06 fevereiro 2018

José Rosa Rodrigues 134

O PRIMEIRO PRESIDENTE DO "GLORIOSO" NASCEU HÁ 134 ANOS. INFELIZMENTE UM HABITUAL "PRESIDENTE-ESQUECIDO".


Às seis desta manhã deste 6 de Fevereiro, mas no ano de 1884. Com a curiosidade de ambos - primeiro presidente e Clube - nascerem no mesmo mês com um intervalo de 20 anos (1884 - 1904) e 22 dias (6 e 28 de Fevereiro).

Se Cosme Damião é o Pai do Benfiquismo
Podemos considerar que Manuel Gourlade é o «Pai do Glorioso» mas José Rosa Rodrigues (e mais os dois irmãos: Cândido e António) é/são a "Mãe do Clube".

Cosme Damião
Foi ele que deu consistência à Ideia de 28 de Fevereiro de 1904 transformando um clube "como tantos outros" na maior referência do desporto português e dando-lhe as condições para depois, de rumar, em 1947, ao «Quarto Anel», de se transformar num Clube Mítico da FIFA.

Manuel Gourlade
Se «Todos Somos Benfiquistas» (graças a Cosme Damião) podemos considerar que «Todos Somos Gourlade» (graças ao Clube) que Manuel Gourlade soube conduzir desde o início com método e decisões inovadoras face ao panorama geral do que eram os clubes, em Portugal, no início do século XX.



José Rosa Rodrigues
Era o mais velho de quatro irmãos (e uma irmã) núcleo-duro do Belém Football Club que soube atrair vizinhos do prédio, rua e bairro, mas principalmente dois empregados da Farmácia Franco, em Belém - Manuel Gourlade e Daniel Santos Brito - uma farmácia que ficava no piso térreo do prédio onde vivia a família Rosa Rodrigues. Atrás havia um pátio com dimensões razoáveis para uns "baliza-a-baliza" onde começou o "pontapé na bola" para depois em terrenos públicos começar a ser conhecido por "Grupo dos Catataus" e passar a futebolar com qualidade. É a esta juventude, genica e vontade de vencer que depois se juntam (por acção de Manuel Gourlade), em Dezembro de 1903, futebolistas experientes casapianos "bons de bola" e afamados entre o reduzido meio futebolístico lisbonense surgindo uma Ideia que rapidamente se transforma num Ideal, o Sport Lisboa, o Sport Lisboa e Benfica, o Benfiquismo.


Os progenitores
Os pais da prole de quatro irmãos - três fundadores do "Glorioso" e um demasiado novo (Jorge, com onze anos) para ser futebolista entre adultos - casaram em Lisboa pois ambos moravam na cidade, embora o pai fosse de uma família da Cova da Piedade/Almada. Aquando do casamento (20 de Fevereiro de 1879) o pai Cândido Rodrigues morava na rua de São Bento n.º 243 e a mãe Maria da Conceição Gomes Rosa na rua de São Paulo n.º 246. Distavam cerca de cem metros e - tudo indica - foram viver para onde nasceria o primeiro filho e primeiro presidente do "Glorioso", na rua da Esperança n.º 22. A cerca de 50 metros das residências de solteiros. E demorou a existir um primogénito: cinco anos, entre 1879 e 1884! Mas com um filho e certamente interesse em outros (e seriam mais quatro - três rapazes e uma rapariga) depressa rumaram a Belém, pois o segundo filho - Cândido Rosa Rodrigues (o nosso primeiro avançado-centro) já nasceu na rua de Belém n.º 144 (porta principal do prédio). O tal edifício onde estava a Farmácia Franco no n.º 147 (nesse tempo, no Concelho de Belém, os números eram consecutivos). Se o «Tio Zé» nasceu em 6 de Fevereiro de 1884, o «Candinho» não demorou muito...13 de Abril de 1885. Um ano e dois meses.

Rua da Esperança onde nasceu há 134 anos (logo pelas seis da matina é tempo certinho) José Rosa Rodrigues, o Glorioso Primeiro Presidente

Os irmãos
Seguiu-se o «Neco» (19 de Outubro de 1896) e ali estava um conjunto de três valorosos que vendo as futeboladas dominicais nas Terras do Desembargador, às Salésias, depressa os quiseram imitar. O irmão benjamim Jorge (1 de Julho de 1892) era demasiado novo para alinhar. Limitava-se a acompanhar o "Grupo dos Catataus" e ficar junto de uma das balizas a guardar os pertences dos outros pois em terrenos públicos a mãozinha do alheio é sempre muito leve. Em Portugal levíssima. Mas ainda foi Glorioso Guarda-redes já no dealbar dos Anos 10 do século XX. A irmã Maria José (16 de Julho de 1888) gostava de ver tudo aquilo mas era rapariga. Cuidado com a menina. Como Cândido Rodrigues entrou para o negócio de armadores da família dos sogros, expandindo a empresa Catatau (alcunha dos armadores Gomes Rosa) para lá do mercantilismo enveredando pela pesca e até para "barcas de banhos a veraneantes" redes para as balizas e traves e postes para as sustentar não era problema. O que já não podia ser usado na pesca era usado em Belém. Um luxo!




Do branco para o vermelho-e-branco
Do Belém FC para o "Glorioso" sobrou muito. Os futebolistas - depois repartidos , pelo primeiro e segundo "team" - os impressos nos primeiros tempos das quotas, o calção branco - e a cor branca no escudo - a que se juntou a vermelha, bem como a energia da juventude e vontade de fazer sempre mais, que nunca se extinguiu passados tantos anos, mais de um século.


A equipa do Football Club (também conhecida pelo «Grupo dos Catataus») em 1903. Da esquerda para a direita. Em cima (defesas: direito/esquerdo e guarda-redes): José Cruz Viegas, José Rosa Rodrigues (GR) e Manuel Gourlade; Ao centro (médios de direito para esquerdo): Jorge Afra, Carlos França e Daniel Santos Brito; Em baixo (avançados, de ponta-direita para ponta-esquerdo): Duarte José Duarte, António Rosa Rodrigues, Cândido Rosa Rodrigues, Raul Empis e Armando Macedo


Eis o resultado de tão acertada decisão:
Do Belém FC: José Cruz Viegas, Carlos França, António, Cândido e José Rosa Rodrigues;
Da equipa escolar de 1895/1898 da Casa Pia: António Couto, Emílio Carvalho e Silvestre Silva;
Do adversário Grupo do Campo de Ourique: Manuel Mora e Albano Santos;
Um dos primeiros aderentes ao Sport Lisboa: Fortunato Levy.
Além deste onze havia outros tantos e...mais na segunda categoria, em grande parte do Belém FC, como Manuel Gourlade e Daniel Santos Brito, mas também casapianos como Januário Barreto, Daniel Queirós dos Santos, José Neto, Francisco Santos, João Persónio e Cosme Damião. Quase todos até ao Verão de 1907 passariam, mesmo que episodicamente, pela primeira categoria 

A equipa do Sport Lisboa fotografada em 29 de Junho de 1905. Da esquerda para a direita. Em cima (defesas, médios e guarda-redes): José Cruz Viegas (DD), Manuel Mora (GR)seguem-se os médios, de direito para esquerdo) Fortunato Levy, Albano dos Santos, António Couto e Emílio Carvalho (DE)Em baixo (avançados, de ponta-direita para ponta-esquerdo):  António, António Rosa Rodrigues, Silvestre Silva (cap.), Cândido Rosa Rodrigues, José Rosa Rodrigues e Carlos França

Presidente (Comissão Administrativa) e futebolista
Sendo ele o principal elemento do Belém FC, como irmão mais velho, e herdeiro da empresa pesqueira (o seu tio e padrinho era solteiro e nunca teve filhos) a escolha para presidente da Comissão Administrativa, em 28 de Fevereiro de 1904, foi natural. E continuou a jogar futebol, doravante de vermelho ficando o branco como pré-equipamento. E assim foi épocas a fio...



Será que o pinheiro manso do Presidente da República, no Palácio de Belém, ainda é o mesmo?

Presidente-futebolista tem muitas "obrigações"
Treina (este o primeiro) mas esteve presente em 25 dos 29 treinos efectuados entre 28 de Fevereiro e 18 de Dezembro de 1904, 24 (totalista) em 1903/04 e um dos cinco em 1904/05:



Joga (mesmo na segunda categoria em 1905/06 e início de 1906/07):


A segunda categoria do "Glorioso" em 1906. A dos "espertos". Da esquerda para a direita. Em cima (médios de direito para esquerdo): Luís Vieira, Cosme Damião e Marcolino Bragança; Ao centro (avançados, da ponta-direita para a ponta-esquerda): Félix Bermudes (cap.), Eduardo Corga, Henrique Teixeira, António Meireles e Carlos França; Em baixo (defesas: direito/esquerdo e guarda-redes): José Rosa Rodrigues, João Persónio (GR) e José Neto; NOTAS: 1. Conta a filha de Marcolino Bragança que de nome tinha apelido Meireles (Marcolino de Bragança Meireles) que quando este chegou de São Tomé e Príncipe foi-lhe dito: Outro Meireles? Já temos os irmãos Abílio e António! O melhor é seres Bragança!; 2Que equipa: Cosme Damião escreveu um livro entre fazer tudo e de tudo no "Glorioso"; Marcolino Bragança (Meireles) foi (ou quase...) engenheiro agrónomo; Félix Bermudes foi dramaturgo, poeta, artista no que a palavra tem de mais nobre; António Meireles foi um dos primeiros administradores portugueses de uma refinaria petroquímica, em Matosinhos; José Rosa Rodrigues foi armador consagrado e inovador com "redes e barcas" em Sesimbra, Setúbal, Ericeira e Nazaré; João Persónio foi taquígrafo nas Cortes/Assembleia Nacional; e José Neto foi um dos mais afamados escultores do seu tempo. E ainda passaram por esta equipa Francisco Santos (escultor do busto da República entre outros, como o monumento ao Marquês de Pombal) e Januário Barreto (ilustre e benemérito médico) 

Responsabiliza-se (um dos muitos documentos assinados pelo presidente, ainda quando o novo clube era confundido com o antigo, tendo o mesmo presidente/principal impulsionador e carola):


Enquanto não houve dinheiro (?) e/ou disponibilidade (?) para fazer novo timbre foram usados os recibos que sobravam do (Belém) Football Club até serem impressos os do Sport Lisboa




Da primeira para a segunda categoria
Não foi duradoira a presença de José Rosa Rodrigues entre os melhores futebolistas. Mas ainda foi útil na segunda temporada do Clube (1905/06) jogando na segunda categoria.



Epílogo
Com a eleição do primeiro presidente (Januário Barreto) de uma Direcção (22 de Novembro de 1906) José Rosa Rodrigues perde protagonismo. O "Glorioso" queria mais que Belém, queria o Mundo.

Obrigado, Senhor José Rosa Rodrigues - o Primeiro!

Alberto Miguéns


NOTA1: "Tradução" do registo de baptismo:

Aos onze dias do mês de Maio do ano de mil oitocentos e oitenta e quatro, nesta Igreja Paroquial de Santos-o-Velho de Lisboa eu o Presbítero Joaquim da Silva Sardinha coadjutor na mesma, baptizei solenemente um indivíduo do sexo masculino a quem dei o nome de José, que nasceu às seis horas da manhã do dia seis de Fevereiro, mês próximo passado, filho legítimo, o primeiro, do nome de Cândido Rodrigues natural da Freguesia de São Tiago da Vila de Almada do Patriarcado e de Dona Maria da Conceição Gomes Rosa Rodrigues natural da freguesia de São Paulo desta cidade, recebidos (casados) na de Santa Isabel e moradores nesta de Santos, na rua da Esperança, vinte e dois, neto paterno de Estanislau Rodrigues e Dona Maria José Rodrigues e materno de José Gomes Rosa e Luísa Emília Fialho Gomes Rosa, foi padrinho José António Gomes Rosa, solteiro proprietário e madrinha Dona Maria da Conceição Gomes Rosa, solteira. E para constar lavrei este assento que depois de lido e conferido, comigo assinaram. Era ut supra.

José António Gomes Rosa (padrinho; irmão da mãe e tio do nosso JRR)

Maria da Conceição Rosa (madrinha; tia da mãe do nosso JRR)

O Pároco João Joaquim Henriques e Abreu


NOTA2: José Rosa Rodrigues faleceu muito novo, vítima tardia da "gripe pneumónica", aos 40 anos, em 30 de Abril de 1924. Casou em final de 1913, com D. Maria Augusta Pinto Basto Martins (logo um familiar dos rivais no futebol: Grupo dos Pinto Basto/GPB/FC Swifts/ Internacional/ CIF), tendo um filho (José António Martins Rosa Rodrigues) com vida longa, nascido em 7 de Dezembro de 1917.
   
NOTA FINAL (em que os últimos só não são primeiros pois hoje há José Rosa Rodrigues em destaque): Especial agradecimento ao dedicado leitor Victor João Carocha (fundamental no auxílio a vérios níveis, com destaque para a tradução ipsis verbis do alfabeto paroquiano novecentista) e para um dos sobrinhos do «Tio Zé" que é especial pois permite a um mortal Benfiquista falar com frequência acerca da fundação do "Glorioso". Ele que ouviu tios e pai falar, com minúcia, da fundação do Clube. Um privilégio para mim

5 comentários:

  1. A fundação do SLB é uma bela e fascinante História. Alguns dos 24 foram relativamente episódicos no Clube. Muitos outros rapazes outros não ficaram na lista como fundadores mas foram muito mais importantes nesses dias, semanas e meses que se seguiram. Sabemos os nomes de muitos. Com certeza que foram muitos mais do que 24. Quem sabe o que nunca saberemos? Quem sabe o que talvez ainda se possa vir a saber?

    Do que li e muito tenho lido aqui no blogue do Alberto, para mim as três figuras mais importantes do nosso Clube, foram e são Manuel Gourlade, Cosme Damião e Félix Bermudes. E os Rosa Rodrigues? Os Rosa Rodrigues têm um lugar de honra, insubstituível, precioso, na História do Sport Lisboa e Benfica. Três pontos sobre os manos Rosa Rodrigues:

    1 - Apesar de existirem outros fundadores mais velhos, foi um rapaz com 20 anos a presidir ao Clube, o mano mais velho dos Rosa Rodrigues. Isso denota a preponderância e o prestígio de José e dos seus irmãos Cândido e António. Eram os líderes.

    2 - O pátio da antiga Farmácia Franco devia ser um local de culto para o futebol Português e para o Benfiquismo em particular.

    3 - Os Rosa Rodrigues são uma pequena mágoa pessoal que tenho. Foi pena que se tenham desligado do Clube. Só mesmo Gourlade se terá equiparado ao entusiasmo que eles tiveram pelo Clube nos seus primeiros dias. São aquela encruzilhadas históricas, aquelas ironias que mais tarde se percebe que uma decisão poderia ter mudado tudo. Como teria sido se a opção fosse resistir e não partir para o Campo Grande em Maio de 1907? Não sei se alguns dos seus descendentes são Benfiquistas mas ficaria muito agradado se assim fosse.

    Essas quotas do Belém FC e do Sport Lisboa são lindas!

    Ah... E eu aposto que os pinheiros são os mesmos. São árvores nobres e de crescimento lento mas seguro. O que eles teriam para nos contar...

    Excelente texto. Muito obrigado por nos dar esta magnífica lição de história do tempo mais fascinante do nosso querido Clube! Esta foi também uma muito justa e bonita homenagem ao nosso primeiro presidente. Com apenas 20 anos mas com o sonho de fundar um Clube assente num Ideal. Tantos e tantos anos depois, no peito de milhões, o Ideal resiste e floresce. É o Sport Lisboa e Benfica, o maior Clube de Portugal.

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    1. Sou Joana Rosa Rodrigues e sou do Benfica . E saiba que 5enho uma sobrinha que joga futebol e é licenciada em gestão de desporto e trabalha na Federação . Continuamos ligados ao futebol.

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  2. Mais uma vez , o Srº Alberto Miguéns faz-nos sonhar e regressar aos primeiros passos do nosso Glorioso, ESPETACULAR.

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  3. Estes senhores (Catataus e Associação do Bem) e demais que se juntaram para lavrarem a primeira acta, não imaginavam que estavam a dar início ao maior clube de Portugal e um dos maiores do mundo! Bem hajam e VIVA O BENFICA!

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