08 agosto 2013

Cosme Damião Eleito Presidente

OPINIÃO


Há 87 anos, em 8 de Agosto de 1926, um dos 24 fundadores do Sport Lisboa e principal figura histórica do Clube - pela abnegação em prol do seu engrandecimento, rumo que soube manter e direcção que ousou tomar  - Cosme Damião foi eleito presidente da Direcção do Sport Lisboa e Benfica. Contra a sua vontade! Não aceitou! Não tomou posse!

Para perceber o que ocorreu em 1926 é necessário recuar a 1908
Quando os dirigentes do Sport Lisboa e Sport Benfica decidiram reunir para fazer uma junção dos dois clubes - ratificada depois nas respectivas assembleias gerais dos dois emblemas - uma das normas da aglutinação - em 13 de Setembro de 1908 - foi a de qualquer dos emblemas não perder a sua individualidade. O Sport Benfica era um clube de infra-estruturas: um campo de jogos (Quinta da Feiteira), uma boa Sede (Beco de Sanches Baena, em Benfica) e um bom conjunto de dirigentes, bem organizado (Mesa da Assembleia Geral, Direcção, Conselho Fiscal). O Sport Lisboa tinha a super-estrutura: um conjunto valioso de futebolistas, em número e quantidade (três equipas), bons orientadores técnicos (em particular Manuel Gourlade, mas também Cosme Damião) e uma aura de glória com valor firmado entre os desportistas (vencera os invencíveis "mestres ingleses" do Cabo Submarino de Carcavelos, em 10 de Fevereiro de 1907). Os dirigentes do Sport Lisboa (Cosme Damião e Félix Bermudes) temiam que a "interferência" dos dirigentes do Sport Benfica desorganizasse, ou pelo menos, enfraquecesse as equipas de futebol do Sport Lisboa. Por isso, "para manterem a individualidade", acordaram que aceitavam a junção com o Sport Benfica, nomeando para a Direcção do SLB um vogal (depois seria elevado ao cargo de vice-presidente) com a incumbência de ser o responsável pelo futebol do SLB. E assim foi! E foi muito bem, como a história - o tempo - demonstrou!


Enquadramento político
Quando se realizam as eleições no SLB para mandatos anuais dentro do prazo estatutário - as anteriores ocorreram em 27 de Setembro de 1925 - Portugal vivia em Ditadura Militar, após o Golpe do 28 de Maio de 1926. Com organismos democráticos e sindicais perseguidos pelo novo poder, instaurado há cerca de três meses, o Benfica continuou o seu rumo, convocando as eleições para 8 de Agosto de 1926.

Eleições anuais
Com uma tradição de 22 anos, o Clube movimentava-se anualmente para conseguir escolher (e eleger) os associados mais aptos para dar seguimento às necessidades de desenvolvimento do Benfica. Geralmente faziam-se listas consensuais onde estivessem representadas várias sensibilidades mas com sócios capazes de seguir o mesmo rumo, sempre de acordo com o lema: Todos Por Um (é "Todos Por Um" e não "De Todos, Um", pois Félix Bermudes assim o afirma no hino de 1929. Pode é haver um erro na tradução do latim, mas o que se pretendia era "Todos Por Um"!)
As eleições e os desenvolvimentos com ela relacionados, encadeiam-se numa série de acontecimentos, que vinham de 1924, foram extravasando, em 1925, até atingirem a expressão máxima em 1926. Neste acto eleitoral não foi possível fazer uma lista única consensual. Os associados estavam divididos, entre a continuidade (Bento Mântua, Cosme Damião e Eduardo Pereira) e a ruptura (Ribeiro dos Reis, Ferreira Bogalho e Vítor Gonçalves). Escolheram a ruptura.

 

ORGÃOS SOCIAIS PARA 1926/27


Data da Eleição

8.Agosto.1926

MESA DA ASSEMBLEIA GERAL

Presidente

Dr. João Carlos Mascarenhas de Melo
Vice Presidente
Manuel da Conceição Afonso
1º Secretário
Frederico de Castro
2º Secretário
António dos Santos Rodrigues

CONSELHO FISCAL

Presidente
Abel de Freitas Aguiar
Secretário
António Bernardo de Aguiar
Relator
Alberto de Castro Mata


LISTA
SITUAÇÃO

DIRECÇÃO

Presidente

Bento Mântua
Vice Presidente
Cosme Damião
Secretário
Eduardo David Martins Pereira
Vice-Secretário
José Colmeiro
Tesoureiro
António da Costa Alves
Vogais
José Tomé
José Moreira Gomes
Suplentes
Dr. Alberto Lima
Alfredo da Silveira Ávila de Melo
Dr. Domingos Garcia Pulido
Aires da Fonseca
António da Silva Pereira
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LISTA
OPOSIÇÃO

DIRECÇÃO

Presidente

Cosme Damião  *
Vice Presidente
António Ribeiro dos Reis
Secretário
Eduardo David Martins Pereira  **
Vice-Secretário
Joaquim Ferreira Bogalho
Tesoureiro
Carlos Alberto de Figueiredo Lopes
Vogais
António José Piano Júnior
Dr. José Picoto
Suplentes
Alfredo da Silveira Ávila de Melo ***
Vítor Cândido Gonçalves ***
Alfredo Luís Piedade
Vítor Lemos
Joaquim Coelho Duarte
Augusto Jorge
Hugo Moreira Lobo

O Estádio das Amoreiras é muito mais que um campo. Era um magnifíco Parque Desportivo, com mais dois campos de ténis e um campo de basquetebol


Enquadramento clubístico: Finanças
O projecto da construção do Estádio das Amoreiras foi empolgante, mas os resultados financeiros um desastre. Os associados, geralmente pouco abonados, ainda que inexcedíveis em apoio e interesse pelo Clube, foram incapazes de garantir as verbas necessárias para sustentar uma obra grandiosa para a época. Os cinco mil títulos de propriedade a 40 prestações de cinco escudos (duzentos escudos no total) tiveram escassa procura (1969) e ainda menos os que foram pagos na totalidade (1059). Muito aquém do esperado. A estimativa era o estádio custar cerca de mil contos (5000 títulos x 200 escudos). O preço do terreno foi elevado (450 contos de réis) e as obras complexas para adaptar uma quinta a um espaço desportivo. Tudo isto numa sociedade portuguesa em convulsão que culminaria com o Golpe do 28 de Maio de 1926. Cosme Damião sendo uma figura de prestígio dentro da colectividade e o secretário (ou seja o gestor) da Casa Palmela (uma das maiores riquezas no Portugal vintista) centralizou em demasia o processo de erguer um estádio privativo, pela primeira vez, na história do Clube. Ouviu muito pouco os associados e aconselhou-se escassamente com os restantes dirigentes. Entre 10 de Abril de 1921 (quando Cosme Damião sugeriu em reunião da Direcção que nas "Amoreiras havia um terreno muito adaptável") até ao dia da inauguração, em 13 de Dezembro de 1925, foram necessárias assembleias gerais e reuniões várias para acelerar a construção, sustentadas em três premissas: títulos de propriedade, quotização própria e "empréstimo" da conta corrente orçamentada para o futebol. As dificuldades com estas três premissas obrigou a "uma quarta": contratualização de empréstimos junto das entidades de crédito, num Portugal em desagregação económica, social e política.

A histórica entrada para o Parque de Jogos nas Amoreiras. Por vezes andam Benfiquistas - de nariz para o ar - à sua procura na antiga rua das Amoreiras


Enquadramento clubístico: Futebol
A construção do estádio das Amoreiras consumiu o "Glorioso", em termos de prioridades estratégicas e suporte financeiro, exaurindo o Clube. A capacidade competitiva da equipa de honra ressentiu-se com o Benfica incapaz de conquistar o título de campeão regional, desde 1919/20, a forma de apurar-se para a única competição nacional, o campeonato de Portugal (actual Taça de Portugal) reservada até 1926/27 aos campeões regionais. Cosme Damião justificava que o Benfica continuava a dominar nas restantes categorias (segundo ele "todas principais, porque jogam sempre para serem campeãs nos respectivos campeonatos") e que, como desde sempre (ou seja desde 1909) os futebolistas - independentemente do seu valor e experiência - que quisessem jogar no Benfica teriam de passar pelas categorias "inferiores" até ascender à equipa de honra: "O Benfica é Glorioso, não tem de andar atrás dos jogadores, eles é que devem andar atrás do Benfica!"

Mudança precisava-se!
Um grupo de associados com valor firmado e "obra feita" no Clube entendeu que chegara o tempo de alterar a dinâmica do Benfica no futebol e estancar os gastos com o Estádio. A solução era criar uma lista paralela à de Cosme Damião, que queria continuar na vice-presidência, essencialmente, para definir a política desportiva para o futebol e implementá-la. Era urgente afastá-lo da organização do futebol, propondo-o para a presidência do Clube, por se pensar que Cosme Damião não queria "acompanhar o tempo", gastando muito dinheiro nas várias categorias, quando na principal o Benfica estava a ser ultrapassado não só pelos maiores clubes de Lisboa como pelos clubes médios. Impensável. Além disso, a maior figura do Benfica merecia ser presidente, ele que já fora tudo, menos presidente.

Com Cosme Damião como vice-presidente Vítor Silva - 1927/28 a 1935/36 - dificilmente viria para o "Glorioso".
Resolução do problema
Cosme Damião não aceitou integrar a lista, mas naquele tempo podia-se concorrer, e ser proposto por outros associados, em mais de uma lista, desde que não fosse para o mesmo cargo. Eleito recusou tomar posse, ameaçando deixar de ser associado. A maioria dos sócios não cedeu e procedeu-se a outra eleição para preencher os lugares vagos. Tal significou o afastamento de Cosme Damião, que regressaria aos cargos de dirigente, entre 1931 e 1935, como presidente da Mesa da Assembleia Geral e seria agraciado com o galardão máximo do Clube, a "Águia de Ouro"!

25 de Agosto de 1926
Dezassete dias depois, mantendo-se Cosme Damião irredutível realizou-se um acto eleitoral para preencher o seu lugar e os lugares de quem o acompanhou na recusa.

Eleições para preencher os lugares que ficaram vagos:
* Presidente: Alfredo da Silveira Ávila de Melo (583 votos)
** Secretário: Vítor Cândido Gonçalves (573 votos)
*** suplentes: Luís Salvador Marques (603 votos)
                        João Ferreira Branco (597 votos)

Data da Tomada de Posse
25.Agosto.1926

O Benfica seguiu o seu caminho
A eleição de Ribeiro dos Reis para a vice-presidência (e responsável pelo futebol) bem como de Ferreira Bogalho (vice-secretário) permitiu dar um novo rumo ao Clube e recolocá-lo no "trilho" da modernidade. A capacidade dos dirigentes e o apego popular depressa conseguiram guindar o clube a um novo patamar de conquistas: em 1929/30 e 1930/31 a conquista do (Bi)Campeonato de Portugal  - actual Taça de Portugal - depois de 1926/27 "aberta a clubes não campeões regionais" por isso o SLB pôde participar, mesmo não sendo campeão regional; em 1932/33 o ansiado campeonato regional de Lisboa, considerada a competição "mais difícil" de jogar em Portugal (após onze temporadas consecutivas, desde 1919/20, sem o conquistar); e entre 1934/35 e 1939/40 seis temporadas de qualidade excelsa: Campeonato de Portugal (1934/35), Tricampeonato da I Liga - depois campeonato nacional da I Divisão - (1935/36, 1936/37 e 1937/38), finalista na Taça de Portugal (1938/39) e conquista da Taça de Portugal (1939/40).

Moral da história
No Benfica sacrificar a competitividade no futebol em prol da construção de obras, mesmo infra-estruturas (suportadas pelas verbas desviadas do futebol) é uma estratégia de curto prazo que está (pelo menos esteve) condenada ao fracasso. Mesmo sendo Cosme Damião o autor dessa "estratégia". No Benfica, futebol é para ganhar! Por isso o Museu Benfica Cosme Damião está "cheio". E até podia ser maior. Tendo em conta as modalidades (história e conquistas) e associativismo (amor e atitudes dos Benfiquistas/ Associados). Um piso por ano. 110 pisos! E acrescentar mais um... todos os anos!

Cosme Damião a principal figura do "Glorioso", entre 1907 e 1926

Alberto Miguéns
Próximos textos no EDB (previsões)
Terça-feira (6-8 de Agosto): O Benfica em Agosto
Sexta-feira (9 de Agosto): O Benfica Transalpino
Sábado (10-31 de Agosto): O Benfica em Agosto (reposição)

7 comentários:

  1. Excelente este pedaço de história que acabei de ler.
    Obrigado sr Miguéns por informar os Benfiquistas!

    Só tenho uma pequena nota a fazer:
    "Cosme Damião não aceitou integrar a lista, mas naquele tempo podia-se concorrer, e ser proposto por outros associados, em mais de uma lista, desde que não fosse para o mesmo cargo."

    No entanto o sr. Eduardo David Martins Pereira, apareceu como candidato a Secretário em ambas as listas. Não houve um equívoco ?

    Agora percebi perfeitamente porque ele decidiu não ser Presidente do Sport Lisboa e Benfica, no entanto fiquei foi sem perceber porque Cosme Damião se candidatou a Presidente da lista opositora, se esta queria seguir uma 'política' diferente da dela. Será que ele pensava que dessa maneira os associados não votariam nessa lista?

    Cumprimentos

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    1. Caro Bruno Paiva

      Quanto a Eduardo Pereira. Não consigo explicar essa situação. Pode haver um erro, pois nunca vi os cartões originais com os nomes. Ou uma alteração (que desconheço) dos Estatutos - estavam em vigor os de 1923.

      Quanto a Cosme Damião candidato a presidente. Naquele tempo - 1926 - ele não se candidatou. Candidataram-no. Foi "proposto por outros associados". Ele não queria. Mas muitas vezes, em eleições anteriores, os candidatos a dirigentes, terem muitos votos, ou seja reconhecimento dos sócios, fazia mudar a sua opinião.

      Até aos anos 70 as votações no SLB eram nominais. Apesar dos nomes estarem em listas, podiam riscar-se os nomes, o que significava que não se votava nesse nome. Mesmo integrando a mesma lista o número de votos variava. Por exemplo, entre os nomes propostos numa lista para a Direcção, havia número de votos diferentes entre eles. O vice-presidente para determinado pelouro podia ter mais votos que outro ou até que o candidato a presidente

      Gloriosas Saudações Benfiquistas

      Alberto Miguéns

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    2. Agradeço desde já a sua pronta resposta e aproveito para o felicitar por este excelente serviço que faz à comunidade benfiquista.

      Continuação de um óptimo trabalho!!

      Saudações Benfiquistas,
      Bruno Paiva

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  2. Caro Alberto Miguéns,

    e apesar de tudo isto, foi o investimento impulsionado por Cosme Damião nas infra-estruturas que possibilitou que Ribeiro dos Reis impulsionasse depois, com sucesso, a vertente desportiva.

    Digo isto porque, se olharmos para a História de uma forma mais ampla, verificamos que os períodos de aparente estagnação ou mesmo declínio num elemento, puderam servir de semente para a revitalização de outro. Muito dificilmente se consegue vitalizar todos ou vários elementos ao mesmo tempo.

    Em conclusão, sendo verdade (na minha opinião) que se Cosme Damião tivesse vencido aquele braço-de-ferro em 1926, o Benfica teria, muito provavelmente, ficado perdido na História como um apontamento de algumas décadas interessantes, também não é menos verdade que o que Cosme Damião trouxe ao clube até ser derrotado pelo novo ideal foi o alicerce que permitiu que a História do clube chegasse ao que é hoje.

    Abraço,
    Isaías

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    1. Caro Isaías,

      Se Cosme Damião tivesse vencido o braço-de-ferro em 1926, não o venceria em 1927 ou em 1928.

      Com eleições anuais era um afastamento anunciado.

      Gloriosas Saudações Benfiquistas

      Alberto Miguéns

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  3. Caro Alberto,

    Tem razão, evidentemente - o progresso estava em marcha e reflectir-se-ia eventualmente. Contudo, referia-me a uma "realidade alternativa", na suposição, no cenário, de o ideal de Cosme Damião ter triunfado decisivamente no Sport Lisboa e Benfica, quando imaginei as consequências. Ou seja, reformulando, se não fosse o ideal modernista uma onda imparável no Benfica e se Cosme Damião tivesse convencido todos os Benfiquistas a manter-se no seu ideal, o Benfica não tinha hoje o lugar que tem na História do desporto mundial.

    No entanto, a ideia principal que quís transmitir foi a de que os momentos na História em que surge uma crise são, por mérito da alma do próprio Sport Lisboa e Benfica, as suas maiores oportunidades de sucesso - sucesso esse, que é sempre alicerçado nas causas da própria crise.

    Espero ter conseguido transmitir o que penso com clareza.

    Cumprimentos,
    Isaías

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    1. Caro Isaías,

      Percebi. E concordo totalmente. "O que não nos mata faz-nos mais fortes".

      Gloriosas Saudações Benfiquistas

      Alberto Miguéns

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