25 de Abril de 1946. Cosme Damião contava neste dia 60 anos, cinco meses e 23 dias. Foi a sua última aparição pública, falando pela derradeira vez aos Benfiquistas no banquete comemorativo do 42.º aniversário do Clube. Ora 1946 - 42 = 1904! Cosme Damião faleceria pouco mais de um ano depois, em 12 de Junho de 1947 |
Em meados da década de 20 do século XX sentia-se alguma angústia entre muitos sócios do Benfica e alguma preocupação nos associados mais activos, que não viam o Clube apenas como uma equipa de futebol que jogava aos domingos. Mas o respeito pelos dirigentes, em particular, por Cosme Damião, fazia diluir tudo isso e camuflar muito do que se pensava.
Dois tipos de preocupações
A primeira fotografia conhecida de Cosme Damião, em 17 de Março de 1906, com 20 anos, quatro meses e 15 dias. Na abertura deste texto a última, na comemoração do aniversário do Clube, em 1946 |
De solução a problema
1. Estivera na fundação, em 28 de Fevereiro de 1904, com mais 23 magníficos;
2. Liderou, no Verão de 1907, com Félix Bermudes e Marcolino Bragança a resistência ao apagamento para sempre do Clube;
3. Organizara, exemplarmente, toda a estrutura competitiva do Clube;
4. Soube encontrar soluções para conseguir um campo de jogos, em Sete Rios;
5. Procurava soluções diversificadas e magníficas para expandir o Benfica como ficou demonstrado nesta entrevista visionária, em 1911 (clicar);
6. Soube perceber, com Félix Bermudes, que a junção ao «Desportos de Benfica» era uma oportunidade única que não podia ser desperdiçada, pois garantia uma Sede com salão para assembleias gerais e espectáculos (avenida Gomes Pereira) como não havia outra igual, campo de futebol nas traseiras (Quinta de Marrocos) além de um rinque de patinagem e secção de Hóquei em Patins, mais dois campos de ténis;
7. Fomentou a abertura de filiais em todo o País de um modo rigoroso e com os valores do Benfiquismo;
8. Estimulou o eclectismo ao "obrigar" exclusividade na multi-prática desportiva de associados do Clube que tinham de abrir secções para modalidades em vez de serem adversários numas e atletas do Clube noutras;
9. Apostou no Ciclismo como forma de levar o Benfica a todo o País, embora já não pudesse assistir a que tal acontecesse devido ao adiamento sucessivo da organização de uma «Volta a Portugal» à semelhança de outros países da Europa. Em Portugal só em 1927 se realizaria a primeira edição;
10. Concentrou esforços para que o Clube tivesse, finalmente, um estádio condigno e próprio (terminando a tortura e instabilidade de alugueres de quintas agrícolas para transformação em espaços desportivos) nas Amoreiras, em 1923, onde o Clube ficaria "para sempre".
Um dos últimos «onzes» extraído do plantel amador do Benfica. Ribeiro dos Reis, Luís Costa, José Francisco Simões, Jorge Tavares, José Pimenta, Hugo Leitão, Mário Montalvão, Fernando Jesus, Vítor Hugo, Jesus Crespo e José Picoto. Na época seguinte - 1926/27 - foram feitas as primeiras contratações: Raúl Figueiredo (SC Olhanense) e Fayta (Portugal FC). Em 1927/28, entre outros, Vítor Silva (Carcavelinhos FC) |
O Benfica deixara de dominar o futebol
A matriz do Benfica implantada por Cosme Damião logo nos primeiros anos, refinada na década de 10 do século XX deixara de funcionar sem que ele se apercebesse. Pelo menos da dimensão. Para perceber o domínio pode ser lido um texto de 15 de Fevereiro de 2014 publicado neste blogue (clicar). A fundação do Casa Pia AC, em 3 de Julho de 1920, retirara muitos futebolistas ao Clube nas várias categorias. A base do Casa Pia AC campeão regional em 1920/21 era o Benfica de 1919/20, ou seja, o Benfica tinha tudo para conquistar um Bicampeonato (pelo menos…). Um ano antes tinha sido fundado o CF “Os Belenenses” (23 de Setembro de 1919) mas não causara mossa de imediato (o SLB nessa temporada até retirou o título ao Sporting CP que foi mais afectado pela fundação do emblema da Cruz de Cristo). Mas a curto prazo, juntando-se aos efeitos da criação do Casa Pia AC foi devastador. O SLB perdera os dois locais tradicionais de rejuvenescimento e fortalecimento do Glorioso Futebol. A Casa Pia de Lisboa e o bairro de Belém.
CAMPEÕES REGIONAIS DE LISBOA (1906/07 - 1919/20)
Época
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1.ª categoria
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2.ª categoria
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3.ª categoria
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4.ª categoria
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Campeão
|
SLB
|
Campeão
|
SLB
|
Campeão
|
SLB
|
Campeão
|
SLB
| |
1906/07
|
Carcavellos
|
2.º
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-----------
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-----------
|
-----------
| |||
1907/08
|
Carcavellos
|
3.º
|
-----------
|
-----------
|
-----------
| |||
1908/09
|
Carcavellos
|
2.º
|
Internacional
|
3.º
|
CS Império
|
3.º
|
-----------
| |
1909/10
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
-----------
| ||||
1910/11
|
Internacional
|
2.º
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
-----------
| |||
1911/12
|
SL Benfica
|
GS Cruz Quebrada
|
3.º
|
SL Benfica
|
Sporting CP
|
4.º
| ||
1912/13
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
Sporting CP
|
3.º
| |||
1913/14
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
| ||||
1914/15
|
Sporting CP
|
2.º
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
| |||
1915/16
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
| ||||
1916/17
|
SL Benfica
|
Vitória FC Setúbal
|
2.º
|
SL Benfica
|
SL Benfica
| |||
1917/18
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
GD Fábrica Seixas
|
2.º
|
GF Benfica
|
2.º
| ||
1918/19
|
Sporting CP
|
2.º
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
SL Benfica
| |||
1919/20
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
União Futebol Lisboa
|
2.º
|
GF Benfica
|
3.º
| ||
TOTAIS
|
8 em 14
57 %
|
9 em 12
75 %
|
9 em 12
75 %
|
5 em 9
56 %
|
NOTAS: Em 1908/09 o campeonato da 3.ª categoria foi organizado pelo SC Império com autorização da Liga Portugueza de Futebol; Em 1917/18 e 1919/20 na 3.ª categoria o SLB classificou-se em 2.º lugar na série 1 e não foi apurado para a final entre os vencedores das séries 1 e 2; Em 1919/20 o SLB na 4.ª categoria classificou-se em 3.º lugar na série 1 e não disputou a final entre os vencedores das séries 1 e 2
Três épocas inéditas: 1909/10, 1913/14 e 1915/16
O SL Benfica foi o único clube, entre 1908/09 e 1947/48, ou seja durante 40 temporadas (23 com quatro categorias - 1911/12 a 1933/34 - e as restantes 17 com três categorias) que conquistou a totalidade dos títulos: 1909/10 (três títulos de campeão regional) e 1913/14 e 1915/16 (ambas com quatro títulos de campeão regional). O Sporting CP viria a obter uma proeza idêntica, mas já com a competição reduzida a três categorias, em 1934/35. Inolvidável e inigualável "Glorioso". Três vezes a fazer o pleno!
CAMPEÕES REGIONAIS DE LISBOA (1920/21 - 1925/26)
Época
|
1.ª categoria
|
2.ª categoria
|
3.ª categoria
|
4.ª categoria
| ||||
Campeão
|
SLB
|
Campeão
|
SLB
|
Campeão
|
SLB
|
Campeão
|
SLB
| |
1920/21
|
Casa Pia AC
|
4.º
|
SL Benfica
|
SL Benfica
|
GF Benfica
|
2.º
| ||
1921/22
|
Sporting CP
|
2.º
|
Vitória FC Setúbal
|
2.º
|
SL Benfica
|
Carcavelinhos FC
|
2.º
| |
1922/23
|
Sporting CP
|
3.º
|
CF "Os Belenenses
|
4.º
|
União F Lisboa
|
2.º
|
SL Benfica
| |
1923/24
|
Vitória FC Setúbal
|
3.º
|
Carcavelinhos FC
|
2.º
|
Sporting CP
|
3.º
|
CF "Os Belenenses"
|
2.º
|
1924/25
|
Sporting CP
|
3.º
|
Carcavelinhos FC
|
2.º
|
Império LC
|
3.º
|
SL Benfica
| |
1925/26
|
CF"Os Belenenses"
|
5.º
|
Vitória FC Setúbal
|
2.º
|
SL Benfica
|
Carcavelinhos FC
|
2.º
| |
TOTAIS
|
0 em 6
0 %
|
1 em 6
17 %
|
3 em 6
50 %
|
2 em 6
33 %
|
NOTAS: Em 1921/22 o SLB, na 1.ª categoria, classificou-se em 2.º lugar na Divisão e não disputou o título de campeão; Em 1923/24 na 3.ª e 4.ª categoria o Benfica não se classificou em primeiro lugar na sua série por isso não disputou a final frente ao vencedor da outra série
Dificuldades inegáveis
Comparando antes e depois de 1919/20 as diferenças são enormes. Era isto que preocupava os Benfiquistas, mas que Cosme Damião parecia alheado como se fosse uma crise passageira, ou seja, conjuntural em vez de estrutural. Lembro-me de ter falado com Rogério Jonet (clicar em 4 de Março de 2014) (e em 7 de Setembro de 2015) acerca deste período. Dizia ele que havia quem temesse que sucedesse ao Benfica o que ocorrera com o Internacional (CIF) em 1922/23. Que de grande rival do Benfica (o primeiro dérbi de Lisboa foi o Sport Lisboa/Internacional) deixou de competir nos campeonatos regionais, por haver quem pensasse que o semi-amadorismo seria passageiro levando à falência os clubes que cedessem à pressão financeira dos futebolistas. Além disso (e entretanto, até parecendo deliberado) com o enfraquecimento futebolístico do “Glorioso” começara a ser disputada a primeira competição de âmbito nacional, ainda que mal designada, por ser a eliminar, o Campeonato de Portugal. Com acesso limitado aos campeões regionais o Benfica “teimava” em terminar as épocas com os Regionais não disputando a competição nacional que ia tendo cada vez mais impacte.
REPRESENTANTES (CAMPEÕES REGIONAIS) DAS ASSOCIAÇÕES REGIONAIS NO CAMPEONATO DE PORTUGAL
A.F. de
|
1921/22
|
1922/23
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1923/24
|
1924/25
|
1925/26
|
Lisboa
|
Sporting CP
|
Sporting CP
|
Vitória FC
Setúbal
|
Sporting CP
|
CF “Os Belenenses”
|
Porto
|
FC Porto
|
FC Porto
|
FC Porto
|
FC Porto
|
FC Porto
|
Coimbra
|
As. Ac. Coimbra
|
As. Ac. Coimbra
|
As. Ac. Coimbra
|
União Futebol
Coimbra
| |
Braga
|
SC Braga
|
SC Braga
|
SC Braga
|
SC Braga
| |
Algarve
|
Lusitano FC (VRSA)
|
SC Olhanense
|
SC Olhanense
|
SC Olhanense
| |
Madeira
|
CS Marítimo
|
CS Marítimo
|
CS Marítimo
|
CS Marítimo
| |
V. Castelo
|
SC Vianense
|
SC Vianense
|
SC Vianense
| ||
Portalegre
|
Selecção
|
Alentejo FC
|
CF Estrela Portalegre
| ||
Santarém
|
SC Tomar
|
Selecção
|
SGS “Os Leões” Santarém
| ||
Aveiro
|
SC Espinho
|
SC Espinho
| |||
Beja
|
Luso SC Beja
| ||||
Vila Real
|
SC Vila Real
|
«O Benfica é Glorioso» reafirmava Cosme Damião
Rogério Jonet disse-me que não sendo frequente, por Cosme Damião ser inquestionável aos olhos dos Benfiquistas, por vezes era questionado acerca dos insucessos e de como os combater. Dava duas respostas.
Não fomos campeões? Não digam isso! Porque não é verdade. Fomos campeões regionais. Conquistámos o campeonato regional da categoria X. Não conseguimos foi o da 1.ª. Para o ano é nosso
Contactar o jogador X? Nem pensar. O Benfica é um clube glorioso. Não anda atrás de jogadores. Os jogadores é que devem andar atrás de nós!
As gotas que fizeram transbordar o copo
Em 1923/24 registou-se uma inédita temporada de “mãos vazias”. O Benfica em quatro categorias não conquistara um único título revelando até dificuldades na 3.ª e 4.ª categoria competindo em séries consideradas acessíveis. Um escândalo.
Em 1925/26 outro escândalo. Um 5.º lugar (a pior classificação de sempre) entre oito clubes no campeonato da 1.ª categoria. Em 20 edições (desde 1906/07) que nunca tal fora visto!
O Benfica há seis temporadas que deixara de ser campeão regional, mantendo os oito títulos conquistados entre 1909/10 e 1919/20. O Sporting CP que tinha dois - em 1919/20 - já somara mais três, estando – com cinco - a outros três de igualar o “Glorioso”. Além disso já conquistara um Campeonato de Portugal enquanto o Benfica nem se estreara ainda nessa competição. E a ficar em “quintos lugares” dificilmente lá chegaria. As eleições em 8 de Agosto de 1926 iam aquecer. Mesmo que não fosse Verão! E era!
Aquilo que se pensava ser a solução tornou-se num problema. Grave! |
O financiamento da construção do estádio estava a ficar desastroso
Quando foi decidido o Benfica ter um “estádio definitivo” Cosme Damião conseguiu terrenos nas Amoreiras através da Casa Palmela. Depois os temas foram discutidos em reuniões da Direcção e nas assembleias gerais do Clube. Foi implementada uma iniciativa no sentido do financiamento ser feito com a compra de lugares no futuro estádio através de senhas pagas mensalmente ou ao ritmo das "posses" de cada um. Talvez seja melhor dizer ao ritmo da capacidade financeira de cada um. Isso provocou desde logo celeuma porque o Benfiquismo não estava habituado a ter associados de primeira e de segunda. Quem tivesse os Títulos de Propriedade teria lugar assegurado no estádio e os restantes associados faziam o que era habitual no Benfica. Quem chegasse mais cedo escolhia os lugares. Os últimos a chegar ficavam onde havia lugar. Se houvesse!
A excelência das instalações desportivas nas Amoreiras. Para Bogalho numa entrevista ao jornal "O Benfica" o cancro que nos corroeu durante os anos 20 e 30 permitindo ao Sporting CP a hegemonia no futebol regional e a conquista de quatro Campeonatos de Portugal |
Previsões muito acima da realidade
Em relação à construção do campo do SLB, nas Amoreiras, e às dificuldades da Direcção o relatório apresentado aos associados era esclarecedor. Para uma previsão de 2 500 sócios titulares, a que corresponderia a quotização anual de 150 contos (150 000 escudos) apenas existiam, à data do fecho do Relatório, 1 423 sócios nessas condições. O aumento do número de obrigações ficou muito aquém do esperado. Deste modo, a Direcção foi obrigada a fazer outro empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, com um reforço de cem contos (100 000$00). Assim o valor dos empréstimos subiu, em dois anos para, 300 contos (300 000 escudos) em 25 de Abril de 1926, com o mesmo juro de 10 por cento, igual ao que a Direcção estava autorizada pelos associados a oferecer aos subscritores das obrigações hipotecárias. Pelo mesmo motivo, a Direcção não pode fazer o pagamento de juros correspondentes às obrigações. Estava em falta o que era gravíssimo porque desautorizava decisões tomadas em assembleia geral. Algo nunca visto no “Glorioso”. Assim, para acudir a várias dificuldades financeiras que iam surgindo, a Direcção foi obrigada a fazer alguns suprimentos. Alguns temiam que se estivesse a entrar numa fase de não retorno, por isso incontrolável. Cosme Damião mantinha-se inflexível mas cada vez mais isolado. Parecia que só ele acreditava que tudo corria sob controle.
A Sede na avenida Gomes Pereira, inaugurada dez anos antes (1916) onde se realizou a assembleia geral há 90 anos, que elegeu Cosme Damião e o fez deixar o Clube. Em 1926. Tinha o Benfica pouco mais de 22 anos de existência... |
(clicar em cima da imagem para visualizar com mais pormenor)
As assembleias gerais
Tinham em regra dois pontos. A de 8 de Agosto de 1926, domingo, pelas 14:10 horas (em 2.ª convocatória após a primeira pelas 13 horas), realizada no salão da Sede na avenida Gomes Pereira, não fugiu à regra.
1. Apresentação do Relatório e Contas da Direcção e Parecer do Conselho Fiscal, de 1925/26;
2. Eleição dos novos Corpos Gerentes para 1926/27.
2. Eleição dos novos Corpos Gerentes para 1926/27.
Devia tudo a Cosme Damião. Ribeiro dos Reis. Mas acima de tudo e todos está o Benfica. Foi isso que aprendera com Cosme Damião. Foi isso que colocou em prática há 94 anos. A primeira modernização do Glorioso Futebol. Que duraria até à segunda, em 1954, com Ferreira Bogalho e Otto Glória |
Consenso impossibilitado
Em vésperas da
assembleia geral, o enorme respeito que todos tinham por Cosme Damião fez com
que tentassem convencê-lo a rodear-se de outros associados conhecedores dos
assuntos (futebol e controle das contas). Mas Cosme Damião recusava. Não tinha
interesse em ser contrariado. Todos aqueles que mais temiam pelo futuro do
“Glorioso” – pelo menos tão grandioso nos anos seguintes como o fora até 1926 –
sentiam-se angustiados. Por um lado deviam tudo a Cosme Damião. Alguns até
tinham sido propostos para associados por ele. Outros foram por ele
aconselhados a representarem o Benfica. Foi com ele com todos cresceram como
futebolistas, que chegaram a capitães, que se fizeram homens. Foi com Cosme
Damião, com o seu exemplo e dedicação, que se tornaram Benfiquistas. Havia uma
dualidade de sensações. Reconheciam Cosme Damião como o pai do Benfiquismo mas
entendiam que a atitude autista dele estava a atrasar o desenvolvimento do
Clube. Até a colocá-lo em causa. Por muito que custasse havia que agir. Um
grupo de associados criou uma Comissão que se encontrou com Cosme Damião no
sentido de demovê-lo. O nosso pai do Benfiquismo mostrava-se irredutível.
Justificava que comprometera-se em reeleger a Direcção anterior. Que todos
estavam solidários e conscientes das dificuldades, mas também sabiam como
resolvê-las. A Direcção propor-se-ia à reeleição na assembleia geral. Foram
feitas tentativas no sentido de percepcionar em que lugar Cosme Damião
aceitaria fazer parte de uma lista de consenso. A Comissão de associados fazia
questão de dois nomes, exactamente em pelouros que debelassem a situação porque
passava o Clube: António Ribeiro dos Reis como vice-presidente (desde 1908 o
cargo que correspondia à gestão do Futebol – ver NOTA FINAL) e Joaquim Ferreira
Bogalho (tesoureiro ou noutro cargo que superintendesse este). Ainda se falou
em Cosme Damião para vogal – embora preferissem tê-lo como presidente – mas
Cosme Damião argumentava que nunca trairia Bento Mântua, presidente da Direcção
desde 1917.
As obras dispendiosas para transformar uma quinta agrícola num estádio de futebol. Afinal Cosme Damião avaliara mal os custos. Bogalho diz que o Benfica só se libertou dos encargos contraídos aquando da construção (1923-1925) quando soube negociar a expropriação em 1939. Bogalho estava "em todas". Sempre À Benfica. É conhecido como o Homem da Saudosa Catedral, mas foi Águia de Ouro em...1938. Por ter saneado as contas do Clube que estavam num estado catastrófico. Macarrão dizia que ele obrigava a encontrar onde estavam os cinco tostões (meio-escudo) em falta. Não admitia faltas acima de dois tostões! |
Cosme Damião a presidente da Direcção
Os Estatutos de 1923 que melhoraram os de 1918 mas pouca modernidade trouxeram ao Clube. Permitiam era a existência de listas diferentes com os mesmos nomes para cargos diferentes. Seria em assembleia geral, há 90 anos, que o Clube renasceria quando parecia ter entrado num ciclo de retrocesso sem solução... |
Eleições
Como se esperava a lista da Oposição venceu o acto eleitoral. Cosme Damião foi eleito como presidente da Direcção e derrotado como vice-presidente (e na prática, capitão-geral para o Futebol). A opinião dos associados não deixava margem para qualquer dúvida. Queriam mudanças, mesmo que isso implicasse a saída (impensável) de Cosme Damião, não só de dirigente como do Benfica! A corrente “oposicionista” era tão forte e estava de acordo com os anseios dos associados Benfiquistas que além dos nomes indicados ainda deixou essa grande figura do Benfica (e do Benfiquismo) de reserva na vice-presidência da mesa da assembleia geral: Manuel da Conceição Afonso (que teve um discurso fluente e irrepreensível na assembleia geral como era seu timbre). Findo o acto eleitoral Cosme Damião declarou que não aceitava a sua eleição. Ou seja, recusava a opinião e vontade dos associados. Isso ia contra tudo o que era “Ser Benfica”, daí ter de pedir a demissão de associado.
Dois gigantes do Benfiquismo pós-Cosme Damião. Bogalho (Direcção) e Ribeiro dos Reis (Mesa da assembleia geral). Dois presidentes a quem tanto devemos e eles nunca pediram nada. A não ser que honrassemos os ases que nos honraram o passado. O Benfica não era a sua vida. Era o seu Clube! Mas para o qual queriam que tivesse vida própria! A melhor que fosse possível |
Consumada a não tomada de posse do presidente escolhido pelos associados, bem como o seu pedido de demissão, dezessete dias depois foi eleito para presidente da Direcção do “Glorioso”, Alfredo da Silveira Ávila de Melo (cunhado por estar casado com a sua irmã, de António Ribeiro dos Reis). Como o secretário eleito, Eduardo Martins Pereira também não tomou posse, foi Vítor Gonçalves – outro dos indefectíveis de Cosme Damião, embora também preocupado com os destinos do Clube – a candidatar-se ao cargo. Eleitos suplentes na eleição realizada há precisamente 94 anos foram depois eleitos para cargos efectivos. E que cargos! Ávila de Melo com 583 votos e Vítor Gonçalves com 573 votantes. As suas vagas como suplentes foram ocupadas por Luís Salvador Marques e João Ferreira Branco, respectivamente, com 603 e 597 votos.
O presidente Bogalho que um dia, no início dos anos 50, afirmou. Se eu quisesse conquistava três títulos de campeão nacional em três anos como presidente. Impedia era o Benfica de conquistar qualquer outro nos próximos 15 anos! Prefiro não conquistar nenhum como presidente e criar as condições para conquistar dez em 15 anos como adepto. Como Benfiquista. Afastando Benfiquenses e BenfiQuistos que sugam as finanças do Clube! |
Eis o Benfica! Uma Direcção forjada na luta
Para resolver tantos problemas. A falta de capacidade competitiva do futebol e os encargos que pareciam insolúveis com a construção do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, nas Amoreiras.
Para resolver tantos problemas. A falta de capacidade competitiva do futebol e os encargos que pareciam insolúveis com a construção do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, nas Amoreiras.
No Adeus às Amoreiras, a expropriação bem negociada (Bogalho e Manuel da Conceição Afonso eram imbatíveis) trouxe finalmente o desafogo que permitiria a conquista dos títulos nos anos 40, bem como formar os pupilos de Biri que Ted Smith haveria de levar à conquista da Taça Latina em 1950 |
Este dia (8 de Agosto) há 94 anos (1926) por tudo o que envolveu, pelo desfecho final, marcou para sempre o Benfiquismo. O Benfica nunca mais teria medo do Benfica, como afirmou Borges Coutinho em 1967. Provavelmente sem saber ao pormenor o que se tinha passado nem relacionando o que disse com este acontecimento. Mas nós podemos relacioná-los. Borges Coutinho percebia e sentia o Benfiquismo por isso chegava-lhe o sentimento para perceber o Clube. Em 1967 ou em 1904! No Benfica tudo é sempre possível. Mesmo tomar decisões extremas. 8 de Agosto de 1926.
Dia da Coragem Benfiquista
Alberto Miguéns
NOTA: Este assunto já foi abordado em 8 de Agosto de 2013 (há sete anos) embora com outro enquadramento. Para quem o quiser ler na integra, embora o texto de hoje tenha independência para poder ser entendido de forma isolada, o de 2013 complementa o de hoje (clicar)
Nos tempos que correm ler este texto deixa-me reconfortado. De Joaquim Ferreira Bogalho não conhecia esta fase. Apenas a da construção do Estádio, onde o meu pai com muita dificuldade contribuiu através de umas cavadelas, e da expulsão de Félix. Muito oportuna, oportuníssima!, a citação escolhida sobre as opções de curto e longo prazo. (nota: tive o prazer de ser colega de equipa, basquetebol do Algés, do neto de Ferreira Bogalho, João Bogalho, hoje com 70 anos).
ResponderEliminarDesculpe Sr. Historiador o atrevimento de uma pergunta.
ResponderEliminarLá mais acima diz;
«1. Estivera na fundação, em 28 de Fevereiro de 1904, com mais 23 magníficos;»
Não serão 24 magníficos?
É que, na lista onde estão os 24 magníficos, não consta o nome Glorioso de Cosme Damião!
Cosme Damião por modéstia, não se inclui na lista que foi feita por ele mesmo!
Portanto os magníficos seriam 25. Os 24 da lista, mais o Cosme Damião!
Estará certa a minha tese?
Caro Benfiquista
EliminarNão. Estão 23 por ordem alfabética e não consta o nome de Cosme Damião. O motivo é interpretação mas a caligrafia é a dele!
Coloquei a acta para que não fiquem dúvidas, se bem que o Master Groove se queixe que o peso anda a atingir os limites. Mas uma sopinha ao almoço faz com que ele invente modo de enganar os donos do blogspot!
Gloriosíssimas Saudações
Alberto Miguéns
O Benfica nunca foi nem nunca será um Clube com homens providenciais. Insubstituíveis. Infalíveis.
ResponderEliminarO Alberto faz-nos um retrato rico e elucidativo de como o nosso Clube estava no limite naquele Verão de 1926. Os resultados das eleições desse ano foram dolorosos mas permitiram iniciar a cura do definhamento de que o Clube padecia. Foi um episódio cujo conhecimento é fundamental para se compreender a grandeza e a resiliência do nosso Clube. Um de muitos.
Só quem é ignorante ou promove a ignorância para seu proveito, é que pode espalhar a ideia que o Clube foi refundado em 2003 face às dificuldades que vivia. O Clube já passou por dificuldades ainda maiores e por dilemas de solução dolorosa, muito mais extremos do que aqueles que vivemos.
São várias as razões que nos devem levar a conhecer a História do Benfica. Para além de compreender a origem da grandeza do Clube e dela retirar orgulho, cabe a cada sócio perceber a responsabilidade que lhe cabe nas suas escolhas individuais e em fazer verter isso para as eleições e logo para o futuro do Clube.
O Alberto tem a autoridade de quem sabe do que fala e de quem aplica todos os dias os princípios do Ideal Benfiquista. Lê-lo é um prazer. Um acto de cultura... Benfiquista.
Obrigado.
Com o Alberto Miguéns teremos a nossa memória devidamente preservada!
ResponderEliminarCaro Sr. Alberto Miguéns... Mais uma vez, muitos parabéns por este seu artigo que acabo de ler... Conhecer o nosso passado é essencial para compreendermos o nosso presente e melhorar o nosso futuro... Continue... Um abraÇo glorioso.
ResponderEliminarFez-se jus ao nosso lema, "E Pluribus Unum".
ResponderEliminarViva o Benfica.