, arrisco a designação, de utilidade pública que a BTV investisse um pouco mais neste tipo de conteúdos. Muito obrigado pela partilha!
ResponderEliminarMais uma aula maravilhosa Alberto-
ResponderEliminarComo sempre... Grato! Muito grato!
Saudações TETRAGloriosas
PS: Aguardo pelo afastamento do tal que ainda não foi afastado. ;)
Fantástico post! Muito obrigado :)
ResponderEliminarOptimo.
ResponderEliminarFantástico artigo, como todos os relacionado com a gloriosa história do nosso clube.
ResponderEliminarObrigado.
Belíssimo artigo para aprendermos mais sobre a nossa Gloriosa História!
ResponderEliminarO tal do jantar maravilha não será o que distraidamente e sem querer se locupletou de uns míseros dinheiros de um concerto?
ResponderEliminarCaro AM o senhor não é um adepto do clube, o senhor é uma instituição, se há crime imperdoável é o seu contributo não estar disponível directamente através das plataformas do clube.
Mas provavelmente tal se deverá á sua reconhecida dificuldade em dobrar a espinha.
Eu tenho orgulho do meu clube ter uma personalidade como a sua.
Muito obrigado.
Viva o Benfica!
Excelente post, como de costume.
ResponderEliminarAlgo que me faz pensar como seria o clube nesses tempos, é a distância entre os locais por onde passou. Falamos do início do século XX, numa altura com poucas vias de comunicação e provavelmente com escassez de transportes, já para não falar em automóveis, que devia ser coisa rara.
Mas o Benfica juntou gente de Belém e Benfica... O que hoje parece perto, na altura devia ser bastante longe. Como seria a deslocação dos primeiros atletas, oriundos da zona de Belém, ou da zona mais ribeirinha, para a zona de Benfica?
Seria fácil a deslocação de sócios e adeptos quando a sede mudou para a Baixa?
Como foi possível manter a fidelidade desta gente toda, num clube que andou durante tantos anos com a casa às costas?
Só uma coisa explica isto, a meu ver: GRANDEZA.
Que nunca na vida, alguém que esteja à frente do clube, faça algo que envergonhe todo este passado. Não é pedir muito, digo eu...
Não sei se isto será publicado, mas não só queria agradecer, Muito, ao autor do Blogue, como dizer que, habitei aquele r/c onde foi a sede em 1910, (praticamente nasci la) entre 1963 e 1968... Os meus pais conheceram-se lá, jovens, e para lá casaram, em Junho de 1960... Fantastico! O meu pai, Benfiquista fanático, no entanto, nunca soube disto, acho, senão teria-me contado. Muito bom, muito Obrigado!
ResponderEliminarCaro
EliminarDesde que não ofenda "terceiros" tudo é publicado. Eu ainda vi esse prédio em ruinas quando fui viver para Benfica, em 1987.
Saudações Gloriosas
Alberto Miguéns
Muito Obrigado pela publicação. Eu não sabia era se tinha conseguido enviar o comentario. Pois, esse predio desapareceu, como quase todos, e já so restam poucos com memoria dele, como eu. mas na verdade ainda me recordo tambem da então primeira sede, uma velha casa apalaçada.
EliminarGrsnde abraço, Benfica, sempre!