Ao conhecer a história do Benfica e em particular do futebol, comecei a ter a sensação que dificilmente não houve, entre 1933-1945, condenados à deportação, prisão, trabalhos forçados e morte em campos de concentração, entre as comitivas - dirigentes, técnicos e futebolistas - de clubes cujos adversários provinham de países onde a comunidade judaica representava importante percentagem no total da população desses países.
A População
Judaica na Europa (1939 - 1945)
Três premissas
Não é possível saber
(pelo menos por agora) se houve ou não adversários do "Glorioso"
detidos (e mortos) nos campos de concentração implantados pela Alemanha, entre
Março de 1933 (Dachau, na Alemanha) e Maio de 1945. Mas, há três premissas que
mostram que dificilmente isso não ocorreu.
Vinte e
dois encontros, entre 1921/22 e 1937/38
Sei que a equipa do
"Glorioso" realizou, entre 1921/22 e 1937/38, 22 jogos frente a 22
equipas de 14 clubes adversários de três países com comunidades judaicas
numerosas: Hungria (nove jogos frente a cinco clubes), Checoslováquia (sete
jogos frente a quatro clubes) e Áustria (seis jogos frente a cinco clubes).
Os judeus
estavam bem integrados no futebol da Europa Central
Sabe-se que a
comunidade judaica tinha forte, e significativa, presença no futebol dos países
onde vivia. Muitos futebolistas eram judeus, mas também tinham forte
implantação como treinadores e como dirigentes, pelo estatuto social elevado
que tinham na esfera sócioeconómica local.
Deportação
e morte maciças (holocausto)
Sabe-se que os
números (embora controversos) são sempre da ordem dos milhões de judeus detidos
e mortos, de todas as idades, entre 1933 e 1945, com destaque para os campos de
concentração de extermínio, tendo como mais tenebroso o de Auschwitz-Birkenau, na Polónia
(na realidade foram três campos, distantes uns dos outros em cerca de três
quilómetros).
Adversários
de países com população judia em percentagem elevada no total de habitantes
Época
|
Campo
(em
Lisboa)
|
Res
|
Adversário
|
Cidade
|
País
|
21/22
|
Campo Grande
|
D
3-4
|
Union Zizkow
|
Praga
|
Checoslováquia
|
V
2-1
|
|||||
22/23
|
Campo Grande
|
E
1-1
|
Bezirk TVE
|
Budapeste
|
Hungria
|
V
3-2
|
|||||
Palhavã
|
D
2-5
|
Nuselsky CS
|
Praga
|
Checoslováquia
|
|
23/24
|
C.º Grande
|
D
1-2
|
SK Rapid
|
Viena
|
Áustria
|
Palhavã
|
D
0-2
|
Nuselsky CS
|
Praga
|
Checoslováquia
|
|
Palhavã
|
D
0-6
|
AC Sparta
|
Praga
|
Checoslováquia
|
|
24/25
|
Palhavã
|
D
0-6
|
Szombathely AK
|
Szombathely
|
Hungria
|
C.º Grande
|
V
3-1
|
||||
Palhavã
|
V
2-1
|
Wiener SC
|
Viena
|
Áustria
|
|
25/26
|
Amoreiras
|
D
1-5
|
AC Sparta
|
Praga
|
Checoslováquia
|
D
2-5
|
SK Rapid VH
|
Praga
|
Checoslováquia
|
||
26/27
|
Amoreiras
|
E
1-1
|
Hungária FC (1)
|
Budapeste
|
Hungria
|
D
2-6
|
Szombathely AK
|
Szombathely
|
Hungria
|
||
28/29
|
Amoreiras
|
V
1-0
|
Ferencvarós TC
|
Budapeste
|
Hungria
|
33/34
|
Amoreiras
|
E
1-1
|
First
Viena FC
|
Viena
|
Áustria
|
34/35
|
Amoreiras
|
D
3-4
|
Bocskay
SC
|
Debrecen
|
Hungria
|
V
4-1
|
Wacker
SC
|
Viena
|
Áustria
|
||
35/36
|
Amoreiras
|
D
1-2
|
SK
Zidenice
|
Brno
|
Checoslováquia
|
36/37
|
Amoreiras
|
E
1-1
|
FK
Áustria
|
Viena
|
Áustria
|
37/38
|
Amoreiras
|
D
0-4
|
Hungária FC (1)
|
Budapeste
|
Hungria
|
NOTAS: Os nomes dos
clubes e países de origem têm a designação da época;
(1) Actual MTK (Magyar Testgyakorlók Köre Budapest Futball Club)
Houve ou
não judeus detidos e mortos entre os adversários do Benfica?
Número elevado de
jogos (22, entre 1921 e 1937), muitos judeus (futebolistas, treinadores e dirigentes) ligados
ao futebol húngaro, checoslovaco e austríaco e extermínio em massa da
comunidade judaica, indiscriminadamente, entre 1933 e 1945. As probabilidades
são elevadas.
Auschwitz I |
Visita a Auschwitz-Birkenau
Há muito que pensava nesta funesta ligação entre o futebol
do Benfica e a forte possibilidade de haver judeus nos adversários que sofreram
a perseguição na Alemanha dos anos 30 e 40. Não sabia se algum dia visitaria um
memorial que antes fora campo de concentração. Mas sempre imaginei que se um
dia o fizesse, também seria em nome do Benfiquismo. Este ano, em 15 de Agosto,
tive oportunidade de visitar Auschwitz I e Auschwitz II. Fiz questão de não ir
numa das inúmeras excursões em autocarro que partem e chegam a Cracóvia. Fui de
comboio, regressei de comboio, com paragem em Oswiecim (nome polaco para Auschwitz).
Em solitário, como simbologia, em peregrinação.
Auschwitz II |
Pedido de desculpa
Se não houve nenhuma ligação entre o Benfica e qualquer
judeu (ou outra pessoa não-judia) que tenha estado num campo de concentração,
peço desculpa pelo abuso.
Motivo de
orgulho
Se existe (existiu)
nem que seja uma pessoa que tenha contactado com o Benfica, através do futebol,
e que tenha sido detida num campo de concentração, imagino que nesses tempos
tão cruéis e difíceis, de tantas privações e humilhações, possa ter recordado,
num instante ou sonho, uma ténue alegria em ter defrontado um clube cujo
equipamento lembra tudo menos a desgraça e o horror. É vermelho, radioso,
brilhante e empolgante. Símbolo da vitalidade, coragem, optimismo, raiva,
impaciência e inconformismo. Teria sido um raio de liberdade num ambiente de
opressão. (H) À Benfica!
Não podemos
esquecer
Nem os desgraçados
inocentes, desprotegidas, vulneráveis e sacrificados em nome do totalitarismo.
Nem os carrascos
cobardes, prepotentes, inumanos e algozes protegidos em nome do mesmo
totalitarismo.
No fundo foram ambos
vítimas.
Não Podemos
Esquecer
Alberto Miguéns
TRÊS NOTAS FINAIS
TRÊS NOTAS FINAIS
NOTA1: As duas fotografias
(as únicas na viagem que não são da minha autoria) foram feitas depois de
explicado o motivo aos responsáveis pelos dois memoriais, em
Auschwitz I e Auschwitz II. Tenho de agradecer porque senti, da parte deles,
num espaço de desgraça e pesar, um sentimento de orgulho por alguém de um país
tão distante homenagear (pelo menos, lembrar-se) de "mártires desconhecidos".
Um muito obrigado aos responsáveis por Auschwitz I e Auschwitz II.
Fotografia aérea americana (localização de objectivos militares; 1944)
Na actualidade (esquema do programa da visita)
NOTA2: Evocação de
quatro grandes equipas de clubes checoslovacos e austríacos, adversárias do
"Glorioso"
A equipa checoslovaca do AC Sparta Praga, em 12 de
Janeiro de 1924, fotografada no campo do Império LC (Palhavã) (in História do SLB 1904-1954; volume I; Mário
Oliveira e Rebelo Silva; página 483)
|
A equipa austríaca do First Viena FC, em 25 de
Dezembro de 1933, fotografada no Glorioso Estádio do SLB (nas Amoreiras) (in História do SLB 1904-1954; volume II; Mário
Oliveira e Rebelo Silva; página 115)
NOTA3: Amanhã,
evocação - ilustrada - no EDB de seis grandes jogos, nos anos 20 e 30, frente a
adversários da Áustria, Checoslováquia e Hungria
Impressionante
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