Centenário do Jogo Histórico

HÁ CEM ANOS, EM 13 DE MAIO DE 1922, O «GLORIOSO» DEFRONTOU UM DOS ONZE CLUBES QUE SE REUNIRAM, EM LONDRES, PARA INVENTAR O FUTEBOL, O "CIVIL SERVICE FC".

Uma bandeira do «Glorioso» na Sala de Honra de um clube que é e será sempre "um caso à parte" na História Mundial do Futebol 

O "Civil Service FC" de Londres, com mais dez clubes fundaram a "The Football Association" (Federação Inglesa), em 26 de Outubro de 1863, na reunião londrina na "Taberna dos Livres Pensadores" (Freemason's Tavern) onde foi decidido jogar de outro modo como era vulgar no século XIX, deixando de utilizar os membros superiores, mas apenas os inferiores, além de outras Regras que tirassem violência ao jogo (restaria a carga de ombro).

Neste blogue já se escreveu acerca disso

Em 26 de Outubro de 2013 (clicar) para assinalar os 150 anos da criação do Futebol. Regista-se este capítulo:

O diploma que é um orgulho ao assinalar o Centenário, em 1963, da criação da "The Football Association" (ou seja, do Futebol) em 26 de Outubro de 1863. Há, houve e haverá milhões de clubes de futebol no mundo, mas dos que criaram o Futebol só há um, o Civil Service FC!

O Civil Service FC entre a fundação da FA (criação do Futebol) e o amadorismo

Com protagonismo nas primeiras temporadas do futebol inglês ainda só com jogos amigáveis, o Civil Service FC participou nas edições iniciais da Taça de Inglaterra (FA Cup) mas já não faz parte do conjunto de doze clubes que estreia a "Liga", ou seja o campeonato nacional, com a primeira edição em 1888/1889. Num processo complexo em que os doze clubes só aceitam alargamento por "convites" também não faz parte, em 1889/1890 de uma divisão alternativa que dará origem, finalmente, em 1892/1893 a uma segunda divisão, com possibilidade de promoções e despromoções. O Civil Service FC envereda pelos "caminhos do amadorismo" até à actualidade jogando nos campeonatos alternativos para futebol amador. 

 

O Civil Service FC na primeira competição mundial no Futebol

Mas nas edições iniciais da Taça de Inglaterra (FA Cup) esteve bem activo embora sempre com resultados pouco expressivos. Na edição inaugural da Taça de Inglaterra, em 1871/1872, foi eliminado pelo Barnes FC, logo na primeira ronda. Entre 1863 (26 de Outubro) e 1871 muitos dos clubes fundadores da Federação Inglesa (FA) extinguiram-se ou desinteressaram-se da competição mas ainda houve "quatro resistentes" e entretanto muitos aderentes, conseguindo que a primeira competição tivesse 15 clubes. O Civil Service FC foi um desses quatro resistentes a que se juntaram onze aderentes. O Futebol nestes primeiros tempos, até a estabilização com competições já sedimentadas e popularizadas, era muito volátil. Os clubes nasciam e extinguiam-se com muita facilidade.

O Civil Service FC no início dos Anos 20

Apesar de ter abandonado o futebol a um nível mais elevado a sua existência permanente bem como carácter intrépido de exigência possibilitou fazer digressões pelo continente permitindo-lhe fazer inúmeros jogos internacionais durante décadas. O avanço do futebol inglês relativamente ao dos restantes países, até aos Anos 30, permitia que sendo amadores jogassem frente aos clubes mais conceituados fora de Inglaterra e que ainda o são na actualidade. Era impensável os principais clubes ingleses (semi-profissionais ou profissionais) jogarem com os principais emblemas de outros países tal a desproporção de capacidade atlética e variantes tácticas. Seriam jogos sem interesse, de sentido único. Coube a estes clubes amadores jogarem fora de Inglaterra e mesmo assim eram fortíssimos, como o Civil Service FC provava nas digressões que fazia. Por exemplo, em 1901 em Praga venceu, por 5-0, o SK Slavia, um dos clubes mais poderosos da Europa (extra-Inglaterra) no início do século XX com uma conquista da "Mitropa Cup" além de outra final e ser um dos primeiros semi-finalistas da competição; e em 1911, em Bilbau/Espanha, derrotou por 7-0, o Athletic Club que era "Campeão de Espanha" (embora com a criação da Liga, em 1928/29, este "campeonato de Espanha (a eliminar)" (clicar para página 11) passasse a Taça de Espanha, tal como em Portugal o "campeonato de Portugal" passou a designar-se Taça de Portugal, aquando da criação do campeonato da I Liga, em 1934/35. 

A Taça conquistada, em 23 de Abril de 1922, frente ao "Crook Town FC" colocada em disputa pelo FC Barcelona, no seu campo Calle Indústria

O FC Barcelona frente ao Civil Service FC no último jogo deste clube em Barcelona e também o último encontro disputado no primeiro campo do FC Barcelona, em 30 de Abril de 1922, o célebre "Escarrador" dos culés, na Calle Indústria. Em 20 de Maio, o FC Barcelona depois de se sagrar em Vigo, campeão de Espanha - actualmente vencedor da Taça - inaugurou o segundo campo "Les Corts". Neste blogue já se escreveu acerca disso (clicar) pois o Benfica jogou nos dois campos, tal como no terceiro, o actual.

Depois de magníficas exibições em Barcelona e Madrid

O prestigiado Civil Service FC, após jogar em Barcelona - onde além de três encontros frente ao FC Barcelona disputou um troféu - que venceu - frente a outro emblema amador do Norte de Inglaterra, o "Crook Town FC", deslocou-se a Madrid, para dois jogos frente ao Real Madrid CF, em 5 e 7 de Maio, no campo do Racing, na transição entre os campos de O'Donnell e de Chamartin (depois Santiago Bernabéu).

Houve oportunidade em contactar os dirigentes do clube londrino e, assim, foi convidado pelo CIF/Internacional a disputar três jogos em Portugal. 

 

O «Glorioso» jogava no campo de Benfica, atrás da Sede, na avenida Gomes Pereira

Campo inaugurado em 11 de Novembro de 1917 (clicar para efeméride do Centenário assinalada neste blogue) mas tendo poucas condições e lotação como era habitual quando se tratava de um jogo internacional envolvendo o «Glorioso» era escolhido, em Lisboa, o maior e melhor recinto. Em 1922, o melhor era o Estádio do Lumiar.

Há cem anos a completar com precisão pelas 17 horas de hoje

O Benfica no "Stadium de Lisboa" ou Estádio (ao Lumiar) recinto alugado a clubes, sem estádio ou da Margem Sul, que jogavam no campeonato de Lisboa e também o estádio onde jogava a seleção nacional, disputou o encontro com o Civil Service FC. O segundo que este clube disputou em Lisboa, depois de vencer por 4-1 o Internacional/CIF e antes de derrotar, por 1-0, o Sporting CP.

O SL Benfica - Civil Service FC visto na revista "Football" 

Revista do Casa Pia AC deu um pequeno destaque ao jogo. O Benfica há dez dias (3 de Maio) eliminara, nos quartos-de-final, o Casa Pia AC da Taça de Honra de Lisboa. E a 7 afastou, nas meias-finais, o Sporting CP, vencendo por 2-1. Daí alguns futebolistas do «Glorioso» irem de mal para pior... 

O SL Benfica - Civil Service FC visto no jornal "O Sport de Lisboa" 

Há a indicação da impossibilidade do avançado-centro, António Ribeiro dos Reis jogar e depois uma boa descrição do jogo dos vermelhos e da capacidade física, técnica e táctica dos ingleses.

O SL Benfica - Civil Service FC visto no jornal "Os Sports" 

Como hábito naquele tempo a melhor crónica era a de "Os Sports", o jornal que depois alteraria, em 6 de Abril de 1945, o seu nome para «Mundo Desportivo». Ao que parece o jogo começou meia hora depois... Na crónica o popular guarda-redes Francisco Vieira (Chiquinho) e muitos outros destaques. Como era habitual a notícia que durante décadas foi uma constante. Jogos internacionais com o Benfica atraiam sempre muito público pois o «Glorioso» tinha fama (e muitas vezes "proveito") de formar as equipas portuguesas que conseguiam os melhores resultados (e exibições) frente a equipas de clubes estrangeiros. Há 100 anos não foi assim, pois o Sporting CP conseguiu perder por apenas um golo de diferença (0-1). Sporting CP que conquistou, em 2021/22, o terceiro título de Campeão de Lisboa, depois de 1914/15 e 1918/19. 

Um onze próximo - é de 13 de Novembro de 1922, no Campo Grande, estádio do Sporting CP - da equipa que defrontou o Civil Service FC, com José Morais (em vez de Joaquim Belford) e António Ribeiro dos Reis (em vez de Mário de Carvalho). Fotografia colorida por Victor João Carocha

O Benfica tinha oito, o primeiro em 1909/1910 e o último em 1919/1920. Em 1921/22 foi campeão regional, o Casa Pia AC. Na última competição oficial da temporada - Taça de Honra - seria conquistada pelo Benfica, após vencer, por 3-1, o Vitória FC Setúbal, em 21 de Maio de 1922, como é óbvio, tendo eliminado os dois últimos campeões regionais: Casa Pia AC (quartos-de-final) e Sporting CP (meias-finais). Destaque para uma  nota quase de final de crónica "...do nosso grupo popular" ilustra bem que, no início dos Anos 20, o Benfica já era o mais popular clube português, ou seja, aquele pelo qual mais portugueses se tinham apaixonado. A Paixão de um Povo!

 

O SL Benfica - Civil Service FC visto no jornal "Diário de Notícias" 

O jornal diário matutino «Diário de Notícias» cuja empresa mais tarde seria também detentora do bissemanário desportivo «Os Sports» (sábados e terças-feiras, mas chegou a ser trissemanário) com uma crónica curta mas concisa. 

A vinda de clubes estrangeiros a um país periférico como Portugal

Era sempre um motivo para se fazerem inúmeras fotografias. O habitual meio-avançado-esquerdo (na táctica em WM passaria a interior-esquerdo) Mário de Carvalho (o "Caixinha") a ter que improvisar como avançado-centro devido à ausência de António Ribeiro dos Reis. 

O «Glorioso Futebolista» que a generalidade da Imprensa considerou o melhor em campo

O extremo-direito ou ponta-direita Joaquim Belford que era o único futebolista do onze que defrontou o Civil Service FC que não tinha chegado à primeira categoria vindo das categorias inferiores. No final de 1919/1920 solicitou o ingresso no Benfica com Cosme Damião a requerer autorização aos dirigentes do Império Lisboa Clube, onde era a "vedeta", para que fosse possível, sendo tal pedido...deferido!  

O Benfica a tentar incomodar o guarda-redes do adversário

O poderio defensivo do Civil Service FC com quatro defesas, a auxiliar o seu guarda-redes, para dois avançados do «Glorioso».

Uma das primeiras fotografias do Civil Service FC com o seu equipamento vermelho e branco

Em Barcelona e frente ao Benfica jogaram com camisola clara (talvez branca) e calções escuros (talvez vermelho).

O Civil Service FC é um clube que nunca poderá estar esquecido na história do Futebol

E para o Benfica será sempre uma honra recordar que teve oportunidade de o defrontar. Assim se honra os ases que nos honraram o passado, bem como os adversários que permitiram que o Benfica fosse cada vez maior e melhor. O Civil Service FC faz parte deste lote restrito. Certamente que Cosme Damião e os Gloriosos Futebolistas aprenderam com eles e enriqueceram a sua capacidade. O Benfica crescia assim, sem subterfúgios, nem chicoespertices. Melhorava porque admirava e aprendia com os que sabiam mais e eram melhores. Por isso viajar ao passado é sempre motivo de regozijo. 

 

Orgulho no «Glorioso»

 

Alberto Miguéns

NOTA: Agradecimento a James Kellett (presidente do Civil Service FC) pelo acolhimento que teve e disponibilidade para facultar toda a informação possível; ao Benfiquista José Rosário, por ter feito a "ligação" deste blogue com o clube e dirigente londrino, sendo dele as fotografias; e ao Benfiquista Mário Pais, por ter agilizado o processo para conseguir digitalizações e microfilmagens na Biblioteca Nacional de Portugal. Obrigado. 

James Kellett - presidente do Civil Service FC - que acarinhou e colocou à disposição deste blogue tudo o que fosse necessário para que esta efeméride centenário pudesse ser assinalada o melhor possível