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22 janeiro 2016

O Benfica Também Tem Pré-História

22 janeiro 2016 8 Comentários
E UMA DAS DATAS MAIS SIGNIFICATIVAS PODE SER COMEMORADA HOJE. 118 ANOS DEPOIS DE 1898. PRÉ-HISTÓRIA PARA LÁ DA HISTÓRIA GLORIOSA.

A equipa da Real Casa Pia de Lisboa em 1897. Da esquerda para a direita. Em cima: António Couto (2.º), Emílio Carvalho (3.º), Silvestre Silva (5.º), Januário Barreto (6.º), José Neto (7.º) e Francisco Santos (8.º); Em baixo, no centro: Pedro Guedes, capitão (por isso é o "dono da bola"). Estes sete jogaram no "Glorioso". Depois temos ainda. Em cima: João Cambraia (1.º) e Raul Carapinha (4.º). Em baixo: João Pedro (1.º) e Bruno do Carmo (3.º)

NOTA INICIAL: Como segmentos de assuntos que vão ser descritos já foram abordados neste blogue, vou deixando “clicagens” para quem quiser saber mais. 

Em 1898, o dia 22 de Janeiro foi um “dia perfeito” para o futebol português no século XIX (talvez seja melhor escrever, futebol disputado em Portugal).

Feriado Municipal
Era o dia de São Vicente e foi a um sábado, dia de trabalho do nascer ao pôr-do-sol durante centenas de anos. Ou seja, como era feriado municipal em Lisboa não foi dia de trabalho, permitindo jogar frente aos ingleses que – mesmo em Portugal - aos sábados só trabalhavam de manhã (a chamada “semana inglesa” que quando eu era criança significava para um português, ter um bom emprego. Ou dito "à portuguesa", um emprego em vez de um trabalho). Os ingleses reservavam a tarde de sábado para actividades lúdicas e recreativas que antecediam o dia do Senhor, com a reflexão religiosa de Domingo.

Os ingleses de Carcavelos
Em Portugal jogava-se futebol, entre portugueses, “quando calhava” em meia dúzia dos 52 domingos do ano, excepto em Carcavelos onde se praticava com regularidade, mas pelos ingleses, desde que estes tiveram a concessão para instalarem o Cabo Submarino, em 1870, escolhendo Carcavelos (Quinta Nova) para estabelecerem a ligação entre Malta e Londres, mais tarde para Nova Iorque com passagem pelo Faial. Para saber mais clicar.


O “Campeonato” improvisado
A fama da qualidade do jogo praticado pelos ingleses depressa fez furor entre os poucos portugueses interessados pelo futebol. Começaram a formar-se grupos de portugueses (ou mistos de portugueses com estrangeiros) que se defrontavam, primeiro do Campo Pequeno, depois da construção da Praça de Touros, nas Terras do Desembargador, às Salésias, em Belém para “se afamarem” e ser-lhes concedida a honra de jogarem em Carcavelos. Ou seja, desafiarem os ingleses e estes aceitarem o desafio, pois preferiam jogar entre eles a ter de defrontar grupos que não lhes oferecessem resistência. Para saber mais clicar


Uma questão de honra. Ser aceite, pelos ingleses, para jogar na Quinta Nova era "um título". Valia bem uma fotografia para mostrar que era verdade. O mesmo local na actualidade, com cerca de 125 anos a separar as duas fotografias

Casapianos bons de bola
Nos anos 90 do século XIX formou-se um bom grupo de jogadores na Real Casa Pia de Lisboa, atrás do Mosteiro dos Jerónimos. A fama que granjearam permitiu-lhes deslocarem-se à Quinta Nova, em Carcavelos, passam hoje 118 anos, defrontar os ingleses e aplicar-lhes uma derrota que foi histórica. Um grupo só de portugueses, casapianos, provava em pleno campo inglês que era possível derrotar os “inventores” do Foot-Ball. Para saber mais clicar

A equipa da Real Casa Pia de Lisboa em 1895. Da esquerda para a direita. Em cima (avançados): Emílio  de Carvalho (2.º) meia-ponta-direita, Silvestre Silva (3.º), avançado-centro, António Couto (4.º), meia-ponta-esquerda. Ao centro, sentados em cadeiras, (defesa-direito, guarda-redes e defesa-esquerdo): Pedro Guedes (2.º), guarda-redes, capitão (por isso é o "dono da bola") e Januário Barreto (3.º). Em baixo (médios): Daniel Queirós dos Santos (2.º), médio-centro. Estes casapianos jogaram no "Glorioso". Apenas cinco não jogaram no Clube: João Pedro (ponta-direita), Raul Carapinha (ponta-esquerdo), João Lourenço (defesa-direito), João Cambraia (médio-direito) e Bruno do Carmo (médio-esquerdo)


O Benfica e os ingleses
O “Glorioso” teve origem no bom desempenho dos miúdos do Belém Foot-Ball Club (ou Grupo dos Catataus) reforçados com casapianos experientes que no final de 1903 mostraram ter muita qualidade. O que os tornava semelhantes aos “Heróis do 22 de Janeiro de 1898”? Serem só portugueses. Entre muitas decisões que levaram à fundação do nosso clube uma foi, sem dúvida, permitir criar um clube que conseguisse singrar no futebol. Que formasse equipas que pudessem, um dia, num futuro próximo, derrotar os ingleses. E assim foi. Em 10 de Fevereiro de 1907, mais de nove anos depois da proeza dos casapianos seria o Sport Lisboa a infligir nova derrota aos ingleses, precisamente no mesmo local, em Carcavelos. Que estavam invencíveis desde esse tal dia que assinalamos hoje: 22 de Janeiro de 1898. Honra ao Glorioso! O clube que passou, em Portugal, o Foot-Ball a Futebol.


Legendagem feita com a ajuda do inexcedível Victor João Carocha. Por isso completamente fiável. Obrigado
1º nível (atrás), esquerda para a direita: David da Fonseca, Emílio de Carvalho, Cândido Rosa Rodrigues, Marcial Freitas e Costa, Fortunato Levy e, atrás, Carlos França;
2º nível: Manuel Mora;
3º nível: Daniel Queiroz dos Santos, Albano dos Santos, António Couto e José da Cruz Viegas;
4º nível (à frente): Manuel Gourlade;
Arbitro ou adepto: desconhecido. 

É assim o Benfica. Mesmo que na “Pré-História”…

Alberto Miguéns

NOTAS FINAIS:

    1. O feriado municipal de 22 de Janeiro foi abolido com a implantação da República, bem como todos os feriados religiosos, nacionais ou municipais. Como os portugueses têm a "pancada" dos feriados, logo em 12 de Outubro (sete dias depois do 5 de Outubro) passaram a vigorar apenas cinco feriados. Os municípios teriam de escolher um dia que tivesse a ver com o município mas que não fosse religioso. Lisboa passou a ter o dia 10 de Junho. Dia de Camões. Evocando o dia em 1880 quando os Republicanos fazem a primeira grande demonstração de força perante a Monarquia durante as comemorações do Tricentenário da morte do Poeta dos Poetas (clicar para saber mais). Quando a revolução do 28 de Maio de 1926 triunfa, repõe os feriados religiosos, o 31 de Janeiro é abolido (substituído algum tempo pelo 28 de Maio) e altera os nomes para os que existem actualmente. E cria um novo feriado nacional, o 10 de Junho, Dia de Camões, da Raça e do Império. Os lisboetas reclamaram que todos os municípios tinham um feriado "só deles" e Lisboa não! Depois de umas "conversas" chegou-se à conclusão que regressar ao 22 de Janeiro não era boa ideia. Era preferível escolher um dia de Verão. Optou-se pelo 13 de Junho. Três dias depois do 10 de Junho. No entanto São Vicente (22 de Janeiro) continua padroeiro de Lisboa embora esta comemore o Santo António! Feriados Municipais no Inverno não era boa ideia! Antes no Verão! E assim ficou. Esta história pode estar mal contada - e não está - mas também mesmo que estivesse, não é para isto que este blogue serve! O que é certo é que o Feriado em Lisboa que começou em 22 de Janeiro acabou em 13 de Junho!


        2.  No jogo em 10 de Fevereiro de 1907 jogaram, pelo "Glorioso" quatro casapianos que já tinham jogado, em 22 de Janeiro de 1898, há 118 anos, pela Real Casa Pia de Lisboa: Emílio de Carvalho, António Couto, Daniel Queirós dos Santos e David José da Fonseca. Ambos os jogos na Quinta Nova, em Carcavelos, frente ao Carcavellos Foot-Ball and Cricket Club e com duas vitórias, separadas por nove anos e quase um mês. À Benfica!

      
     A nossa estreia no futebol (1 de Janeiro de 1905) foi com uma equipa que contava com Pedro Guedes, António Couto, Emílio Carvalho e Silvestre Silva, ou seja, quatro casapianos de 22 de Janeiro de 1898.



Composição elaborada com base nas notícias acima publicadas e na entrevista de Silvestre Silva

          Para terminar em beleza, eis a equipa-tipo de 1904/05.


   Da esquerda para a direita. De cima para baixo. Componentes da defesa e meia-defesa (actual meio-campo): José Cruz Viegas (defesa à direita), Manuel Mora (guarda-redes), Fortunato Levy (meio-defesa à direita), Albano dos Santos (meio-defesa ao centro) , António Couto (meio-defesa à esquerda) e Emílio de Carvalho (defesa à esquerda); na frente, como da praxe, a linha de cinco avançados, do ponta-direito ao ponta-esquerdo: António Rosa Rodrigues, Silvestre da Silva (o capitão transporta a bola do jogo), Cândido Rosa Rodrigues, José Rosa Rodrigues e Carlos França. A vermelho os casapianos de 1898!


8 comentários
  1. A Quinta Nova é um local de passado mágico. Aquelas escadarias têm uma carga. Os miúdos que por lá andam provavelmente não fazem ideia.

    A nossa equipa era só craques e só isso explica que tenha derrotado os crónicos vencedores (e goleadores). Só os Ingleses do Oporto Cricket é que rivalizavam com estes Ingleses da linha. Os Casapianos tinham fogo na alma e talento nos pés!

    Belo artigo! Obrigado.

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  2. Obrigado por estes artigos Alberto!

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  3. Saudações
    Mais um grande trabalho.
    Num dos jornais originais também se pode ler o artigo descritivo de todas as medidas e forma de implementação das mesmas na divulgação e evolução da natação nacional.

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  4. Excelente.

    História. Do Benfica e de Portugal.

    É sempre bom aprender.

    PS: Pensava que a fotografia que tem como texto de apoio o seguinte texto "Legendagem feita com a ajuda do inexcedível Victor João Carocha..." seria de 1904. Mas pelos visto estava equivocado e é de 1907, correcto Alberto?

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  5. Respostas
    1. Obrigado.

      Embora sabendo que estes textos têm menos visitas (às 22:35) tem 598 visitas, apesar de dar mais trabalho e despesa, são estes os que eu gosto mais de fazer. Defender o Benfica com a sua grandeza em vez de enxovalhar adversários transformando-os em inimigos. Mesmo que às vezes mereçam. Mas a Cultura do Benfica está acima de tudo e todos.

      Gloriosas Saudações Benfiquistas

      Alberto Miguéns

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  6. Gostei imenso. Muito grata por poder disfrutar.

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