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21 junho 2017

Treinador Biri: A Excepção Que Confirma a Regra

21 junho 2017 4 Comentários
ENQUANTO PROCURAVA CUMPRIR A PROMESSA PARA HOJE TROPECEI NUMA FANTÁSTICA ENTREVISTA A BIRI (EM 1971).


Entrevista relacionada com o seu regresso ao Benfica. Logo ontem que se cumpria o 74.º aniversário da obtenção da primeira "dobradinha" (que pontaria) precisamente por Biri. Conquista do título de Campeão Nacional em 16 de Maio de 1943 (Coimbra) e conquista da Taça de Portugal, em 20 de Junho de 1943 (Lisboa, estádio das Salésias, com vitória por 5-1, frente ao Vitória FC Setúbal).

Podia ter cumprido a promessa
De publicar as primeiras vezes da advertências e expulsões, sem e com cartões amarelos e vermelhos. Mas não era a mesma coisa. É que tendo já fotocópias muito sumidas (com mais de uma década) rumei à Biblioteca Nacional para conseguir digitalizações legíveis. Azar. A máquina avariou. Entretanto, à procura de notícias acerca dos primeiros cartões amarelos e vermelhos mostrados aos Gloriosos Futebolistas, tropecei numa entrevista a Janos Biri que sabia existir mas da qual me esqueci, nos anos 80, registar a data! Não vou deixar de cumprir a promessa de ontem - ainda que limitado - numa NOTA FINAL.

Honrar Um Ás Que Nos Honrou o Passado
Janos Biri é um dos cinco melhores treinadores do Benfica, mas é muito mais do que isso. Foi uma dedicação, daí ter regressado ao Clube em 1971 depois de ter saído em 1947. Entre 1939/40 e 1946/47 conseguiu ser Bicampeão, conquistar um terceiro campeonato nacional, três Taças de Portugal (duas consecutivas), com a "dobradinha" no Bicampeonato, mais um campeonato regional e um Bicampeonato de Juniores, os dois primeiros títulos na categoria para o "Glorioso". Faleceu, praticamente, como funcionário do Clube, já como técnico do Futebol Juvenil, aos 82 anos, em 29 de Março de 1983.

Dava muita importância aos jovens
Nisso foi um pioneiro em Portugal. Escrever acerca de Janos Biri era estar aqui sete dias a fazer sete capítulos. Vou apenas fazer o destaque menos habitual - o pioneirismo de apostar nos jovens - deixando a importância dele no Glorioso Futebol (equipa de Honra) para outra ocasião. E deixo depois a entrevista esquartejada do jornal "Mundo Desportivo" que é bom recordar, era naquele tempo uma folha (duas páginas) com um tamanho de "lençol". E a entrevista a Biri merece destaque na página principal, ocupa toda a última página (dez) e termina na penúltima (nove).

JANOS BIRI E O BENFICA EM COMPETIÇÃO  
Épocas
Honra
Reserva
2.ª c
Juniores
CR
CN**
TP***
CR
IID
CR
CR
CN
39/40
10
4.º
4
2.º
-
20
2.º
NA
40/41
2.º
4.º
MF
16
-
2.º
2.º
ND
41/42
2.º
4
QF
2.º
1/4
21
2.º
NA
42/43
2.º
5
5
17
2.ºs
22
ND
ND
43/44
2.º
2.º
6
2.º
-
23
1
1
44/45
2.º
6
MF
18
-
24
2
2
45/46
4.º
2.º
QF
6.º
-
2.º
2.º
1/2
46/47*
2.º
2.º
ND
3.º
-
25
2.º
NA
NOTAS: * Deixou o clube em 23 de Março de 1947 (final da primeira volta no Campeonato Nacional da I Divisão); ** Os três primeiros (1935/36, 1936/37 e 1937/38) designados "campeonatos da I Liga"; *** Os três primeiros (1929/30, 1930/31 e 1934/35) designados "campeonatos de Portugal"; Até 1946/47 os clubes eram apurados para o campeonato da I Liga ou II Liga/campeonato nacional da I Divisão ou II Divisão através das classificações nos campeonatos regionais; Em 1942/43 e 1943/44 a Reserva participou no campeonato Nacional da II Divisão; NA - Não apurado; ND - Não disputado

Rejuvenescimento da equipa de Honra
Campeão em 1941/42 (e o Benfica vencera o último campeonato em 1937/38) podia ter sido conservador e maquilhar o plantel para a temporada seguinte. Mas não! Janos Biri foi bem ousado e tal permitiu-lhe conquistar não só o Bicampeonato em 1942/43 como fazer a "dobradinha" nesta temporada voltar a conquistar a Taça de Portugal pela segunda vez consecutiva em 1943/44 (com recorde de goleada ainda hoje, ao bater por 8-0, o GD Estoril Praia) e conquistar mais um título de campeão nacional, em 1944/45. E que fez ele de 1941/42 para 1942/43? Deu mais experiência à defesa com o recuo de César Ferreira para defesa-esquerdo. Mais qualidade técnica ao meio-campo com a entrada de Alcobia para médio-direito. E...principalmente rejuvenesceu a linha avançada "trocando" Francisco Rodrigues (nascido em 1914) por Julinho (de 1919) e Valadas (de 1912) por Rogério "Pipi" (de 7 de Dezembro de 1922)!



Um treinador com ampla visão de todo o Glorioso Futebol
A chegada de Janos Biri (depois João Biri quando adquiriu a nacionalidade portuguesa) coincidiu com a expropriação do estádio das Amoreiras, em 1939. Todo o Glorioso Futebol se ressentiu da falta de um campo até à inauguração do Campo Grande, em 5 de Outubro de 1941. Mesmo assim Biri deu um novo impulso ao trabalho junto dos jovens futebolistas. Não eram apenas miúdos em contacto com o Futebol. Biri assistia aos treinos e quando podia orientava mesmo os jogos. Joaquim Macarrão que jogava na Reserva e na 2.ª categoria dizia que Biri tinha um apreço tão grande e intenso por qualquer categoria. Para ele era sempre o Benfica que jogava. A equipa de Honra era importante, mas as restantes equipas também. O Benfica esteve mesmo muito próximo de conseguir uma proeza inédita. Durante duas temporadas (1941/42 e 1942/43) as categorias de Reserva dos clubes da I Divisão puderam disputar a II Divisão. Em 1941/42 o "Glorioso" registou apenas uma derrota frente ao GD Estoril Praia que depois se sagrou campeão da II Divisão. O Benfica só cedeu no prolongamento (D 2-3), apesar desses quartos-de-final se disputarem na Amoreira, na situação de jogo, a uma mão, no terreno do adversário. Com azar no sorteio e com dois futebolistas influentes lesionados o Benfica, treinado por Biri, esteve muito perto de sagrar-se campeão nacional na I e na II Divisão na mesma temporada. Na segunda temporada (1942/43) classificou-se em segundo lugar na sub-série em igualdade pontual com o FC Barreirense que passou à fase seguinte. Para ser...campeão da II Divisão. Duas participações do "Glorioso" com a categoria de Reserva no segundo escalão, duas vezes eliminado pelo vencedor da competição!

Biri conquistou um Bi entre dois domingos, em duas jornadas memoráveis no estádio das Salésias: Nacional de Juniores (ao FC Porto), na manhã de 21 de Maio de 1944 e Taça de Portugal (ao GD Estoril Praia), pela tarde (18:30 horas) de 28 de Maio. Biri (treinador) junto aos seus futebolistas que alinharam na final como se segue:
Armindo;
Fernandes (futuro campeão latino em 1950) e Soares;
Horácio, Azevedo e Américo;
Terreiro, Sousa, Martins (1 golo na final), Guedes e Lucas (2 golos na final)
Jornal "Sport Lisboa e Benfica"; 2 de Junho de 1945; primeira página

O Bicampeonato de Juniores
A forma meticulosa como Biri orientava o futebol fez desenvolver muito a categoria de Juniores, que de eterno segundo no Regional de Lisboa (só o primeiro era apurado para o Nacional) conquistou um Bicampeonato Regional e Nacional, em 1943/44 e 1944/45. Os dois primeiros títulos da "Formação" do Clube. O modo como Biri tratava os jovens futebolistas causava admiração. Um pedagogo para formar atletas e Homens. Um mestre na pedagogia antes de alguém se preocupar, no futebol português, com tal ideia! 

O Regresso em 1971
Se os guarda-redes têm fama de não "darem bons" treinadores por serem medrosos e cautelosos em demasia defendendo com muitos jogadores em vez de defenderem com a equipa, Janos Biri é bem uma excepção a essa regra ou "ideia-feita". Afastado do Benfica, por Joaquim Ferreira Bogalho, desde 23 de Março de 1947, regressou ao "seu" Benfica para acompanhar a formação e procurar talentos jovens nas muitas equipas dos inúmeros clubes que disputavam competições em Lisboa e arredores.

A entrevista em 1971
Com a dupla Borges Coutinho (presidente da Direcção) e Jimmy Hagan (treinador do Glorioso) o Benfica viveu um dos seus períodos mais deslumbrantes. Sem gastos excessivos (pelo menos o plantel com as digressões, bons jogos e receitas pagava-se a si próprio) o SLB não queria transaccionar futebolistas e a legislação de trabalho dos futebolistas (Lei da Opção) ajudava a esta política. O plantel de quase trinta futebolistas - a dividir pela categoria de Honra e Reserva - permitiu dominar o futebol em Portugal. Mas havia uma limitação. O "Glorioso" só podia jogar com futebolistas portugueses. Era preciso ter gente com conhecimentos e Benfiquismo para chegar primeiro sem grandes alaridos aos jovens futebolistas que mostravam ser o futuro da modalidade...a falar em português. Biri veio para ajudar. 







Já não se fazem entrevistas assim (misto de saudosismo e compreensão). Também já não há leitores como "antigamente"!


Quanto ao que verdadeiramente interessa. Biri foi um treinador. Aliás...Biri é um treinador muito mais importante na Gloriosa História do Futebol do que se pensa. Como ficou bem explícito ao longo deste longo texto. Para além da dedicação ao Clube! Irrepreensível!

Obrigado João Biri

Alberto Miguéns


NOTA FINAL: Como não consegui as digitalizações (por avaria da maquinaria) fica para um dia destes o «Lado B (mas necessário) na Gloriosa História» com as datas e ocorrências disciplinares referentes ao Benfica devidamente documentadas até porque muito há a dizer:
A primeira advertência (por dedução) a César de Mello, em 1 de Janeiro de 1905;
A primeira expulsão a Álvaro Corga, em 27 de Fevereiro de 1910;
A primeiro cartão amarelo a Victor Batista, em 28 de Agosto de 1971;
O primeiro cartão vermelho a Humberto Coelho. em 29 de Agosto de 1971
4 comentários
  1. Guarda-redes da selecção Húngara dos Jogos Olímpicos de 1924 onde também esteve Béla Guttmann. Naquela equipa dois génios do nosso futebol. Dois dos cinco melhores treinadores do SLB.

    Como é possível que um homem nascido em terras tão distantes e que percorreu tantos países e "futebóis", tenha interiorizado o Benfiquismo de forma tão intensa?

    A resposta está no que é o Benfiquismo. O Benfiquismo é transversal, o Benfiquismo não está acantonado num regionalismo, nem sequer numa Portugalidade ou mesmo numa Lusofonia. É transversal, toca os homens bons, aqueles que percebem a nobreza do Ideal, a honra da disputa, a dignidade da competição, o respeito pelo oponente, o reconhecimento e carinho pelos nossos atletas. Toca-nos pelo ilustre passado, pelo fascinante presente, pelo promissor futuro. Sente-se, entranha-se, fascina e molda para sempre a nossa vida. János Biri foi bem o exemplo disso.

    como o Alberto nos conta, vindo de longe, com referências sociais e culturais tão distintas, János Biri chegou ao Norte de Portugal e só alguns anos depois chegou finalmente ao nosso Clube. Por cá compreendeu, deixou-se fascinar, amou e amou tão fortemente durante oito anos o nosso Clube. Tanto que se tornou o Clube dele. Um Amor que ficou para o resto da sua vida foi mais um ilustre Benfiquista. Que bonita foi essa frase: "Quando estive no Benfica "nasci" para o Benfica". E depois quão respeitoso foi aquele silêncio acerca das motivos para a sua saída do SLB findo o seu primeiro período no Clube. O Benfica está por cima de qualquer conflito entre os homens que o servem.

    E ainda bem que regressou. Com 82 anos morreu de Águia ao peito a ensinar futuras gerações de Benfiquismo. Ele, de coração nobre, de enorme sabedoria futebolista, de tão rica experiência de vida, ele podia com toda a propriedade ensinar o Benfiquismo. Nobre Águia vinda de terras de Átila. Nobre Ás do passado.

    Excelente artigo do Alberto. Tão justo e tão bonito pois que nos relembra o tanto que temos de agradecer ao grande János Biri.

    Obrigado.

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  2. Agora compreendo porque o considerou um dos cinco melhores treinadores. Para além do largo tempo e dedicação ao clube, também ajudou a tornar o Glorioso maior do que era antes da sua entrada.

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  3. Caríssimo,

    Mandaram-me para aqui, e este é um lugar mais seguro, aqui não há ácaros, nem jornais carcomidos pelo tempo.

    Vou observar quantos treinadores húngaros, foram Campeões Nacionais em Portugal (são mesmo muitos), desde miudo, o meu falecido Pai falava-me nos mágicos magiares.

    Não sabia que o Nelo Barros jogou, e foi Campeão na década de 40 no Benfica de Biri. Fez belos trabalhos no Norte como treinador, no seu Fafe construiu belas equipas. Na 1ª presença do Vizela na I Divisão, foi o falecido Nelo Barros o treinador dessa primeira promoção do FC Vizela à I Divisão.

    Muito obrigado, caro Alberto, isto é mesmo serviço público!

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  4. O Benfica teve 5 cinco treinadores húngaros, e todos foram Campeões: Janos Biri, Lippo Hertzka, Bélla Guttmann, Lajos Czeiler, e Lajos Baroti (deste recordo-me bem, nomeadamente uma Meia Final da Taça das Taças, com o Carl Zeiss Jena, com golo do "bem-bom" ), 5 treinadores húngaros foram Campeões Nacionais do Benfica!? Bom, portugueses, pelas minhas contas, foram 6 Campeões Nacionais pelo Benfica: Vítor Gonçalves (que os cadernos d´A Bola e Record omitiram em algumas edições), Mário Wilson, Toni, Jesus, Rui Vitória e Lage.

    Caro Alberto, já tinha identificado esta quase singularidade? Confesso, nas últimas 4 décadas,. não me recordo de um único treinador húngaro credenciado.

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