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01 setembro 2016

Sob o Signo das Primeiras Vezes (III: Barco)

01 setembro 2016 1 Comentários
CERCA DE DEZ ANOS DEPOIS DA PRIMEIRA GRANDE VIAGEM DE COMBOIO QUE ENTRETANTO PASSARAM A SER UM HÁBITO O BENFICA FAZ A PRIMEIRA VIAGEM OCEÂNICA DE BARCO.



Não foi uma viagem qualquer. No "Glorioso" o conceito qualquer é raríssimo. Foi uma deslocação à Madeira. O Benfica foi o primeiro clube da "parte" continental europeia a deslocar-se ao Portugal insular. Em termos de futebol foi a terceira viagem, a segunda de um clube (não tendo a certeza absoluta que assim tenha sido, é quase certo que foi):

1. O primeiro clube a fazer uma viagem oceânica foi o CS Marítimo, em 1912 para fazer cinco jogos em Lisboa (dois frente ao SL Benfica), entre 10 e 19 de Outubro. E veio a convite de Cosme Damião. O popular clube madeirense regressou a Lisboa, um ano depois, desta vez a convite de Pina Manique, dirigente e capitão do SC Império para realizar mais cinco jogos (um frente ao Benfica) entre 9 e 19 de Outubro de 1913. Acerca desta deslocações e jogos escreveu-se neste blogue em 2 de Dezembro de 2011 (clicar);

2. A segunda viagem foi feita por uma selecção de Lisboa, da Associação de Futebol de Lisboa (AFL) que entre 26 de Junho e 14 de Agosto de 1913 se deslocou ao Brasil para realizar sete jogos: quatro no Rio de Janeiro e três em São Paulo. Também neste blogue já se escreveu,
em 28 de Maio de 2014 (clicar), acerca deste marco importante para a afirmação do futebol português, cujo centenário passou, vergonhosamente ignorado pela AFL/FPF. E até por lá ficou o nosso avançado-centro Luís Vieira, para jogar no Botafogo FR;

3. A terceira - segunda de um clube de futebol . coube ao Benfica deslocar-se, na Páscoa de 1922, entre 5 e 23 de Abril de 1922, à ilha da Madeira para realizar cinco jogos que já foram evocados neste blogue em 2 de Dezembro de 2011 e que como se vai prever que haja muito texto ondulado para hoje nem vou repetir. Quem quiser saber mais é só (clicar) embora seja no mesmo texto referenciado no ponto 1. que encontrará texto suficiente e fotografias acerca dessa e de outras viagens à simpática e colorida ilha portuguesa.   


A primeira vez de barco (5 a 7 de Abril de 1922)
Uma viagem de barco entre Lisboa e o Funchal levava cerca de dois dias. O Benfica seguiu viagem, a bordo do Funchal pelo meio-dia de 5 de Abril chegando ao...Funchal, ao final da manhã de 7 de Abril. O Benfica rumou à Madeira e saiu a "sorte grande" ao Herculano Santos. Com o mal (impossibilidade) do militar José Pimenta se libertar do quartel foi o "velhote" a ir à Madeira, como descreve com a mestria habitual o nosso António Ribeiro dos Reis. Uma crónica onde alguns mais atrapalhados com o baloiço nas ondas rogavam pragas que nunca mais se metiam noutra. Como se não soubessem que uns dias depois teriam mesmo de voltar a "meter-se noutra". Ou ficavam na ilha!


Um "gasolina" foi buscar os Gloriosos ao "vapor" Funchal desembarcando-os num dos pequenos cais da Ilha, a Pontinha, que nesse tempo os cais não deviam ter condições (profundidade) para os navios poderem atracar. Lá no meio devia estar a Duquesa de Parma que também fez a viagem entre Lisboa e o Funchal




Futebol, convívio e muita amizade
Estavam previstos jogos e mais jogos, realizando-se cinco, entre 9 e 19 de Abril de 1922. Foram quatro jogos no terreno do CS Marítimo e outro (o último) no Largo da Achada, terreno onde os ingleses do Cabo Submarino começaram a jogar futebol. E onde consta que se realizou o primeiro jogo de futebol em Portugal decorria o ano de 1875. Embora eu não acredite. Parece-me pouco verosímil que esses ingleses que tinham estado em Carcavelos, desde 1870 (aliás até algum tempo antes, pois a ligação de Portugal ao cabo submarino foi inaugurada em 8 de Junho de 1870), nunca tivessem jogado futebol nas instalações do Cabo Submarino, na Quinta Nova e só se lembrassem de o fazer, cinco anos depois, na Madeira. Aliás se o cabo submarino Carcavelos - Madeira chegou a esta ilha em 1873, como se descreve neste documento (clicar). Assim, até devem ter jogado futebol logo em 1873, dois anos antes da data que se indica. Tudo isto por dedução lógica porque aquilo que consta é a data referente a 1875. Se os ingleses começaram a instalar o cabo submarino em Carcavelos (1870) porque é que esses mesmos ingleses - que tinham o sábado à tarde livre para "inglesar" - só se lembraram de jogar futebol quando foram para a Madeira?




Em cinco jogos os dois com o CS Marítimo foram "a doer"
O clube maritimista tinha fama de escolher "brutamontes" para posições estratégicas no seu "onze" que encostavam mais o corpo que os pés na bola. O certo é que o Benfica perdeu os seus dois jogos frente ao clube mais popular da Ilha. Sem apelo, nem agravo. Sem apelo porque o "Glorioso" não teve argumentos futebolísticos. Sem agravo porque o capitão Ribeiro dos Reis de nada de "anormal" se queixou!


A equipa do "Glorioso" da esquerda para a direita, fotografada no campo Almirante Reis, no centro do Funchal, à beira-mar: Luís Caldas, António Ribeiro dos Reis (capitão), Joaquim Belford, Fernando Jesus, Vítor Gonçalves, Bastos, Fausto Peres, José Simões, Ralph Bailão, Jesus Crespo e Alberto Augusto

Comitiva com 15 futebolistas e três dirigentes

A comitiva foi constituída por 18 pessoas: 15 jogadores, Cosme Damião (“treinador”), Júlio Ribeiro da Costa (dirigente) e José de Melo, dedicado associado. O Benfica instalou-se no Hotel Europa, inaugurado na ocasião! Era assim no Grande Benfica. Nas deslocações os futebolistas eram sempre muito mais que os "penduras" que formam autênticos grupos excursionistas (à borla). Era assim até há poucos anos. Até nas duas campanhas europeias só iam os dirigentes que tinham trabalho a fazer e o presidente. O dinheiro era caro. A dívida considerada insuportável para os associados do Clube que temiam repercussões dela no futuro.



Jogos em dois locais: no Funchal (quatro) e na Achada (um)
E este jogo nos arredores do Funchal até "meteu" ingleses ou não fosse próximo da Achada que eles tinham as instalações do cabo submarino (telégrafos).



Entre o primeiro campo do CS Marítimo, em pleno centro do Funchal, no actual Jardim Almirante Reis (em cima) e o campo da Achada, o tal espaço onde se diz que se jogou futebol pela primeira vez futebol em Portugal (1875).



Quando as relações desportivas são de rivalidade saudável dá nisto...
Na despedida, os maritimistas distinguem o Benfica como Sócio Honorário do CS Marítimo, primeiro a clube a ter tal distinção e depois apenas repetida por outro clube do "Continente", a Associação Académica de Coimbra. Na primeira assembleia geral após a chegada da Madeira, em 4 de Fevereiro de 1923, os Benfiquistas retribuem a distinção ao CS Marítimo, nomeando o simpático clube madeirense, como Sócio Honorário n.º 1 do Benfica.



Viagem de regresso (21 a 23 de Abril de 1922)
As notícias - pelo menos as que conheço, o que não quer dizer que assim seja - do regresso são escassas. É o habitual. À ida. «Eu vou para a festa e vou cheio de vontade. Vou fazer isto, aquilo e o outro. Vais ver como eu vou ser. Blá, blá, blá...etecetra». De volta. «Ui. Estou cansado. Não quero conversa.»
Sabe-se que o Benfica dia 23 estava em Lisboa - ainda foram 18 dias fora dos empregos o que deve ter agradado aos patrões de muitos dos Gloriosos Futebolistas - e em 30 de Abril de regresso aos jogos, frente ao Casa Pia AC, numa competição regional a eliminar, a Taça de Honra de Lisboa, que o Benfica conquistou. A tal que a AFL diz que foi o Sporting CP (eliminado nas meias-finais pelo Benfica). Trapalhadas que quem quiser saber do porquê, é só (clicar) para 21 de Junho de 2014.


Esta viagem e estadia vista do lado do adversário
Uma grande digressão - mais em futebol, cordialidade e desportivismo (aquilo em que português moderno se designa por "fair-play") que em tempo. O livro acerca da História (Quase...) Centenária do CS Marítimo dá-nos conta disso. Não foi  por acaso que pouco tempo depois, em Outubro desse mesmo ano de 1922, o clube madeirense estava de regresso (pela terceira vez) a Lisboa. Tomaram-lhe o gosto.

(clicar em cima das imagens - as duas últimas - para ver com mais definição)




História do CS Marítimo (1910 - 2000); páginas 36 a 38; Deodato Rodrigues; Publicação em fascículos pelo jornal "Diário de Notícias"; Funchal; 2000

Glorioso Benfica! O Benfica é lindo!

Alberto Miguéns

Previsão para os próximos dias:

02 de Setembro: A primeira vez de avião;
03 de Setembro: A primeira vez de autocarro;
04 de Setembro: A primeira vez de avião fretado.
1 comentários
  1. Bem gostava que algumas das fotografias publicadas em 1954 fossem de melhor qualidade. Essas fotografia do barco para a Madeira merecia umas identificações. Só se conseguem identificar alguns - poucos - jogadores.

    Tem toda a razão pelo absurdo silêncio sobre a grande digressão ao Brasil de 1913. Essa viagem levava se não estou em erro 10 dias e presumo que Cosme e companheiros terão passado das boas (enjoos). A dita visita ao Brasil foi uma visita prestigiante e que teve uma ertente social muito importante para a época. Não interessava salientar. É uma desgraça que estes assuntos sobre a história do futebol sejam na maior parte das vezes ignorados pelas estruturas dirigentes do futebol em Portugal. Não consigo compreender. E também não consigo compreender porque os adeptos também só pensam na espuma dos dias. É tão parvo e tão redutor. Ter um conhecimento e compreensão das gl
    orias passadas dá muito mais brilho e orgulhos às glórias presentes. Felizmente o Alberto é a nossa vanguarda no rigor e na qualidade dessas evocações.

    A viagem à Madeira foi como se percebe uma aventura e um evento importante. Não admira que o SLB tenha sido aprovado como sócio honorário. Nota aí também na lista a presença de Travassos Lopes que foi uma das figuras principais do Cruz Negra e do Império e que tinha a curiosa particularidade de ser sósia de Cosme Damião! Ainda hoje é confundido em algumas fotografias com o nosso Cosme. Foi uma figura importante no CS Marítimo. Noto também as deliciosas alcunhas dos jogadores do Marítimo. Mas mostraram ser jogadores de qualidade.

    Este texto que ainda só li na diagonal merece uma leitura atenta pelos detalhes deliciosos e pela sua relevância histórica.

    Obrigado.

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