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29 março 2015

Arrabenta Com Eles Albino! (parte II)

29 março 2015 4 Comentários
ERA UMA VEZ UM FUTEBOLISTA QUE CHEGAVA DE CARRO ELÉCTRICO AOS JOGOS!


No tempo em que no futebol se contavam tostões, os futebolistas eram bem pagos, tendo como comparação os vencimentos de outros com igual aptidão, conhecimentos e instrução. Ser futebolista era viver acima da média. Mas...

Nos anos 30 e mesmo 40
Os jogadores do Benfica não tinham automóvel. A não ser que fosse do emprego! Sim! Até à chegada do treinador Otto Glória (1954/55) os futebolistas eram "semi-profissionais".  



Amadores, semi-amadores, semi-profissionais e profissionais
Portugal sempre foi pródigo em eufemismos. Quando se começou a pagar aos futebolistas era para "se alimentarem melhor e terem finanças para ir aos médicos e tratar da saúde". Mesmo assim eram amadores. Depois passaram a ser contratados com pagamento de "luvas" (palavra que vinha do século XIX, ou antes, e que significava corromper escondendo o dinheiro dentro das luvas que eram oferecidas ao corrompido como se fossem apenas...um par de luvas inócuo). Os clubes aliciavam um jogador dando-lhe dinheiro para que este pudesse "montar um negócio". Futebol semi-amador. Cosme Damião não aceitou, por isso (também por isso...) saiu do Benfica. Depois passou-se a outra "fase", a semi-profissional. Os clubes contratavam um futebolista dando-lhe um vencimento mensal e disponibilizavam-lhe um emprego remunerado que procuravam conseguir entre dirigentes e adeptos do clube com empresas. Em Portugal geralmente era no Estado. O País mudou pouco!

Cromo de 1936/37

Francisco "Tempero" Albino
O extraordinário Albino abominava contratos escritos. Considerava que só assinava contratos quem tinha vontade de enganar ou medo de ser enganado. Consta que quando foi obrigado a assiná-los virava a cara. Era como se estivessem a desconfiar dele. De que ele só jogava, e jogava muito bem, porque era obrigado pois tinha assinado um compromisso com o Clube. Albino era de uma aldeia serrana. Do tempo em que chegava a palavra, mas tinha outra particularidade. Quando havia prémio de jogo, e este terminava, mesmo que ainda não tivesse recuperado o fôlego, ao cruzar-se a caminho do balneário com um dirigente ou já dentro deste disparava, meio a sério, meio a brincar enquanto esfregava o polegar no dedo indicador: "Então o tempero, venha lá o tempero". Claro que o tempero era o prémio do jogo! Ficou "Tempero" para sempre!

Cromo de 1938/39
Como os jogadores do Benfica não eram dos mais bem pagos (quando comparado com o Sporting CP, FC Porto e até CF "Os Belenenses")
Os dirigentes do Benfica, ao que consta numa medida implementada por Ribeiro dos Reis/ Joaquim Bogalho (quando este "presidente dos presidentes" foi tesoureiro da Direcção) pagavam os bilhetes de eléctrico, ida e volta, aos futebolistas para os treinos e jogos. Mas havia uma regra para os dias dos jogos, em casa (Amoreiras ou Campo Grande) e jogos "fora" dentro da cidade de Lisboa. Tinham de chegar duas horas/hora-e-meia antes do início do jogo. Se por algum motivo se atrasassem tinham, obrigatoriamente, de deslocar-se de táxi, mas o "Glorioso" não pagava a despesa. Teria de ser por conta deles!

Cromo de 1939/40
Um dia...
Entre os anos 30 e 40 (já soube o dia, mas não consegui descobrir esse apontamento) num domingo à tarde, havia um Benfica frente ao Sporting CP ou ao contrário no Campo Grande. Se foi até 1937 era um SCP - SLB. Se foi depois de 1941 foi um SLB - SCP. Porque o campo de jogos (não as bancadas) era o mesmo. Até 1937 (tempo da "casa" do Sporting CP) chamava-se 28 de Maio, a partir de 5 de Outubro de 1941 (inauguração como recinto do SLB) regressou ao nome pré-28 de Maio de 1926, simplesmente Campo Grande! À Benfica. Neste caso: Há Benfica!

Cromo de 1940/41

Nesse dia Albino atrasou-se mas...
O Tempero não estava para gastar "dinheiro mal gasto". Já corriam menos de duas horas para o jogo (15 horas) e ele ainda estava em casa. Pôs-se a mexer mas pensou duas vezes e decidiu quebrar a regra. Foi para o cimo da avenida da Liberdade para "apanhar" o carro eléctrico n.º 2 que fazia o percurso Restauradores - Lumiar, mas que em dias de futebol tinha carreira reforçada até ao Campo Grande e depois regressava aos Restauradores.


Nem queria acreditar
Na paragem uma multidão, com os eléctricos a passarem com gente "dependurada" sem pararem. Ficou aflito. Mas como o taxi custava um ou dois temperos...aguentou. Num tempo em que não havia televisão, mas havia jornais com fotografias e principalmente "cromos da bola", não demorou muito a miudagem começar a gritar. Olha o Albino! Olha o Tempero! Aqui ao pé de nós. E começaram os pedidos:
Vais arrebentar com eles daqui a bocado!
Albino, quantos vamos dar hoje!
Tempero, temos umas contas a ajustar com os lagartos!
Dá-lhes que eles não valem nada!
Albino com olho neles a dizer que sim mas a ver os eléctricos cheios sem pararem e ele sem lugar para chegar ao Campo Grande!
Albino, arrabenta com o Sporting!
Dá-lhes! Todas as que forem ao lado perdem-se...
Hoje o árbitro é pitosga. Aproveita!
Albino continuava com olho neles a dizer que sim mas a ver os eléctricos cheios sem pararem e ele sem conseguir chegar ao Campo Grande! Até que explodiu.
Porra! Como é que vocês querem que eu os "arrabente" se não me deixam chegar ao jogo. Para arrabentar com eles tenho de jogar! Não?!

Cromo de 1941/42

Todos a olhar...
Quando avistaram o próximo eléctrico, os Benfiquistas saltaram para a linha e obrigaram o guarda-freio a freiar (travar). E gritaram para os que iam pendurados. Têm de sair daí que está aqui o Albino e tem de chegar ao jogo, para arrabentar com eles e já só falta meia-hora! A "malta do eléctrico" começou aos gritos: Olha o Albino! Olha o Tempero está aqui! Gerou-se a confusão. Porque os que iam de viagem não queriam sair. Diziam. Olha, então o Albino vai arrabentar com eles e eu não vejo. Não! Não! Não saio! Mas lá arranjaram maneira de mais um passar para a "pendura" e o Albino entrar. Para o Tempero foi um alívio. Logo surgiram vozes. Albino? Eu dou-te o meu lugar para ires sentado, descansares para arrabentar com eles como gente grande!

Cromo de 1943/44
Quando chegou ao Campo Grande
Estava o jogo muito próximo do início. O treinador já tinha feito adaptações pensando que ele não jogava. Já não sei se o Benfica começou, momentaneamente, com dez à espera que ele se equipasse ou se ele conseguiu, mesmo à justa, entrar em campo ainda a ajeitar o equipamento e apertar as chuteiras.

Cromo de 1944/45

No final do jogo os colegas, treinadores e dirigentes incrédulos quiseram saber o motivo do atraso.
Ele contou e todos perceberam. Via-se mesmo que o Tempero era um futebolista que nunca tinha sido adepto quando era miúdo. Não tinha passado pelo tormento que eles passaram quando em crianças iam ver jogos do "Glorioso" e apanhavam eléctricos apinhados. Eles "sabiam" o porquê de não poderem ir à justa de eléctrico, mas sim com tempo. Albino passara a infância em Tortosendo (até aos 16 anos), a adolescência junto ao campo das Amoreiras e depois às horas dos jogos da equipa de Honra ele estava com o "Manto Sagrado" a honrá-lo nos Infantis, 3.º categoria, 2.ª categoria ou Reserva. Foi preciso uma lição prática para perceber o porquê da regra das "Duas Horas".

Perguntei-lhe: A partir desse dia quando se atrasava ia de táxi?
Respondeu: Não! Nunca mais me atrasei! O Tempero era mesmo tempero. Um gigante! Um dos que fizeram o Benfica tão grande, tão grande, que lhe perdemos a conta!


O que eu, Albino e Macarrão nos rimos nessa tarde no início dos anos 90!

Francisco Alves Albino, muito provavelmente, o futebolista que melhor interpretou a “Mística”, lutando até à exaustão pelo “Glorioso”. Pelo menos Bogalho sempre disse isso. E se Bogalho disse é Lei Benfiquista!


Alberto Miguéns


NOTA1: Aqui ficam todos os jogos em que Albino defrontou o Sporting CP. Foi num desses no Campo Grande que chegou a queimar o início. Mas ficam todos pois deve ter "arrabentado" neles em muitos deles!





NOTA2: Sábado com boas e más notícias, mas é no domingo que a Capital do "Glorioso" se muda para Forli. Carichi Benfica!


TÁBUA CRONOLÓGICA/ DIÁRIO DO SLB/ 28-31.Março.2015
Dia SLB
N.º
MAR
Dia
Acontecimento









40 570









28
HP
17.00
Jg 4184 ESmHP; V 7-2; A. Juventude de Viana; Campeonato Nacional; 23.ª jornada; Pav. SLB 1  (Lisboa); C
PA
17:00
Jogo 09 ESfPAQ; D 6-8; Clube Fluvial Portuense; Campeonato Nacional I Divisão; 2.ª Fase; 3.ª jornada; Piscina CF Portuense (Porto); F
FTS
18:00
Jg 877 ESmFs; V 7-3; CD Fátima; Taça de Portugal; Quartos-de-final; Pav. Centro de Estudos (Fátima); F
FTS
19:00
Jg ESfFs;  D 4-6 (ap); Novasemente GD; Taça de Portugal; Quartos-de-final; Pav. SLB 2 (Lisboa); C
AND
19:15
Jg 2981 ESmA; D 27-28; FC Porto; Taça de Portugal; Meia-final; Pav. Desportivo Municipal (Loulé); N
HP
20:00
Jg 104 ESfHP; V 12-1; HC Mealhada; Campeonato Nacional/Fase Final; 5.ª jornada; Pav. SLB 1 (Lisboa); C


40 571


29
RÂG
12:00
Jg ESfRag; O 00-00; Campeonato Nacional de Sete; 1.ª etapa (de cinco); 1.º jogo (a confirmar)
VOL
17:00
Jg 1882 ESmV; O 0-0 (00-00; 00-00; 00-00); CMC Ravenna; Taça Challenge; Meias-finais; 2.ª mão; Pav. Palafiera (Forli/Itália); F
40 572
30
BIL
21:00
Jg 1965 ESmBIL; O 0-0; ALAB-A; Campeonato Nacional I Divisão - Zona Sul; 9.ª jornada; Sala SLB (Lisboa); C
40 573
31



Carichi Benfica!

Alberto Miguéns
4 comentários
  1. História deliciosa. Um verdadeiro fresco. Boa para umas gargalhadas e para perceber a raiz popular e generosa dos Benfiquistas. À Benfica!

    Lembro-me vagamente dos dias de derbi na década de 70. Mesmo durante o princípio da década de 80 era qualquer coisa de transcendente. Especielmente, imagino eu na mente de uma criança... Tudo vivia suspenso antes do início do jogo e tudo se experimentava durante o jogo. Desde a angústias dos dias ou dos minutos em que não corria bem até aos dias de glória com a satisfação de mais uma vitória sobre lagartos. Nas décadas de 30 e 40 devia ser um rebuliço ainda maior.

    O "tempero" devia ter uma enorme lista de históias.

    Muito obrigado!

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  2. cresci a ouvir falar de albino.
    meu avõ, ferveroso benfiquista do norte falava em albino,valadas,francisco ferreira arsénio etc etc etc.
    essa história do transporte de elétrico já eu sabia fáz muitos anos,póis meu avõ era guarda freio na carris,e transportou esses imortais do nosso glorioso durante vários anos...até há década de 60.
    acabei de ficar muito emocionado ao ler esta crónica.
    abraço benfiquista amigo alberto.

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  3. Fascinante como o texto nos transporta numa névoa mística ao passado com deliciosos momentos de humor, história social inserida dentro de uma estória contada por uma gloriosa lenda, que tarde maravilhosa deve ter sido essa sr. Alberto, só imaginar a situação do Tempero enquanto espera pelo eléctrico é suficiente para me fazer soltar umas gargalhadas. Obrigado
    RL

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